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Bisneto de caçador dedica a vida a salvar onças-pintadas no Pantanal

Veterinário Diego Viana lidera grupo que atua para proteger animal ameaçado de extinção na Serra do Amolar, área que foi tomada por incêndios em 2020; Instituto Homem Pantaneiro já catalogou 111 onças da espécie

Aos 7 anos, enquanto comemorava com a família na casa da avó a vitória do Brasil na Copa do Mundo de 1994, Diego Viana passou os olhos pelas fotos do bisavô que decoravam a parede. O caçador Mané Bravo, como era conhecido, mostrava suas conquistas, principalmente as mais valiosas – as onças-pintadas cuja venda de peles sustentava a família.

Diego Vianaobserva rastro de onça na Serra do Amolar Foto: Vagno Valêncio/GM

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O garoto nascido em Corumbá (MS) sempre frequentou a fazenda da avó, filha de Manoel Quintiliano. Lá, ouvia histórias sobre o bisavô, considerado um homem de muita bravura por caçar onças e outros animais no Pantanal.

Naquele dia de festa, contudo, ele se deu conta de que gostava mais de ver onças vivas do que mortas. “Desde então, esse sentimento doloroso no meu coração marcou muito e passei minha infância e adolescência querendo fazer diferente, querendo trabalhar com os animais”, afirma Diego.

Na época em que Quintiliano vivia da caça, assim como boa parte das famílias da região, Corumbá tinha um dos maiores portos da América Latina que escoava peles e penas de animais principalmente para a Europa.

Em 1967, quando foi proibida a caça de qualquer espécie da fauna silvestre no País, ainda foi concedido um prazo para vender os estoques de peles. “Entre 1968 e 1970, cerca de 20 mil peles de onças-pintadas foram exportadas legalmente”, lembra Diego, hoje com 34 anos.

'Mané Bravo', bisavô de defensor das onças, caçava animais no Pantanal Foto: Álbum de família

Depois de trocar o curso de Biologia por Veterinária – para poder anestesiar onças –, formou-se pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e fez mestrado em Sustentabilidade Agropecuária. Passou por experiências de captura de animais para identificação e acompanhamento e fez um intercâmbio de práticas veterinárias na África do Sul, onde fez manejo de leões, leopardos, guepardos, elefantes e rinoceronte.

Foi seu interesse pelas onças-pintadas, o conhecimento em novas tecnologias e estratégias para promover melhor integração entre fazendeiros e fauna que, há sete anos, foi convidado para coordenar o programa Felinos Pantaneiros, do Instituto Homem Pantaneiro. 

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Com sede em Corumbá, o IHP tem entre seus objetivos mostrar aos criadores que é possível proteger o gado de ataques sem abater a onça, situação que era muito comum e ainda ocorre, mas em menor escala.

Cerca elétrica e repelente luminoso

Entre as técnicas adotadas pelo IHP estão o uso de cercas elétricas em maternidades de bezerros, cujo choque não prejudica o animal, apenas o espanta. Nas comunidades ribeirinhas, onde ocorrem ataques a cães, a estratégia é usar aparelhos de repelente luminoso, emissores de luzes coloridas que se movimentam em diferentes direções e afastam a onça.

Diego testou a cerca elétrica em uma fazenda que perdia 900 cabeças de gado por ano com ataques de felinos. “O número caiu para 290”, informa. O Felinos Pantaneiros tem especial atenção com a onça-pintada, que está em risco de extinção.

Hoje, Diego passa longos períodos na Serra do Amolar, onde já foram catalogadas 111 onças-pintadas. A região é a mais bem conservada do Pantanal, mas se tornou conhecida pelo incêndio sem precedentes ocorrido em 2020 que atingiu 95% da área e deixou 17 milhões de animais mortos.

Duas onças-pintadas foram resgatadas com ajuda de sua equipe. Uma morreu e a outra teve as patas queimadas e intoxicação pela fumaça, quadro similar ao do felino encontrado em Mato Grosso no mesmo período e batizado de Ousado.

A onça da Serra do Amolar recebeu o nome de Joujou, uma homenagem à cozinheira Juana Huampo que, durante todo o período do incêndio alimentou os centenas de brigadistas que passaram pela sede do IHP.

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Joujou,a onça salva dos incêndios, foi monitorada com colar GPS por 1,5 ano Foto: IHP/Divulgação

A onça passou dois meses em tratamento, fez hozonioterapia e recebeu pele de tilápia par cicatrizar as queimaduras, tratamento similar a outra onça salva na mesma ocasião em Mato Grosso do Sul, que recebeu o nome de Ousado.

Recuperada, Joujou foi devolvida à mata em janeiro do ano passado com um colar de rádio GPS e monitorada até duas semanas atrás, quando a bateria do colar acabou e ele caiu, como era previsto por Diego, que acompanhou o felino durante todo esse tempo.

“Hoje podemos afirmar 100% que o Joujou está readaptado. É o fim de um ciclo, de uma história que começou com um desastre e agora é positiva pois vai servir de exemplo para a ciência”, afirma Diego, que vai produzir um artigo científico sobre o tema.

Sem verbas para colares

Cada colar custa R$ 20 mil. O IHP tem dois exemplares – o que estava na Joujou será resgatado. Para fazer ações mais eficientes e rápidas, o ideal seriam 20 colares para onças-pintadas e pardas, o que custaria R$ 400 mil, recurso que o IHP não tem.

A ONG se mantém principalmente com doações de pessoas físicas e de empresas como a General Motors, que acaba de ceder uma picape S10 para trabalhos de campo, além de ajuda financeira, numa parceria que deve durar pelo menos dois anos.

Diego Vianaconversa com o também médico-veterinário Geovani Tonelli (esq.), que participou do resgate da Joujou Foto: Vagno Valêncio/GM

A história da Joujou foi a que mais marcou Diego. “Foi um trabalho colaborativo de muitas organizações, governos e pessoas e um exemplo para o mundo de como devemos nos relacionar entre nós, seres humanos, e com o planeta.”

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O veterinário que tem amor incondicional às onças e à natureza preservada e se emociona ao falar do bisavô, diz ter orgulho do homem que faz parte de sua genética. “Com certeza, tudo que ele viveu me ajuda a viver aqui hoje”. Ele acredita que Mané Bravo também estaria orgulhoso, pois ambos fazem basicamente a mesma coisa. “A gente está no mato atrás da onça. Só que eu deixo ela viva.”

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