BNDES: desembolso para bens de capital salta 45% em 2022, mas ainda é insuficiente, diz setor

Entidade que representa fabricantes de máquinas e equipamentos defende proposta de ajuste no juros do banco e apoia expansão indicada por Mercadante

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RIO - Os desembolsos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para o financiamento de investimentos em bens de capital, na linha Finame (de máquina e equipamentos), saltaram 44,7% em 2022 ante 2021, em termos nominais, sem descontar a inflação. O valor de R$ 27,796 bilhões é o maior valor desde 2015, quando os desembolsos foram de R$ 32,610 bilhões, também em valores da época.

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Para a Abimaq, entidade que representa os fabricantes de máquinas e equipamentos, a recuperação ainda parcial no crédito para esses investimentos demonstraria a urgência em se fazer mudanças nos juros do BNDES, como proposto pela diretoria liderada por Aloizio Mercadante. Segundo José Velloso, presidente da Abimaq, a economia brasileira tem uma “doença” de custo de crédito, que inibe os investimentos, especialmente das empresas pequenas.

“Hoje, no Brasil, 89% dos investimentos são feitos por empresas do lucro real. Quer dizer, quem está no lucro presumido, que é o pequeno (empresário), não investe. Vamos ficar discutindo se vamos aumentar o BNDES ou não? Temos uma doença. O Brasil está doente”, afirmou Velloso, lembrando que a participação dos desembolsos do BNDES no Produto Interno Bruto (PIB) está em 1%, abaixo da média histórica.

No agregado, incluindo a Finame, o BNDES liberou R$ 97,5 bilhões para financiamentos em 2022, um salto de 40,1% ante 2021, aqui já descontada a inflação. O lucro líquido atingiu o valor recorde de R$ 41,7 bilhões.

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Mesmo assim, Mercadante e seus diretores aproveitaram a apresentação dos números, na terça-feira, 14, para mostrar o encolhimento histórico da instituição de fomento. A nova gestão colocou como objetivo, até o fim do governo, em 2026, expandir os desembolsos para o dobro, 2% do PIB, o equivalente aproximado a R$ 200 bilhões atualmente.

Mercadante, presidente do BNDES, trabalha com a meta de expandir o crédito do BNDES para 2% do PIB até 2026 Foto: Pedro Kirilos/Estadão

“O projeto é voltar ao patamar histórico de depois do Plano Real”, afirmou Mercadante, na terça-feira, 14, completando que, sem essa volta, o BNDES verá seus resultados encolherem e perderá sua capacidade de cumprir a função de “induzir o desenvolvimento”.

Quando se olha os desembolsos em empréstimos da Finame desagregados por tipo de bem de capital, o cenário é pior para as máquinas e equipamentos. No ano passado, por exemplo, o crédito liberado para bens de capital de transportes, como caminhões e ônibus, somou R$ 14,731 bilhões, salto de 84% ante 2021, sem descontar a inflação. Para máquinas, o avanço foi de 39%, para R$ 4,347 bilhões. É o maior valor desde 2017, mas os desembolsos de 2015 foram três vezes maiores, com R$ 12,146 bilhões, isso sem corrigir os valores pela inflação.

Programa de Sustentação de Investimentos

No caso da Finame, houve uma quebra em 2015 nos desembolsos porque o Programa de Sustentação de Investimentos (PSI) foi encerrado naquele ano. Lançado na virada de 2008 para 2009, com o objetivo de manter um ciclo de investimentos que vinha desde o início daquela década, mas que poderia ser interrompido pela crise financeira global, o PSI seria prorrogado repetidamente, até 2015. Boa parte de seus recursos foram canalizados para a Finame. Com ele, a linha para bens de capital atingiu seu auge entre 2010 e 2014, quando chegou a desembolsar R$ 70 bilhões em um ano, em valores da época.

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Se o fim do PSI acabou com os juros extremamente baixos, negativos em termos reais – ou seja, menores do que a inflação projetada –, a introdução da Taxa de Longo Prazo (TLP), a partir de janeiro de 2018, aproximou os empréstimos do BNDES dos custos cobrados pelos bancos em geral. A TLP balizou os empréstimos do BNDES às taxas de mercado dos títulos públicos. Com a mudança, proposta no fim de 2016, durante o governo Michel Temer (MDB), o crédito do banco diminuiu também porque houve menor demanda das empresas.

Reforma dos juros do BNDES que criou a TLP foi feita no governo Temer Foto: Fabio Motta/Estadão - 27/9/2018

A Abimaq se opôs à TLP desde o início. Segundo Velloso, é verdade que as empresas passaram a se financiar com fontes privadas, lançando títulos de dívida no mercado financeiro ou tomando empréstimos com bancos comerciais. O cenário ficou favorável, especialmente, quando a taxa básica de juros (a Selic, hoje em 13,75%) testou seus níveis mínimos na história, entre a virada de 2017 para 2018 e o primeiro trimestre de 2021. Só que, mesmo nesse cenário, disse Velloso, as fontes privadas de financiamento só estiveram realmente acessíveis para as grandes empresas.

“Eles (a equipe do governo Temer) tiraram o BNDES do mercado, mas não colocaram nada no lugar. O que eles diziam era que tirava potência da política monetária e que aí, jogando isso para o mercado livre, o Bradesco, o Santander, o Itaú, o Safra iam financiar investimentos. Isso não aconteceu”, afirmou Velloso, reconhecendo que, no período em que “a Selic caiu a 2%”, o “mercado entrou”.

