BRASÍLIA – O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovou R$ 5,9 bilhões em crédito à inovação entre janeiro e agosto, o maior valor para o período desde o início da série histórica, em 1995. O montante supera toda a cifra liberada ao setor, nesse mesmo intervalo de tempo, nos últimos cinco anos. O principal impulso vem da linha BNDES Mais Inovação, que completou um ano de vigência, marcando a volta dos juros subsidiados a grandes empresas, ainda que em escala bem menor em relação a outros mandatos do PT.
A linha respondeu por R$ 4,5 bilhões ou 76% dos empréstimos do banco voltados ao segmento neste ano, com as operações puxadas por farmacêuticas. A principal liberação, que somou R$ 1,39 bilhão, foi direcionada a três companhias da área: EMS (R$ 500 milhões), Eurofarma (R$ 500 milhões) e Aché (R$ 390 milhões). Os valores — anunciados no mês passado, na presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ― serão direcionados à produção de genéricos e ao desenvolvimento de novos medicamentos.
“As aprovações atendem à determinação do presidente Lula de promover uma transformação tecnológica na indústria, para torná-la mais competitiva e com capacidade de gerar empregos mais qualificados”, afirma o presidente do banco, Aloizio Mercadante. Segundo ele, o programa BNDES Mais Inovação liberou R$ 8 bilhões a empresas nacionais desde setembro de 2023, quando entrou em operação.
“É o BNDES voltando a apoiar a inovação de forma muito forte. Com esses recursos, também batemos o recorde de apoio ao setor de fármacos e biofármacos”, diz o diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior da instituição, José Luis Gordon.
Questionado sobre a concentração dos financiamentos em empresas de grande porte e nas regiões Sul e Sudeste, Gordon afirma que já há um movimento importante de descentralização, com mudanças de regras para facilitar o acesso de companhias do Norte e Nordeste e maior foco em apoios indiretos, via instituições financeiras credenciadas. Esse somatório, segundo ele, resultou em liberações igualmente recordes a pequenas e médias companhias, que começam a ganhar espaço no portifólio (leia mais abaixo).
No total, o segmento de fármacos foi contemplado com R$ 1,8 bilhão em operações de crédito com juro reduzido entre janeiro e agosto. O agronegócio aparece em segundo lugar na lista, com liberações mais pulverizadas, totalizando R$ 492 milhões. Investimentos ligados a biocombustíveis, carros elétricos e mobilidade também compõem a carteira, que segue as diretrizes do Nova Indústria Brasil (NIB).
O plano de estímulo ao setor industrial foi lançado em janeiro, em meio à desconfiança de economistas e a temores do retorno de políticas malsucedidas no passado recente. As críticas, no entanto, foram rejeitadas e rebatidas pelo banco. Dos R$ 300 bilhões em financiamentos e subsídios previstos no NIB, R$ 250 bilhões virão do BNDES, sendo que R$ 143 bilhões já foram desembolsados, segundo Gordon.
A gigante Weg, fabricante de turbinas e motores elétricos, por exemplo, recebeu dois aportes desde o lançamento da linha de inovação, que somaram R$ 176,8 milhões. Também integram essa lista a montadora Volkswagen, a empresa de logística Rumo, a fabricante de computadores Positivo, a companhia de papel e celulose Suzano e a fabricante de aeronaves Embraer.
“O valor levantado junto ao BNDES acelera nossos investimentos em inovação, permitindo fazer em três anos o que planejávamos em cinco”, afirma Leandro Rosa dos Santos, vice-presidente de Estratégia e Inovação da Positivo. Os principais projetos da empresa na área, segundo Santos, incluem adicionar inteligência artificial em serviços e desenvolver um novo sistema de cadastro biométrico.
Em nota, a Rumo afirmou que “vem investindo fortemente para impulsionar a competitividade logística brasileira, com aumento de capacidade do volume transportado e expansão geográfica de sua malha ferroviária”. Nesse sentido, afirma a companhia, busca “as melhores opções de captação para financiar seus investimentos”.
Procurada, a Eurofarma afirmou que “prefere não comentar o tema”. EMS, Aché, Weg, Volkswagen, Suzano e Embraer não se manifestaram até a publicação da reportagem.
Financiamento com juro subsidiado
A linha BNDES Mais Inovação marca o retorno dos juros subsidiados a grandes empresas nacionais, ainda que em escala bem menor do que o observado em gestões passadas. Desde 2018, o banco foca os seus financiamentos na chamada Taxa de Longo Prazo (TLP), que tem juros mais próximos aos praticados pelos bancos privados nos empréstimos mais extensos.
