O Brasil recicla muito pouco e, assim, desperdiça uma montanha de oportunidades. O apontamento é de um estudo da Fundação Dom Cabral (FDC) e do Instituto Atmosfera de Estudos e Pesquisas Ambientais (Instituto Atmos), ligado à Ambipar, que calculou quanto o País recicla, traçou os cenários em que o aumento da reciclagem poderia gerar benefícios e sugeriu soluções.
O relatório foi feito a partir da base de dados disponível. Na sequência, os números foram extrapolados para três diferentes cenários de melhora até 2040, que variam para a criação de 34,8 mil empregos no mais pessimista até 244 mil no mais otimista. O texto aponta que cada aumento de 1% na taxa de reciclagem pode gerar cerca de 9.315 empregos diretos; assim, se a reciclagem avançar 10 pontos porcentuais, criaria 93 mil novos postos de trabalho.
De acordo com o estudo, o Brasil hoje gera cerca de 81 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos por ano, mas recicla apenas 13,06% desse total — o restante é destinado principalmente a aterros sanitários. Esse cenário gera perdas de cerca de R$ 14 bilhões anuais, com o desperdício de matéria-prima. Também há custos maiores com a necessidade de retirar novos materiais da natureza e a importação de resíduos, feita por empresas para alcançar as metas ambientais de reciclagem.
No cenário mais pessimista para 2040, com melhorias pontuais em relação ao que vivemos hoje, 16,8% dos materiais seriam reciclados, o que geraria 34,8 mil novos empregos, mas as perdas cresceriam devido a um maior volume de resíduos aterrados.
No cenário “mediano”, com questões fundamentais sendo atacadas, 20,16% a 25,2% do total iria para reciclagem e 66 mil a 113 mil empregos seriam gerados; as perdas financeiras seriam reduzidas a R$ 7,8 bilhões.

Já no mais otimista, com uma mudança sistêmica em que praticamente todos os resíduos coletados sejam reciclados, 244 mil empregos seriam gerados e as perdas com aterramento, ainda necessário para parte dos resíduos orgânicos, seriam de R$ 3,1 bilhões.
Importância
Para os pesquisadores, um ponto fundamental é entender o papel de cada ator da cadeia: as indústrias de embalagens, as de produtos, os três níveis de governo, as cooperativas e os próprios catadores. “Faltou olhar holisticamente para todo o sistema de reciclagem, faltou olhar para as embalagens, quem produz e quem processa”, comenta Heiko Hosomi Spitzeck, Diretor do Centro de Pesquisa em Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral.
O mais importante, na visão dos autores, é trabalhar os incentivos para aumentar a reciclagem. Para Rafael Tello é diretor científico do Instituto Atmos e vice-presidente de Sustentabilidade da Ambipar, um exemplo é o trabalho das cooperativas. “A cooperativa quer ser remunerada pelo trabalho que ela faz, quer ter apoio para o desenvolvimento, como formas de aumentar a produtividade com maquinário adequado e treinamento para mão de obra”, resume.
Outro ponto seria de empresas que tratam de logística reversa e podem apoiar as cooperativas de reciclagem. “O setor privado pode importar máquinas, mas só vai fazer isso quando tiver segurança jurídica e incentivo para fazer os investimentos necessários”, menciona Spitzeck, da FDC.
Para os consumidores, o importante é focar em três alavancas: conveniência, educação e o aspecto econômico. Na questão da conveniência, ter pontos de entrega próximo a onde moram e circulam; na questão econômica, de dar incentivos, mesmo financeiros; e de valores, na parte educacional, demonstrando a importância da reciclagem.
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Os pesquisadores também se posicionam no texto a favor da Lei nº 15.088/2025, que alterou a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) para proibir a importação de resíduos, já que o Brasil é por si só um grande produtor de lixo. Para eles, embora a PNRS tenha representado avanços ao ser sancionada em 2010, como na escolha em fazer uma inclusão social das pessoas que já trabalham com reciclagem, ainda deixou lacunas e não houve planos posteriores que favorecessem o modelo.
Sobre a reforma tributária, a avaliação é de que a reciclagem chegou a ser tratada, mas de forma aquém ao que poderia. Por exemplo, não há diferenciação entre o plástico PET colorido, mais difícil de reciclar, e o transparente.
Para os autores, não seria necessário proibir o PET colorido, mas sim sobretaxá-lo, assim como outros materiais menos recicláveis. Incentivos fiscais para a reciclagem também são bem-vindos. Outra possibilidade é a criação de regulamentações para a inclusão obrigatória de material reciclado em embalagens.
O estudo também traz sugestões para outros atores da cadeia:
- Indústria de Embalagens: Estabelecer metas obrigatórias de conteúdo reciclado, ampliar os decretos regulatórios existentes e promover o design sustentável de embalagens;
- Indústria de Produtos: Reduzir o uso de plásticos virgens, transformar metas voluntárias em legislações obrigatórias e incentivar a adoção de recicláveis nos processos produtivos;
- Varejo: Instalar Pontos de Entrega Voluntária (PEVs) obrigatórios e fiscalizar a implementação de Planos de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS);
- Prefeituras: revisar contratos com aterros sanitários e estabelecer parcerias formais com cooperativas de catadores;
- Cooperativas de Catadores: Garantir infraestrutura adequada, capacitação, diversificação de receitas e maior apoio técnico para ampliar sua eficiência.
Uma outra sugestão é ter conversas com todos os envolvidos, para harmonizar o sistema e evitar que a ação de um torpedeie o sucesso de outro. “Esse desperdício significa que a gente está aterrando valor, o que pode gerar contaminação de solo e água. Reciclar geraria mais oportunidades para centenas de milhares de pessoas, e pode melhorar questões de saúde”, conclui Spitzeck.