Em meados do ano passado, vários engenheiros da Embraer receberam uma ligação da canadense Bombardier. Do outro lado da linha, queriam saber se tinham interesse em se mudar para o Canadá para trabalhar em novos projetos da companhia. Meses depois, muitos deles estavam em Buenos Aires, onde a Bombardier alugou salas de um hotel para as entrevistas. Nos próximos dias, um grupo de cerca de 50 ex-funcionários da Embraer desembarca em Montreal, onde fica a sede da companhia. A maioria fará parte da equipe que vai desenvolver o CSeries, nova família de jatos lançada em julho e concorrente direto do ERJ 190/195 da fabricante brasileira. Não se trata de um grupo qualquer de engenheiros. Eles são estratégicos para a Bombardier, que lançou com atraso o jato regional para até 130 passageiros - a Embraer enxergou o filão há quase uma década e hoje colhe os lucros da decisão. Os profissionais recrutados pelos canadenses acumularam experiência que poucos engenheiros aeronáuticos no mundo têm, pois estiveram envolvidos no projeto do avião de mesmo porte que revolucionou a aviação e a própria fabricante brasileira nos últimos anos. "Eles não falaram explicitamente, mas o interesse por nosso know-how fica evidente, pois só estão contratando o pessoal que trabalhou no 190/195", diz um integrante do grupo, que pediu para não ser identificado. "A Bombardier quer entrar num mercado que só a Embraer atua." A "missão" é cercada de discrição. Eles evitam falar do assunto por temer retaliação da Embraer. Segundo eles, quem deixa São José dos Campos para fazer avião em outro país é visto pela empresa - e até por ex-colegas - como traidor. "Normalmente quem está indo pede demissão, mas não conta que vai trabalhar na Bombardier." Procurada, a Embraer apenas disse, por e-mail, que "entende que a movimentação de profissionais seja uma característica comum no mercado, especialmente em um setor globalizado e específico como a aviação, onde as opções se restringem a poucas companhias". O porta-voz da Bombardier, Marc Duchesne, confirmou somente que a companhia, terceira maior fabricante de aviões do mundo, procura profissionais experientes para programas recém-lançados, como o CSeries e o Learjet85. Como se trata de um setor com poucos concorrentes, tirar um time grande de profissionais de uma vez só não é das atitudes mais bem vistas. No passado, uma tentativa semelhante de recrutar engenheiros da Embraer chegou à Organização Mundial do Comércio, provocando conflito diplomático entre os dois países. Por isso, desta vez o processo de seleção foi feito sem alarde. Esse é o segundo êxodo recente de engenheiros brasileiros para o Canadá. A fuga de cérebros da Embraer começou no ano passado, com outros 50 profissionais. A fase atual do projeto do CSeries é minuciosa e também a que mais requer engenheiros. O avião está previsto para voar em 2013. O cliente inaugural deve ser a alemã Lufthansa, que encomendou 30 jatos, com opção de outros 30. Boa parte da turma atual foi recomendada pela leva anterior. Em geral, a maior motivação não é salarial. Na Embraer, vários recebiam, em média, R$ 7 mil por mês, além de 13º salário e participação nos lucros. Na Bombardier, os ganhos anuais ficam, no mínimo, em U$ 90 mil (ou R$ 17 mil mensais), mas esses dois últimos benefícios não existem por lá e o custo de vida é mais alto. O que atrai é a oportunidade de experiência internacional, conhecimento profissional e fluência em inglês e francês. Acostumados ao rígido esquema de trabalho da Embraer, eles também sonham com carga horária mais flexível e estrutura menos hierárquica. As contratações ocorrem no momento em que a Bombardier enxuga seu quadro. Na quinta-feira, ela anunciou um corte de mais de 1.300 funcionários - ou 4,5% da força de trabalho -, sinalizando o fim de um próspero período de vendas dos jatos Learjet e Challenger. Com a crise, a companhia espera queda na demanda por esses modelos, que estavam entre os preferidos de banqueiros e executivos. Ao mesmo tempo, a Bombardier confirmou que vai contratar 800 funcionários para trabalhar em suas novas apostas: CSeries, Learjet 85 e CRJ1000. Muito antes desse anúncio, vários brasileiros já sabiam que seria assim.
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