‘Bets chinesas’ movimentam dinheiro por contas fraudadas e vítimas são ameaças por apostadores

Sites irregulares de apostas online usam dados de terceiros para abrir empresas e contas para intermediar pagamentos; o Ministério da Fazenda informou que as fraudes serão detectadas e que pode acionar o Ministério Público e a Polícia Federal

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Foto do author Vinícius Valfré

BRASÍLIA – A operação das “bets chinesas” com apostas online irregulares se apropria, sem autorização, de dados pessoais de brasileiros para abrir contas bancárias usadas para movimentar o dinheiro em jogos como o do “tigrinho”. Sem saber que tiveram nome e CPF usados, as vítimas do crime passam a ser ameaçadas por apostadores que também são vítimas do golpe e ficam sem receber prêmios a que, em tese, teriam direito.

Como mostrou o Estadão, o esquema é operado por estrangeiros (especialmente chineses) que usam brasileiros para criar empresas e cadastrá-las no sistema oficial de solicitação de registro de novas casas de apostas do governo federal. Enquanto as solicitações não são analisadas, os golpistas usam CNPJs e números de protocolo para simular a legalidade de sites irregulares que não poderiam estar em atividade. Procurado, o Ministério da Fazenda informou que as fraudes serão detectadas e que pode acionar o Ministério Público e a Polícia Federal

Sites de apostas irregulares abertos por estrangeiros usam dados de 'laranjas' brasileiros Foto: Alphaspirit

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A reportagem localizou pessoas que tiveram dados usados sem autorização para a abertura de empresas. Bárbara (nome fictício), de 25 anos, natural de Cachoeirinha (RS), aparece como dona de pelo menos cinco empresas. As inserções foram feitas por uma cunhada que foi cooptada por um estrangeiro para abrir empresas e cadastrá-las no site do Ministério da Fazenda em troca de R$ 600.

Procurada pelo Estadão, ela disse que não sabia que se tratava de golpe e retirou os protocolos. Mas os dados de Bárbara também foram usados para a abertura de uma conta em uma fintech para transferências de dinheiro. Essa conta serviu para receber depósitos feitos por apostadores em plataforma de jogos, sem o conhecimento dela. Os sites costumam alterar periodicamente as contas utilizadas.

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No dia 8 de novembro, um grupo de apostadores se sentiu lesado por não receber o prêmio que a bet indicou que eles teriam direito. Por meio de buscas ao nome atrelado à empresa para a qual fizeram o depósito, descobriram um telefone celular de Bárbara, e a jovem passou a receber ameaças.

A reportagem teve acesso a algumas das mensagens recebidas pela mulher. Os apostadores mencionavam nomes de familiares de Bárbara e diziam que iam aos pais dela. “Não tô querendo ser pilantra, só quero meu ‘milão’”, avisou um dos apostadores.

As “bets chinesas” oferecem jogos como o do “tigrinho” – uma espécie de cassino –, mas sem critérios claros de funcionamento ou sobre as chances de vitória em cada aposta. O Ministério da Fazenda diz que precisa de cinco meses para analisar os pedidos protocolados a partir de 20 de agosto. Hoje, só 101 empresas têm aval para funcionar no período que o governo chama de “adequação”, até 31 de dezembro.

Morador de Aparecida de Goiânia (GO), Matheus Marzzio de Paula, de 27 anos, relatou à reportagem um caso semelhante de xingamentos, mas depois mudou o discurso. Ele aparece como dono da Bern Participações, empresa usada para depósitos em sites de “bets chinesas”. Primeiro, ele disse que “tem um monte de número me mandando mensagem por causa de ‘tigrinho’, gente falando que mandou dinheiro pra mim. Vou registrar um boletim de ocorrência amanhã cedo.”

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Consultado no dia seguinte sobre a ida à polícia, surgiu com outra história. “Poderia me informar o site (em que a empresa estava como intermediadora), com prints, se tiver como? Somos um gateway de pagamentos e processamos diversos pagamentos a casas de apostas no Brasil”. Em seguida, deixou de atender às chamadas e de responder mensagens.

Uma das firmas que mais aparecem como intermediadoras de pagamentos de “bets chinesas” que pediram autorização ao Ministério da Fazenda é a BH Trade Ltda. Ela está em nome de Francisco (nome fictício), 62 anos, morador de Contagem (MG), que relatou desconhecer a firma e disse suspeitar que o contato da reportagem se tratava de um golpe.

O homem aparece como sócio de outra empresa, a AMC Park, de estacionamentos, cujos dados cadastrais remetem a Anderson Marçal Coelho, 47 anos. No primeiro contato da reportagem, Coelho disse que era Francisco. Depois, negou relação com ele e com a BH Trade. Também se recusou a explicar o porquê de dados de Francisco constarem na AMC, empresa que carrega suas iniciais.

Empresas com pedidos a partir de 18 de setembro têm de aguardar aval

Especialista em Direito de Jogos e Apostas, Fabiano Jantalia afirma que a legislação não deixa dúvidas sobre quais empresas podem operar, hoje, no Brasil: somente aquelas que protocolaram pedido ao Ministério da Fazenda até 17 de setembro e cuja solicitação já foi aprovada ou está sob análise.

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“As bets que apresentaram o pedido até 17 de setembro estão operando regularmente, dentro do período da transição. E entende-se que elas não foram autorizadas, mas são toleradas, digamos assim. As que apresentaram pedido a partir de 18 de setembro não podem continuar operando. Só poderão quando obtiveram a autorização”, explicou.

O advogado acrescentou que a exceção é para as bets com autorização para operar no exterior, como em países como Curaçao e Malta. Estas ainda podem ser acessadas por brasileiros, mas a partir de 31 dezembro também ficarão restritas.

Sites de apostas irregulares usam alegação falsa de autorização do governo federal para atrair apostadores Foto: Reprodução

Não é o caso, contudo, das “bets chinesas”. Estas não informam licenças oficiais em seus sites ou usam menções falsas de licenciamento, assim como têm feito com marcas do governo brasileiro.

O Ministério da Fazenda informou que a análise dos pedidos de autorização feita na Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) detecta empresas registradas por laranjas ou por pessoas com renda incompatível com o negócio. “Se houver indícios de cometimentos de crimes, a SPA poderá enviar os casos aos órgãos de repressão aos crimes, o Ministério Público e a Polícia (Federal, estaduais ou distrital, conforme o caso)”, registrou.

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