Como a operação da Finame é indireta, ou seja, as empresas fecham os empréstimos com seus bancos, que repassam os recursos do BNDES, o juro final inclui elevado spread – como o mercado chama a diferença entre o custo de captação dos bancos e a taxa final cobrada dos clientes. Levantamento da Abimaq mostra que, na época em que “a Selic caiu a 2%”, os juros finais cobrados na Finame atingiram as mínimas históricas, 8% ao ano, entre agosto e setembro de 2020.

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A maré mansa virou antes mesmo do ciclo de elevação da Selic, em março de 2021, mas foi turbinado por ele. Em junho do ano passado, o juro final da Finame estava em 22% ao ano, conforme a Abimaq, caiu para 18% ao ano em setembro, mas voltou a subir. “Hoje, voltou para 22%. Por quê? A taxa é muito volátil. Tem esse problema também, a taxa é muito volátil e estamos falando de investimentos de longo prazo”, afirmou Velloso, fazendo coro às críticas da atual diretoria do BNDES ao excesso de volatilidade na TLP.

Políticas fiscal e monetária

Ao defenderem as mudanças introduzidas pela TLP em 2018, a diretoria do BNDES, então liderada por Maria Silvia Bastos Marques, e a equipe econômica do então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, argumentaram que, ao emprestar a juros significativamente mais baixos do que os dos bancos comerciais em geral, a instituição de fomento trazia efeitos negativos sobre as políticas fiscal e monetária, além de prejudicar a produtividade.

Para a diretoria do BNDES comandada por Maria Silvia Bastos Marques, juros subsidiados tinham efeitos negativos sobre políticas fiscal e monetária, além de atrapalhar a produtividade Foto: Marcos Arcoverde/Estadão - 15/9/2016

No caso da política fiscal, os empréstimos com juros abaixo do mercado embutem subsídios implícitos, ou creditícios. Esses subsídios não entram como gasto público no Orçamento, com impacto no resultado primário, mas elevam as despesas com juros da dívida. Conforme boletim bimestral do Tesouro Nacional sobre esses custos fiscais, apenas em 2022, o subsídio implícito nos financiamentos do BNDES que foram firmados antes de 2018 e, portanto, ainda usam juros mais baixos, ficou em R$ 3,512 bilhões. No acumulado desde 2008, quando a expansão do BNDES começou, com aportes bilionários do Tesouro, o valor monta a R$ 229,385 bilhões.

No caso da política monetária, o excesso de crédito direcionado pode reduzir a potência das variações da Selic, para esfriar a economia quando a inflação está elevada ou para estimular a demanda quando os preços estão comportados. Isso ocorre por causa do que alguns economistas chamam de “meia entrada” no mercado de crédito.

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O problema não ocorre apenas por causa do BNDES, mas também devido às demais modalidades de crédito direcionado, como partes do imobiliário e do rural. Essas modalidades são reguladas, com juros diferenciados, que, portanto, não respondem aos movimentos de mercado, que reagem à taxa básica de juros definida pelo BC. Dessa forma, famílias e empresas que tomam essas modalidades de crédito ficariam “protegidas” dos ciclos de aperto ou afrouxamento dos juros, com o objetivo de conter a inflação.

À primeira vista, isso pode parecer positivo, mas é aí que entra a analogia com a “meia entrada”. Para compensar os juros mais baixos que são obrigados a cobrar nas linhas direcionadas, os bancos comerciais tendem a cobrar taxas mais elevadas no crédito livre, para os clientes em geral. Da mesma forma, como parte das empresas fica protegida das oscilações da taxa Selic, o nível de juros básicos necessário para segurar a demanda agregada é maior do que seria se houvesse menos crédito direcionado.

Protecionismo

Também há críticas à proteção que o crédito da Finame cria à produção nacional. Alguns especialistas defendem políticas industriais transversais, que ataquem elevados custos de insumos como matérias-primas e bens de capital, independentemente de mudanças nos juros do BNDES. Em entrevista ao Estadão em fevereiro, Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), defendeu incentivos, incluindo com linha de crédito, para modernização de maquinário na indústria, desde que os equipamentos estejam na “fronteira tecnológica”, o que poderia, eventualmente, requerer a possibilidade de importar.

Em documento com 62 propostas para elevar a produtividade, lançado ano passado, a Federação das Indústrias do Rio (Firjan) defende uma atuação do BNDES para reduzir os juros finais cobrados das empresas, em vez de ajustar a TLP. Entre as sugestões, estão reforçar a atuação via fundos de garantia – como fez com o Peac, principal ação do banco de fomento para mitigar a crise econômica causada pela covid-19, em 2020 – e dividir os riscos nas operações indiretas com os bancos comerciais, o que poderia reduzir os spreads cobrados na Finame, por exemplo.

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Um dos capítulos de um livro sobre políticas públicas que deram errado – lançado no ano passado pelo economista Marcos Mendes, professor do Insper que integrou a equipe econômica do governo Temer – se dedica ao PSI, principal motor da expansão do BNDES nos governos anteriores do PT.

“O PSI-Finame levou ao aumento de vendas e investimentos; porém, na evidência trazida pelo estudo disponível com microdados (...), sem efeitos (ou com efeito negativo) sobre a produtividade”, diz o texto, que tem o economista Vinicius Carrasco, ex-diretor do BNDES que liderou a criação da TLP no governo Temer, como um dos coautores. Na avaliação, sem elevar a produtividade, o PSI pode ter tido uma má relação entre custos e benefícios, já que o programa teve um custo fiscal de R$ 285 bilhões, em valores atualizados até 2021.

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