Não temos espaço para testes ou experimentos em equipe econômica, diz presidente do Bradesco

Para Octavio de Lazari, o cenário a partir de 2023 é “extremamente desafiador” e exige um time “engajado”

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Foto do author Aline Bronzati

NOVA YORK - O governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode usar o “fator tempo” para escolher bem a sua futura equipe econômica, mas tem de estar ciente de que não há espaço para “testes ou experimentos”, na opinião do presidente do Bradesco, Octavio de Lazari. O cenário a partir de 2023, alerta, é “extremamente desafiador” e exige um time “engajado”, a par não só dos principais problemas do País, como o controle da inflação e o equilíbrio do fiscal com o social, mas, principalmente, dos caminhos para resolvê-los.

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“O grande desafio desse governo é equilibrar o social com o fiscal, dando sinais claros de que vai continuar, de alguma forma, apoiando as pessoas mais carentes, mas, por outro lado, vai propiciar uma atratividade maior para investimentos das outras partes do mundo”, disse o banqueiro, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, durante evento do banco, em Nova York. Essa é também a grande preocupação dos investidores estrangeiros, ansiosos pelos sinais que virão do novo governo, segundo ele.

Apesar da fervura da sociedade brasileira, com manifestações de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), insatisfeitos com o resultado das eleições, inclusive com perseguições de ministros da Suprema Corte em Nova York, Lazari afirmou que não vê “nenhum risco” para a democracia no Brasil e que ela, tão jovem conseguiu sair fortalecida das eleições.

Octavio de Lazari, presidente do Bradesco Foto: Paulo Whitaker/Reuters

Sobre os resultados do Bradesco, afetados pelo salto nos calotes, o banqueiro admitiu que pode ter havido um erro no início do aperto dos modelos de concessão de crédito em 2021, mas isso foi consertado e a principal missão é recuperar os retornos históricos. Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Quais são as suas expectativas para o novo governo, considerando o cenário macroeconômico e o ambiente político?

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Passamos por uma eleição bem dividida, mas o Brasil tem uma democracia jovem, pujante e que se estabeleceu, escolheu nas urnas o novo governo, que assume em 1º de janeiro. O País tem um desafio grande com relação à inflação, que ainda não está totalmente controlada. A inflação é uma variável extremamente ruim para a população brasileira, principalmente para as pessoas menos favorecidas, já que corrói o poder de consumo. Controlando a inflação, a expectativa é que a gente tenha uma redução de taxas de juros, o que seria muito importante para o País para entrar numa rota de crescimento. Obviamente, vamos ter de esperar um pouco para ver os sinais do novo governo, a composição da equipe econômica, mas, apesar de que esse novo governo que assume vai pegar um cenário extremamente desafiador, por outro lado, tem oportunidades muito importantes.

Quais?

Saímos na frente do mundo para tentar debelar a inflação e, consequentemente, começar a trabalhar a redução da taxa de juros, então, dado esse cenário, a expectativa de todos os agentes econômicos é que o Brasil possa ter uma rota de crescimento melhor. O grande desafio desse governo é equilibrar o social com o fiscal, dando sinais claros de que vai continuar, de alguma forma, apoiando e ajudando as pessoas mais carentes, mais vulneráveis; mas, por outro lado, vai propiciar que tenha uma atratividade maior para investimentos das outras partes do mundo.

Há a preocupação do mercado com a situação fiscal e a urgência social no País e críticas à PEC da transição. Como o senhor vê essas discussões?

O governo tem mapeado o tamanho dessa necessidade fiscal para continuar a fazer o pagamento do Auxílio Brasil ou seja lá o nome que for dado. Temos que encontrar quais são os caminhos dentro do arcabouço fiscal para poder dar esse auxílio. Tem de ser o mínimo indispensável para poder atender as famílias nesse primeiro momento e, a partir de então, ir equilibrando esse orçamento. Tem a reforma tributária que está na mesa e pode ser uma das alternativas para cobrir parte desse fiscal. Entendo que aumentar a carga tributária no Brasil não é a melhor alternativa porque já é muito alta.

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Quando o senhor cita aumento de impostos, já é uma crítica antecipada a um possível aumento de tributação aos bancos como ocorreu em outros governos petistas?

Não, estou falando de uma maneira geral. Não são os bancos isoladamente. Porque tivemos aumento da nossa carga tributária, mas o setor produtivo como um todo. Essa é a nossa grande preocupação para que não haja uma paralisação de investimentos. É possível ter a mesma carga tributária, mas ganhando em escala, ou seja, aumentando o bolo da receita por conta do faturamento das empresas.

O mercado também tem cobrado o anúncio da futura equipe econômica. Como deve ser esse perfil?

O mais importante é ter técnicos competentes, seja do mundo político ou técnico, para formar essa equipe e os ministérios. Nesse primeiro momento, pode ter um ruído, mas está todo mundo engajado em uma situação melhor para o País, de uma condição para crescer. Partindo desse pressuposto e considerando que crescer e melhorar o País é bom para todos mundo, esses ajustes acabam acontecendo.

Mas a demora não contribui para aumentar esse ruído?

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Temos de dar também um desconto, o fator tempo para esse novo governo porque eles têm bastante convicção de que a escolha da equipe, dos ministros, é muito importante que seja extremamente acertada. Não temos espaço para testes ou experimentos, temos de estar com uma equipe bastante engajada, sabendo exatamente quais são os problemas e desafios do Brasil e quais os caminhos que temos de tomar para melhorar ou resolver esses problemas.

O banco voltou a fazer seu tradicional evento para CEOs e investidores em Nova York de forma presencial pela primeira vez desde a pandemia. Qual é a principal preocupação dos investidores internacionais?

