SÃO FRANCISCO - O Federal Reserve pode elevar os juros para 5,75% neste ano a fim de conter a alta inflação. Mas apesar deste aperto monetário é possível que os EUA não ingressem em uma recessão neste ano, comentou em entrevista exclusiva ao Broadcast Estadão Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley.
Para ele, o Fed, o banco central americano, quer baixar os preços com a desaceleração do crescimento da economia e um aumento não muito expressivo da taxa de desemprego, dos atuais 3,4% para perto de 5%. “Esta seria a chamada desinflação imaculada, sem o país entrar em recessão. Mas essa é uma janela muito estreita”, diz. Ele acredita ser possível que os EUA cresçam 1% neste ano.
Eichengreen, contudo, está mais preocupado que a Europa registre uma contração do Produto Interno Bruto (PIB) por dois trimestres consecutivos em 2023 do que os EUA. Essa avaliação baseia-se sobretudo na grande dependência daquele continente de energia e de alimentos em meio à Guerra na Ucrânia, que pode agravar-se inesperadamente e repetir o aumento expressivo dos custos das mercadorias.
O professor considera que a China poderá registrar um avanço do PIB entre 5% e 6% neste ano porque a base de comparação é baixa, dado que a expansão foi de 3% em 2022. Ele considera que o país poderá ter um potencial de crescimento entre 4% e 4,5% a partir de 2024 por um período de cinco anos caso melhore o tratamento das empresas particulares e diminua os sérios atritos comerciais com os EUA e a Europa.
“Contudo, se a China continuar a reprimir o setor privado e mantiver disputas com o Ocidente, os 4,5% serão inatingíveis e talvez o potencial ficará abaixo de 4%.” Barry Eichengreen é também um estudioso dos avanços de produtividade na história econômica. Ele não acredita que novos instrumentos de inteligência artificial, como Chatbots, entre eles o ChatGPT, gerarão saltos de eficiência na produção em dez anos.
Acompanhe os principais trechos da entrevista concedida em seu gabinete no Departamento de Economia da Universidade da Califórnia, em Berkeley, onde além de muitos livros exibe uma vista privilegiada da ponte Golden Gate.
A Comissão Europeia anunciou nesta semana que a Europa não deve enfrentar uma recessão em 2023. Nos EUA, muitos investidores até recentemente apostavam que o país registraria um pouso mais suave neste ano do que o esperado há alguns meses. Como o senhor avalia o cenário de curto prazo para estas duas potências econômicas globais?
Certamente é muito cedo para declarar vitória em ambos os casos. O Federal Reserve e o Banco Central Europeu continuarão a aumentar os juros para diminuir a alta inflação neste semestre. O Federal Reserve adotará altas dos Fed funds menores do que em boa parte de 2022, mas continuarão sendo elevações de 0,25 ponto porcentual. A taxa final de juros poderá ser mais alta do que era estimado até recentemente, pois poderá chegar a 5,50% ou 5,75% neste ano. Muitas empresas estão alavancadas e os mercados financeiros, especialmente de ações, apresentam grande valorização. E o Banco Central Europeu também continuará o aperto monetário, pelo menos por mais alguns meses. Eventos geopolíticos podem surgir e prejudicar a recuperação dos EUA e da Europa, como a piora da guerra na Ucrânia. Há ainda muitas razões para ficar preocupado, pois existem maiores chances do quadro econômico piorar.
É inevitável os EUA ingressarem em uma recessão neste ano?
Não. A recessão pode ser evitada, sobretudo se o Federal Reserve conseguir retardar o crescimento do país com modesta elevação da taxa de desemprego. A economia teria uma expansão mais lenta, mas continuaria a crescer. Nestas circunstâncias, poderão ser menores as altas dos salários. O que o Federal Reserve quer é baixar os preços com a desaceleração do crescimento da economia e um aumento não muito expressivo da taxa de desemprego, dos atuais 3,4% para perto de 5%. Esta seria a chamada desinflação imaculada, sem o país entrar em recessão. Mas essa é uma janela muito estreita. Por outro lado, os fundamentos da economia dos EUA são bons. Não há problemas no sistema bancário. Os dados do varejo apontam resultados positivos, o mercado de trabalho está bem aquecido e as famílias dispõem de um robusto nível de poupança. Se eu tivesse que estimar qual tipo de pouso o país terá, eu optaria por um suave. Contudo, ações de política monetária tem uma defasagem sobre o nível de atividade, que podem levar 9, 12 meses, como apontou recentemente a professora Christina Romer, minha colega aqui na Universidade da Califórnia, em Berkeley, durante a reunião da American Economic Association em janeiro. A alta dos juros pelo Fed adotada neste início de ano provavelmente não gerará impactos na demanda agregada até o começo de 2024.
É possível que os EUA cresçam 1% neste ano?
Sim, é totalmente possível, inclusive com o impulso neste ano com o crescimento de 2,1% registrado em 2022. O risco de recessão parecia ser muito grande quando o Fed estava aumentando os juros em 0,75 ponto porcentual em quatro sessões seguidas no ano passado. Foi um movimento de alta muito difícil para a sociedade digerir e criou um grande potencial para prejudicar bastante a economia. Contudo, o ajuste agora é menor, de 0,25 ponto porcentual, e é mais fácil para as empresas ajustarem seus planos de investimentos. Para 2024, contudo, o crescimento do país deve ser menor do que neste ano, devido a alguns fatores, como uma menor expansão do PIB em 2023 e a política monetária restritiva.
