BRASÍLIA E SÃO PAULO - O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, reforçou nesta quinta-feira, 27, que, no curto prazo, a inflação seguirá acima da meta perseguida pela autoridade monetária, que tolera um IPCA de, no máximo, 4,5%.
Durante entrevista à imprensa para detalhar o Relatório de Política Monetária (RPM), divulgado nesta manhã, Galípolo disse que deve ser o primeiro chefe do BC a escrever, em um único ano, duas cartas ao presidente do Conselho Monetário Nacional (CMN) explicando a inflação acima do limite superior do intervalo de tolerância da meta. A primeira carta foi entregue em 10 de janeiro.
Segundo o presidente do BC, a autarquia tem procurado comunicar que, no curto prazo, será preciso conviver com o IPCA acima da meta, apesar dos juros em nível elevado. Ele reiterou a sinalização de que, em um ambiente de incertezas, os juros seguirão subindo, embora em menor magnitude, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em 6 e 7 de maio.

Em relação às próximas decisões, Galípolo evitou dar mais indicações. Disse que o BC quer preservar graus de liberdade, observando os dados. Ele rebateu questionamentos sobre o compromisso do BC em buscar a meta de inflação. “É curioso alguém falar em não comprometimento com a meta após alta de 3 pontos porcentuais na Selic”, declarou Galípolo ao ressaltar que o BC mostrou “com clareza” seu compromisso com a meta.
Ele afirmou, também, que qualquer divergência entre os membros do Copom na sua avaliação de cenário será destacada. Na entrevista coletiva, ele foi indagado sobre a razão pela qual as atas deixaram de trazer que “alguns membros” do colegiado avaliaram um ponto específico do cenário, por exemplo.
“Quando tiver, obviamente, algum tipo de divergência, aí você vai ter que destacar”, ele afirmou.
Galípolo explicou que, nas últimas reuniões, o colegiado decidiu retirar a menção a “todos os membros” das avaliações consensuais, com o objetivo de deixar a comunicação mais limpa. Também presente na entrevista, o diretor de Política Econômica, Diogo Guillen, reforçou que não houve mudanças na governança de comunicação do Copom, e que o objetivo da ata é garantir a transparência.
O presidente registrou que não está no mandato do BC trabalhar para diminuir a volatilidade nos mercados. “Mas, se pudermos, não vamos agregar”, considerou, voltando a dizer que a reancoragem das expectativas é um tema recorrente nas discussões do colegiado.
Ele salientou que, com as expectativas desancoradas, o esforço do Banco Central tem de ser maior do que o usual e que isso explica o motivo de a atual cúpula da instituição ter colocado a Selic em um nível historicamente elevado. Na semana passada, o BC fez a terceira elevação consecutiva de 1 ponto porcentual do juro, para 14,25% ao ano, e sinalizou que a trajetória de aperto continuará no encontro de maio, ainda que deva ser decidido um ritmo menor de elevação.
Patamar contracionista
O presidente do Banco Central disse que a cúpula da instituição tem buscado entender se o atual nível da Selic, de 14,25% ao ano, é contracionista o bastante para levar a inflação para a meta.
“A gente está ingressando num ambiente, num patamar de taxa de juros, que é contracionista com alguma segurança mesmo para quem tem um nível de taxa de juros neutra mais elevado. A gente está em um processo de continuar olhando a atividade econômica a partir dessas defasagens e os outros elementos que a gente conseguiu elencar aqui”, considerou.
Galípolo voltou a revelar o desconforto de todo a direção do BC em relação à continuidade das altas das expectativas de inflação. “As expectativas nos incomodam muito, e no nível de desancoragem de todos os demais elementos de uma inflação corrente”, afirmou.
O presidente reforçou a importância de continuar a monitorar o máximo possível a quantidade de dados para que o BC possa ganhar confiança. “A gente está tateando agora esse processo para entender se esse nível de política monetária, que está contracionista, mesmo que tenha taxa de juros neutra mais elevada, se é contracionista o suficiente para que a gente possa fazer a contingência dentro do horizonte que a gente está estabelecendo”, disse.

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Galípolo reafirmou que o BC tem falado em defasagens para explicar mecanismos de transmissão. “Então a gente está falando em defasagem muito mais para explicar o que é um mecanismo que a gente espera de transmissão a partir de a gente ter acabado de entregar praticamente 300 bases points (3 pontos porcentuais) de elevação em taxa de juros e adentrar um patamar que é contracionista, mesmo que a gente considerasse taxa de juros neutra mais elevada.”
Conforme o presidente do BC, há um processo de reunir a maior quantidade de informações possível para que o colegiado ganhe confiança sobre a velocidade de convergência para a meta de inflação. “Essa é a principal resposta aqui”, afirmou, acrescentando o cenário base do colegiado tem se confirmado recentemente. “Querer garantir esse grau de liberdade (sem um guidance) significa que a gente quer continuar reunindo informações para ir analisando, reunindo essas informações a partir de um cenário de pós-elevação da taxa de juros do patamar que nós temos.”