É justamente como é que vai acontecer esse equilíbrio entre o fiscal e o social, quais são as fontes de financiamento, quem serão os integrantes do novo governo. As preocupações são mais ou menos as mesmas. Por outro lado, ouvindo os CEOs, empresários e CFOs [diretores financeiros], percebemos um sentimento de que algo bom está vindo, investimentos de muitas empresas internacionais que já estão canalizados. Agora, é questão de organizá-los.

A democracia no Brasil esteve ameaçada, principalmente, incentivada pelos questionamentos do presidente Jair Bolsonaro às urnas eletrônicas. Tivemos manifestações nas estradas, nas portas das Forças Armadas, em Nova York, os ministros da Suprema Corte foram perseguidos e hostilizados por apoiadores de Bolsonaro. Como o senhor vê esse risco?

Não vejo nenhum risco para a democracia no Brasil. As eleições se provaram extremamente confiáveis. É impressionante o Brasil fazer uma eleição, considerando suas dimensões continentais, e em menos de três horas, já ter o resultado. Seja o Executivo, o Legislativo ou o Judiciário respeitaram e cuidaram para que a democracia fosse preservada no País. Demos provas contundentes, como sociedade, da força da democracia do nosso País sendo uma democracia tão jovem. Pode ter um barulho aqui, um grupo ali que concorda ou não. Isso faz parte da democracia e temos de respeitar a opinião e o posicionamento de todos, mas o mais importante é que a democracia foi guardada, preservada e fortalecida no nosso País.

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No Brasil, há sinais fortes de aumento da inadimplência e o banco já foi afetado nos resultados do terceiro trimestre. Como o senhor vê esse ciclo e qual a estratégia para domá-lo?

A inadimplência é um pouco fruto do que veio da pandemia. As pessoas estavam com mais recursos por conta de todo apoio financeiro que o governo brasileiro deu naquele momento, que foi extremamente importante, só que a inflação corrói o poder de compra das pessoas. Em função disso, tem uma carência maior das pessoas para cumprir os seus compromissos. Então, a inadimplência acabou aparecendo um pouco maior agora. O banco tomou todas as medidas necessárias para preservar a fortaleza do seu balanço, fez alterações na política de crédito, ajustes nos modelos de aprovação. A partir daí, tem o controle da inadimplência e ela deve começar a ceder. Mas é uma preocupação grande.

Sendo uma preocupação grande, o banco considera mudanças em sua estrutura, no alto comando?

Por conta disso, não. Pode haver mudanças como a gente sempre faz o ‘job rotation’ dentro do banco e isso é natural dentro do Bradesco para que todo mundo conheça as diversas áreas da organização.

Mas tem algum movimento previsto?

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Neste momento, não. Mas é algo que estudamos todo ano para que todos os executivos estejam preparados em todas as áreas do banco.

O mercado criticou a forma que o banco comunicou essa deterioração dos ativos, com revisões no guidance ora para pior ora para melhor. Faltou clareza? O banco prevê mudar a forma de se comunicar?

Tem de evoluir a cada trimestre a nossa comunicação. A inadimplência acabou vindo mais forte do que esperávamos e tínhamos de dar essa informação para o mercado com a maior clareza possível e foi por isso que, na divulgação de resultados, mudamos o guidance. Obviamente que não estamos satisfeitos com o resultado do banco. Queremos e estamos trabalhando muito para retomar os níveis de retorno históricos. É uma situação pontual, que vamos trabalhar muito para superá-la e a expectativa é rapidamente controlar essa inadimplência. Principalmente porque sabemos que ela está nas classes C, D e E e nas micro e pequenas empresas. Talvez, tenha havido um erro e podemos dizer que sim, nas mudanças das políticas de crédito, que poderiam ter sido um pouco antes, no segundo trimestre de 2021 e não no terceiro como fizemos. Isso está corrigido e recuperar o resultado agora é a nossa grande missão.

No banco de alta renda, um dos desafios da sua gestão, o banco já tem o tamanho que queria?

Não. O céu é sempre o limite. Reforçamos e agora buscamos o crescimento contínuo porque tem uma população que tem investimentos importantes dentro do Brasil e o Bradesco quer crescer junto a esses clientes. Trouxemos os clientes Private do JPMorgan e do BNP Paribas, somos o segundo maior Private do Brasil. Compramos recentemente a asset do BV, a participação majoritária, que também vem crescendo, e o BAC na Flórida, um dos nossos investimentos para atender os clientes de alta renda nos Estados Unidos.

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Qual a ambição do banco nos EUA?

É atender os nossos clientes brasileiros que têm investimentos nos Estados Unidos. A gestora que administra os investimentos aqui é a BlackRock, uma das maiores do mundo. Mas não temos nenhuma intenção de fazer banco de varejo nos Estados Unidos. Vamos crescer o BAC, mas para atender basicamente os clientes brasileiros e os estrangeiros que temos aqui, mesmo os americanos. Já que é um banco completo, vamos continuar crescendo.

Como crescer diante da maior concorrência de bancos brasileiros no país?

Trazendo clientes que tenham seus investimentos em outras casas nos Estados Unidos e através do Private ou do Wealth Management no Brasil levar para o BAC, na Flórida. A concorrência acabou crescendo bastante neste setor. Todo mundo está procurando o seu espaço, mas a estratégia que o Bradesco adotou de comprar um banco nos Estados Unidos para atender os clientes em toda a sua necessidade, seja de conta corrente, mortgage [imobiliário] ou investimentos no exterior, dá uma sustentação para os nossos clientes muito maior. Outras aquisições não fazem sentido.

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