Em maio do ano passado, porém, o Congresso aprovou uma medida provisória autorizando o BNDES a conceder financiamentos atrelados à Taxa Referencial (a TR, cujo valor é inferior aos juros de mercado; atualmente, está em 0,07% ao mês).
Os valores da linha precisam ser destinados a projetos de inovação e são limitados a 1,5% dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) repassados ao banco. Esse teto, segundo a lei, pode ser alterado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Em junho, o CMN autorizou um remanejamento de R$ 2,5 bilhões não utilizados em 2023. Com isso, o limite de empréstimos, neste ano, passou de R$ 5,9 bilhões para R$ 8,4 bilhões. Gordon afirma que a demanda está alta, mas descarta novas ampliações neste momento.
“Vamos usar os mecanismos que já temos: a LCD (Letra de Crédito do Desenvolvimento, título que será emitido por bancos de desenvolvimento e terá isenção de Imposto de Renda para pessoas físicas) e podemos fazer um mix de TLP com TR para aumentar o potencial de financiamento”, disse o diretor.
Dos R$ 4,5 bilhões aprovados pelo BNDES Mais Inovação de janeiro a agosto, R$ 2,9 bilhões foram atrelados à TR, acrescido o custo do spread (diferença entre o quanto o banco cobra dos tomadores de crédito e o quanto paga aos depositantes); R$ 1,2 bilhão a uma taxa pré-fixada, atualmente ao redor de 2,65% ao ano; R$ 52 milhões à Selic, que é a taxa básica de juros da economia; e R$ 350 milhões de complementação de financiamento ao custo de TLP.
O pesquisador do Insper Marcos Mendes faz alertas em relação ao escopo da linha, para que não haja desvirtuamentos: “Trata-se de uma brecha (emprestar ao custo de TR) em relação à regra da TLP. E em inovação cabe tudo, né? Daqui a pouco, vários empréstimos podem estar sendo feitos a título de inovação (para aproveitar os juros mais baixos). Essas caixinhas podem ser usadas de forma criativa”, afirma.
Gordon alega que a seleção é rígida e considera a qualidade dos projetos e a aderência às seis áreas definidas pela política industrial: cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais; complexo econômico industrial da saúde; infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis; transformação digital da indústria; bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas; e tecnologias para a soberania e a defesa nacionais.
Há também advertências em relação ao tamanho que esses valores subsidiados — hoje em patamar reduzido em comparação a outras gestões petistas — poderão alcançar. O temor é sobre o efeito colateral na política monetária, por meio da qual o Banco Central controla a oferta de dinheiro na economia. A alegação é que, quanto maior o saldo de operações subsidiadas em relação ao estoque total de crédito, menor será a potência da política monetária, já que uma parcela relevante dos financiamentos ficaria insensível à Selic.
BNDES quer ampliar aportes no Norte e Nordeste
Em termos regionais, as operações do BNDES Mais Inovação seguem concentradas no eixo Sul-Sudeste, com São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina reunindo 81% do montante liberado entre janeiro e agosto. No recorte por tamanho, as grandes companhias respondem por 79% das cifras aprovadas.
Na comparação com 2023, porém, já é possível ver o início de um movimento de descentralização. No ano passado, nenhum Estado do Norte e Nordeste havia sido contemplado pelos aportes, o que começa a acontecer em 2024. Além disso, 99,4% das liberações haviam sido direcionadas a empresas de grande porte — porcentual maior do que o verificado neste ano.
Para estimular uma maior pulverização, o banco reduziu para R$ 10 milhões o valor mínimo das operações diretas no Norte e Nordeste — metade do exigido nas demais regiões do País. Além disso, baixou para R$ 300 milhões por ano o montante máximo de liberação por grupos econômicos. “A ideia é exatamente estimular os aportes no Norte e Nordeste, porque, nessas regiões, o setor industrial tem projetos de menor volume”, afirma Gordon.
Ele também destaca que o BNDES vem ampliando os apoios indiretos, que são os empréstimos via instituições financeiras credenciadas, para alcançar pequenas e médias companhias (PMEs). Nesse caso, o crédito é limitado a R$ 20 milhões. Esses financiamentos às PMEs, que incluem a Mais Inovação e outras linhas do banco, somaram R$ 2,4 bilhões entre janeiro e agosto, recorde para o período.
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