Comunicação do BC
Sobre a comunicação da autarquia, Galípolo disse nunca ter recebido “qualquer tipo de sugestão” do ministro da Secretaria de Comunicação Institucional a Presidência, Sidônio Palmeira.
“O Sidônio talvez seja um dos ministros mais zelosos com a autonomia do Banco Central, eu não consegui nem convidar ele para tomar um café aqui”, disse.
Ele negou ter recebido qualquer sugestão do ministro sobre como conduzir a comunicação do BC acerca de uma mudança no Pix. A mudança, lançada no começo de março, visava obrigar instituições participantes do arranjo a garantir que nomes de pessoas e empresas vinculadas a chaves Pix estejam em conformidade com bases da Receita Federal.
Originalmente, a comunicação foi feita por meio de uma nota. Depois, o próprio Galípolo gravou um vídeo, distribuído nas redes sociais, para explicar as mudanças. Em janeiro, a oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou uma portaria da Receita para espalhar uma onda de desinformação, dizendo que o Pix seria taxado. O governo acabou por recuar da portaria.
O presidente do BC afirmou que tem “muito orgulho” da comunicação da autarquia, que tem estudado novas estratégias para falar com um público mais amplo. Um exemplo é a série de vídeos “BC sincero”, produzidos pela equipe de comunicação da autarquia e distribuídos nas redes sociais.
Galípolo disse que quer ter certeza de que passa o recado de que a autoridade monetária tem feito todos os esforços para deixar claro que está fazendo o máximo para levar a inflação para a meta.
“De um lado, você não quer excessiva volatilidade na taxa, que acaba se refletindo em volatilidade no ciclo econômico. De outro, você não quer que pareça pouco responsivo, pouco inercial”, disse. “O BC quer sempre evitar a percepção de que não está sendo suficientemente responsivo”, frisou.
Autonomia
Galípolo disse ainda que todos os membros do Copom têm autonomia e têm os votos publicados. Respondendo a uma pergunta, ele negou que os aumentos nos juros este ano tenham sido determinados pelo ex-chefe do BC Roberto Campos Neto.
“Eu já tinha dito, em dezembro, que o Roberto tinha sido generoso de, já na última reunião, permitir que eu pudesse assumir um papel maior, de protagonismo, ao longo da discussão daquela reunião do Copom”, disse Galípolo. “Para além disso, todos os diretores têm autonomia e, em todos os meus votos e em todos os votos dos diretores, está lá expresso o que é a consciência e a visão de cada um dos diretores.”
Ele se recusou a falar sobre comentários de membros do governo, que têm repetido que as altas de juros feitas por Galípolo foram “contratadas” por Campos Neto — em dezembro, o comitê aumentou os juros em 1 ponto porcentual e sinalizou mais duas altas da mesma magnitude. Recentemente, o próprio presidente Lula disse que Galípolo não poderia “fazer um cavalo de pau” na condução da Selic.
O presidente do Banco Central também minimizou declarações do vice-presidente Geraldo Alckmin. Esta semana, Alckmin elogiou o Federal Reserve (Fed, banco central americano) por supostamente olhar para um núcleo de inflação que exclui alimentos e energia — menos sensíveis à política monetária —, e disse que algo assim deveria ser estudado pelo BC.
“Eu acho que ele está discutindo, olhando para cenários internacionais e práticas internacionais”, disse. “Do nosso lado, a gente está bastante satisfeito com o que nós temos aqui, do nosso arcabouço, mas a autonomia do Banco Central não implica que as pessoas não podem fazer comentários sobre o arcabouço, debater esse arcabouço.”
Galípolo ponderou que a média dos núcleos observada pelo BC também está acima da meta, no acumulado de 12 meses, e apenas pouco abaixo da inflação cheia.
Tarifas dos EUA
O presidente do Banco Central disse que a autarquia ainda tenta entender para onde a curva de oferta dos Estados Unidos vai se deslocar após o choque de tarifas comerciais promovido no país. Essas tarifas devem produzir um choque de oferta, mas a sua natureza ainda não está clara, ele disse.
“Diferente dos choques de oferta tradicionais, que você tenderia a imaginar que pode produzir algo passageiro, nós estamos tentando entender para onde se desloca a curva de oferta a partir de você ter a aplicação desse choque de oferta”, disse.
Ele explicou que o BC já tinha, no seu balanço de riscos, “um pouco dos impactos do cenário internacional.” No entanto, destacou que os efeitos do choque tarifário são como uma materialização parcial dos riscos.
Segundo Galípolo, a medida lançada pelo governo referente ao saque-aniversário do FGTS já está considerada nas projeções da autoridade monetária para inflação e atividade.
Os impactos da isenção do pagamento do Imposto de Renda para quem recebe um salário de até R$ 5 mil, no entanto, ainda não foram calculados, como explicou.
“O saque-aniversário a gente considerou e o imposto de renda, não, por uma questão de defasagem temporal também”, justificou. Ainda é preciso entender, segundo ele, qual será o projeto final a ser votado no Congresso e qual será o impacto ao longo do tempo, quando se souber o momento em que começará a valer.