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BC alerta Congresso e se opõe ao uso de dinheiro esquecido em bancos para compensar desoneração

Projeto ainda depende da aprovação da Câmara; texto prevê que R$ 8,6 bi esquecidos por pessoas físicas e jurídicas em bancos, corretoras e cooperativas possam ser usados para melhorar o resultado das contas públicas

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Atualização:

BRASÍLIA e SÃO PAULO - O Banco Central (BC) abriu um embate com o Congresso e o governo sobre a apropriação de valores esquecidos em instituições financeiras para melhorar o resultado primário, que é a diferença entre receitas e despesas sem considerar os juros da dívida pública. Ou seja, o número que determina se o governo fechou o ano no azul ou no vermelho e se cumpriu ou não a meta estabelecida pela equipe econômica.

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Na segunda-feira, 9, o BC enviou uma nota técnica a deputados esclarecendo que a incorporação desse montante bilionário ― atualmente em R$ 8,6 bilhões ― no cálculo das contas públicas está “em claro desacordo com sua metodologia estatística, indo de encontro às orientações do TCU (Tribunal de Contas da União) e ao entendimento recente do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a matéria.”

A possibilidade de o Tesouro usar esses valores foi inserida no projeto de lei que estabelece o fim gradual da desoneração da folha de pagamento de empresas e municípios. O texto, pendente de aprovação pela Câmara dos Deputados, prevê uma série de medidas para compensar a perda de arrecadação da União — dentre elas, o resgate de montantes esquecidos por pessoas físicas e jurídicas em contas de instituições financeiras, como bancos, corretoras e cooperativas.

Segundo o texto aprovado pelo Senado Federal, que teve a relatoria do líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), essas cifras deverão ser computadas pelo Tesouro Nacional como uma receita primária, melhorando, portanto, o resultado das contas públicas. Esse entendimento, porém, vai na contramão da literatura fiscal, avalia Tiago Sbardelotto, economista da XP e auditor licenciado do Tesouro.

BC diz ser recomendável que o assunto passe pela Procuradoria-Geral do Banco Central (PGBC) para que se manifeste sobre a constitucionalidade do projeto em trâmite na Câmara Foto: Raphael Ribeiro/BCB

“Se olharmos o manual de estatísticas fiscais, a apropriação desses depósitos bancários deveria ser computada como uma receita financeira, e não primária”, afirma. “É uma situação muito parecida com a do PIS/Pasep, no ano passado, cujo valor foi colocado como receita primária na estatística do Tesouro.”

Sbardelotto se refere a um artigo inserido na proposta de emenda à Constituição (PEC) da Transição, que autorizou o governo Lula a incorporar R$ 26 bilhões esquecidos por trabalhadores nas cotas do PIS/Pasep como receita primária - engordando os cofres públicos. À época, o dispositivo foi incluído no texto pelo relator da proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o então senador Alexandre Silveira (PSD-MG), hoje ministro de Minas e Energia.

O Tesouro Nacional seguiu o texto da lei e incorporou os R$ 26 bilhões como receita primária no resultado de 2023, mas o mesmo não foi feito pelo BC — gerando uma discrepância bilionária. Na ocasião, o BC alegou que seguiria o manual de estatísticas da própria instituição. A publicação determina que valores que não representam esforço fiscal não devem ser computados no resultado primário.

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Para evitar que essa discrepância fique ainda maior e que se repita a divergência entre Tesouro e BC, o texto da desoneração, aprovado pelo Senado, afirma que o dinheiro esquecido nas contas bancárias deverá ser considerado “como receita orçamentária primária para todos os fins das estatísticas fiscais”. “Ou seja, eles estão tentando fazer com que essa receita financeira seja computada como primária, inclusive na metodologia do Banco Central”, diz Sbardelotto.

“A metodologia de apuração do primário segue padrões internacionais e querer forçar uma interpretação pela via legal não vai mudar a informação econômica do dado, só arranhará a imagem da estatística do País. Se uma lei viesse a determinar que devemos chamar ‘despesa’ de ‘receita’, isso não resolveria nosso déficit fiscal”, acrescenta Jeferson Bittencourt, economista do ASA e ex-secretário do Tesouro Nacional.

