Na defesa do garimpo, Bolsonaro cria programa de 'apoio ao desenvolvimento da mineração artesanal'

Presidente reiteradamente defende atuação de garimpeiros no País e critica trabalho de fiscais ambientais

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Foto do author André Borges
Atualização:

BRASÍLIA – Em uma ação direta de apoio a garimpeiros, o presidente Jair Bolsonaro publicou nesta segunda-feira, 14, um decreto que cria o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala, o “Pró-Mape”. Trata-se, na prática, de uma ação para apoiar a lavra garimpeira, principalmente na região amazônica, uma prática que é majoritariamente marcada pela extração ilegal de ouro e pedras preciosas.

Conforme informações publicadas no Diário Oficial, o decreto assinado por Bolsonaro tem o objetivo de “propor políticas públicas e estimular o desenvolvimento da mineração artesanal e em pequena escala”, para estimular o “desenvolvimento sustentável regional e nacional”.

Garimpeiro trabalha em mina de Itaituba (PA) Foto: Nacho Doce/Reuters - 5/8/2017

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O decreto deixa claro que a mineração artesanal e em pequena escala diz respeito às atividades de “extração de substâncias minerais garimpáveis”. Paralelamente, foi criada a Comissão Interministerial para o Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Comape), que vai definir a atuação dos órgãos da administração pública federal para executar o programa.

Essa comissão será composta por membros do Ministério de Minas e Energia, que a coordenará, e a Casa Civil da Presidência da República, além dos ministérios da Cidadania, Justiça, Meio Ambiente e Saúde. Pelo decreto, poderão ser convidados representantes de entidades públicas ou de outras instituições para participar das reuniões, mas sem direito a voto nas decisões.

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O decreto estabelece ainda que a Amazônia Legal será a “região prioritária para o desenvolvimento dos trabalhos” da comissão.

Reiteradamente, Bolsonaro defende a atuação de garimpeiros no País e critica o trabalho de fiscais ambientais, quando há apreensão e destruição de máquinas utilizadas por atividades criminosas. “Não é justo, hoje, querer criminalizar o garimpeiro no Brasil. Não é porque meu pai garimpou por um tempo. Nada a ver. Mas, no Brasil, é muito bacana o pessoal de paletó e gravata dar palpite em tudo que acontece no campo”, disse Bolsonaro, em maio do ano passado, em conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada.

Há garimpeiros que atuam legalmente no Brasil, por meio de cooperativas. Essa atuação, porém, é ínfima em relação ao que, de fato, prolifera em todo o País, de forma descontrolada e praticando crimes de toda ordem. No Congresso, o governo pressiona por mudanças na Constituição para que seja autorizada a lavra garimpeira dentro de terras indígenas e unidades de conservação ambiental.

Os dados oficiais do governo mostram que a eventual liberação da mineração, somente na área da Amazônia Legal, atingiria diretamente 40% da região, onde estão as florestas de proteção integral e as terras indígenas. A Amazônia Legal abrange nove Estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, além de parte do Maranhão.

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A restrição legal atual não inibe empresas de registrarem oficialmente quais são as suas áreas de interesse. Até o ano passado, segundo informações colhidas junto à Agência Nacional de Mineração (ANM), existiam cerca de 3,2 mil processos ativos de atividades minerais previstas dentro das terras indígenas da Amazônia Legal. Esses pedidos envolviam uma área total de 24 milhões de hectares, o equivalente a 21% de todo o território indígena da Amazônia Legal.

Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, lembra que o presidente Jair Bolsonaro quer incentivar o garimpo na Amazônia e deixou isso claro desde a sua campanha eleitoral, em 2018. 

“O decreto publicado hoje cria uma comissão interministerial comandada pelo Ministério de Minas e Energia exatamente com esse objetivo”, diz Araújo. “Deveriam se propor a resolver os problemas socioambientais graves que a explosão do garimpo, nos últimos três anos, está gerando, mas seria esperar demais do governo Bolsonaro. A incompetência gerencial que marca esse governo deve transformar o decreto em letra morta. É o melhor destino para esse decreto.”

Critérios simplificados

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Um segundo decreto publicado pelo governo, também nesta segunda, determina que a ANM estabeleça “critérios simplificados” para liberação de novas outorgas garimpeiras, “principalmente no caso de empreendimentos de pequeno porte ou de aproveitamento das substâncias minerais”.

Pelo texto, a efetivação do registro de licenciamento de exploração entregue à agência terá de ser realizada em até 60 dias, contados da data de apresentação da licença ambiental do projeto de mineração. Encerrado o prazo sem que a ANM tenha se manifestado, o solicitante terá seu pedido validado automaticamente.

Controle enfraquecido

Por meio de nota, o Instituto Escolhas, associação civil especializada em estudos e análises sobre sustentabilidade, afirma que os dois decretos fragilizam ainda mais o quase inexistente controle na cadeia do garimpo. “Em vez de estabelecer critérios mais rígidos para os controles e fiscalização, que são necessários por parte do governo federal, estimulam a atividade que hoje é uma das principais ameaças à floresta amazônica e seus povos”, afirma a organização.

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Segundo o estudo “Raio X do Ouro: mais de 200 toneladas podem ser ilegais”, lançado na semana passada, o Brasil comercializou 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade, quase a metade da produção nacional. A maior parte desse volume saiu da Amazônia.

Apenas cinco empresas do setor financeiro, que compram ouro de garimpos na Amazônia, foram responsáveis por um terço desse volume. “Apesar do enorme volume de ouro com indícios de ilegalidade, das teias de relações empresariais e pessoais que movem os garimpos, e das diversas documentações sobre seus impactos terríveis ao meio ambiente e aos povos indígenas, os Decretos Nº 10.965 e 10.966 confirmam que o governo federal e o presidente Jair Bolsonaro têm colocado em grande risco a preservação da Amazônia e os direitos humanos”, declara o instituto.

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