O que torna a economia americana tão resistente, uma vez que o Federal Reserve aumentou os juros de 0% para 4,5% em dez meses? O país está em pleno emprego e os mercados financeiros apresentam um desempenho bem positivo A política fiscal expansionista adotada pelo presidente Joe Biden desde 2021 ajudou?
O pacote fiscal do início de 2021 implementado pelo governo para recuperar o país do choque da pandemia deixou a economia um pouco superaquecida. Este fator, mais os problemas nas cadeias internacionais de produção, elevaram a inflação que agora estamos tentando controlar. Por outro lado, foram corrigidas falhas óbvias no sistema financeiro que existiam antes da crise de 2009. Os bancos estão mais capitalizados, são mais capazes de tolerar o aumento da taxa de juros e os principais problemas que afetaram a economia global recentemente não atingiram tanto os EUA. O país é exportador de energia e de alimentos e as dificuldades vindas da guerra na Ucrânia não nos atingiram na mesma medida que impactaram a Europa e o Japão, onde estão desesperadamente tentando reiniciar o uso de suas usinas nucleares.
O senhor avalia que a Europa pode conseguir escapar da recessão neste ano?
A Comissão Europeia está tentando incentivar as pessoas no continente a ficarem otimistas com as suas perspectivas econômicas nos próximos trimestres. Se a Alemanha não tiver uma queda do PIB neste ano, fique ao menos com um resultado nulo, e outros países europeus crescerem, será possível evitar a recessão em 2023. A Alemanha foi capaz de se adaptar aos preços mais altos de energia com muito mais eficiência do que o previsto por muitos especialistas. E houve outras surpresas positivas com a Itália, onde as políticas econômicas do novo governo mostraram-se razoáveis. Contudo, há muitas incertezas sobre o cenário econômico para a Europa e acredito que as probabilidades de recessão são mais altas do que nos EUA. Preocupo-me mais sobre a possibilidade de contração da economia europeia do que da americana. Há um apoio fiscal na Europa que não é tão vigoroso quanto nos EUA. O potencial de impacto dos preços de energia é muito maior naquele continente enquanto o conflito militar continuar na Ucrânia. A Europa foi bem sucedida em preencher as reservas de gás natural para este inverno, que foi moderado. Mas o próximo inverno pode ser muito mais difícil.
É viável a China ter um potencial de crescimento de 5,5%, como quer o governo de Pequim, nos próximos cinco anos com restrições demográficas, de investimentos privados e de acesso à tecnologia, sobretudo de semicondutores de última geração?
A China poderá crescer entre 5% e 6% neste ano porque a base de comparação é baixa ante 2022, quando avançou 3%. Mas, depois de 2023, acredito que o potencial poderá ficar entre 4% e 4,5% devido aos problemas que você descreveu. Houve na China uma repressão às empresas privadas que talvez o governo esteja começando a reverter. Mas não está claro o quanto conseguirá melhorar nesta área. A delegação do país que foi a Davos no mês passado manifestou que a China quer ter relações econômicas produtivas com o Ocidente.
Mas tal posição dos representantes chineses em Davos não foi apenas retórica diplomática, pois poucas medidas práticas foram adotadas sobre esta questão?
Acho que sim, foi um desejo apenas. Será difícil atrair investimentos dos EUA com balões de reconhecimento voando sobre Montana. A China terá um crescimento potencial de 4% a 4,5% nos próximos cinco anos se o sistema político no país for mais flexível e aberto para o Ocidente. Um crescimento de 4,5% é muito bom. Contudo, se a China continuar a reprimir o setor privado e mantiver disputas com o Ocidente, os 4,5% serão inatingíveis e talvez o potencial ficará abaixo de 4%. No passado, a China seguiu como receita exportar muito para poder importar tecnologia, o que requer ao menos relações estáveis e razoáveis com seus parceiros estrangeiros. A companhia privada progride junto com a empresa estatal. Mas nos últimos anos vemos uma participação crescente de investimento estatal e não do setor privado.
Relações mais estáveis da China com os países do Ocidente não deverão ocorrer nos cinco anos do terceiro mandato do presidente Xi Jinping?
Exato. Não há indicação de que ocorrerão.
Vamos falar sobre avanço de produtividade com novos mecanismos de Inteligência Artificial, como Chatbots, entre eles o ChatGPT. O senhor avalia que tais instrumentos poderão aumentar de forma expressiva a produtividade em vários países em um período entre cinco e dez anos?
Será um processo que ocorrerá provavelmente mais devagar. Na história, outros fatores como o motor a vapor, a eletricidade, o mecanismo de combustão interna e o computador mainframe levaram de 20 a 30 anos para avançar a produtividade. Antes que impactos significativos para tornar a produção mais eficiente e rápida se tornassem evidentes, as pessoas precisavam descobrir como utilizar e implantar essas novas tecnologias. Um exemplo que eu sempre dou aos meus alunos é o seguinte: quando surgiu o Uber no aeroporto de São Francisco aumentou o tempo que as pessoas precisavam para entrar ou sair do aeroporto. Isto ocorreu porque os carros particulares que prestavam serviços pelo Uber estavam competindo nos mesmos espaços com os táxis amarelos, o que gerou congestionamentos. Foi necessário ocorrer uma reorganização para definir quem poderia dirigir e por onde. Somente depois disso que o trânsito na região voltou ao normal.
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