'A metodologia de apuração do resultado primário segue padrões internacionais e querer forçar uma interpretação pela via legal não vai mudar a informação econômica do dado, só arranhará a imagem da estatística do País', diz Jeferson Bittencourt, economista do ASA e ex-secretário do Tesouro. Foto: Divulgação/ASA

A plataforma de Sistema de Valores a Recebe (SRV), do BC, permite que qualquer cidadão consulte se tem algum recurso a receber das instituições financeiras. Segundo a autoridade monetária, já foram devolvidos R$ 7,6 bilhões. “Meu entendimento é o mesmo do BC. Trata-se de uma apropriação indébita e não pode ser considerado receita primária para fins de cumprimento da meta”, afirmou o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), um dos vice-líderes do governo na Câmara e ex-secretário de Fazenda e Planejamento do município do Rio de Janeiro.

A visão é a mesma do economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper. Ele diz que o resultado oficial fiscal é definido pelo BC e que o dinheiro esquecido nos bancos não pertence ao Tesouro. “Além de não se poder registrar como receita primária os recursos privados esquecidos em contas bancárias e que se pretende transferir ao Tesouro, há que se questionar a transferência em si. É preciso saber se há pessoas que identificaram depósitos e estão com dificuldade de sacar, como herdeiros que precisam reabrir inventários, por exemplo”.

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Em entrevista na manhã desta quarta-feira, 11, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu o projeto do Senado e disse que “não tem nada de ilegal nem nada que coloque em risco os direitos dos correntistas”. Segundo o chefe da equipe econômica, trata-se de prática que já ocorreu no passado. “Assim como aconteceu com o PIS/Pasep, a qualquer momento uma pessoa pode invocar o seu direito (ao dinheiro esquecido) e ele é respeitado pelo Tesouro Nacional, que toma os procedimentos para indenizar”.

Haddad frisou, porém, que a contabilidade do resultado primário do governo é feita pelo Banco Central. “A contabilidade do primário é feita pelo Banco Central. Teremos de fazer a compensação na forma estabelecida pelo BC”, afirmou o ministro, ressaltando que a proposta inicial da Fazenda, para a compensação da folha de pagamentos, foi rejeitada pelo Congresso e que o atual pacote de medidas foi acordado pelo Senado.

Em busca da meta

A preocupação do governo com o valor computado pelo BC não é apenas uma mera formalidade. Esse número será determinante para a equipe econômica saber o quanto terá de dinheiro para gastar em 2026, ano de eleição presidencial. Isso porque é esse dado que atesta se o Ministério da Fazenda está cumprindo ou não a meta de resultado primário — por isso que ele importa mais do que o número do Tesouro.

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O governo se comprometeu com uma meta de déficit zero em 2024 e 2025, e disse que alcançaria um superávit de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2026.

Se descumprir o objetivo, o Planalto será obrigado a acionar uma série de gatilhos de corte de despesas no último ano de mandato, às vésperas do pleito presidencial. É essa conta que está sendo feita pelas alas política e econômica do governo, em meio a manobras no Congresso e sob o escrutínio do mercado financeiro.

O que é a desoneração da folha

A desoneração da folha de pagamentos foi instituída em 2011 para setores intensivos em mão de obra. Juntos, eles incluem milhares de empresas que empregam 9 milhões de pessoas. A medida substitui a contribuição previdenciária patronal de 20% incidente sobre a folha de salários por alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Ela resulta, na prática, em redução da carga tributária da contribuição previdenciária devida pelas empresas.

Por decisão do Congresso, em votações expressivas, a política de desoneração foi prorrogada até 2027, mas acabou suspensa por uma decisão liminar do STF em ação movida pelo governo federal. A alegação é que o Congresso não previu uma fonte de receitas para bancar o programa e não estimou o impacto nas contas públicas.

O Legislativo, porém, argumenta que medidas foram aprovadas para aumentar as receitas da União e que a estimativa de impacto estava descrita na proposta aprovada. O ministro da Fazenda anunciou, então, um acordo para manter a desoneração em 2024 e negociar uma cobrança gradual a partir do próximo ano.

O cerne da discussão passou a girar em torno das compensações da desoneração da folha de pagamentos. A equipe econômica insiste em uma medida que represente receitas para os próximos anos. Ela vale para 17 setores da economia. Confira abaixo quais são:

  • confecção e vestuário
  • calçados
  • construção civil
  • call center
  • comunicação
  • empresas de construção e obras de infraestrutura
  • couro
  • fabricação de veículos e carroçarias
  • máquinas e equipamentos
  • proteína animal
  • têxtil
  • TI (tecnologia da informação)
  • TIC (tecnologia de comunicação)
  • projeto de circuitos integrados
  • transporte metroferroviário de passageiros
  • transporte rodoviário coletivo
  • transporte rodoviário de cargas

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