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Brasil pode recuperar selo de bom pagador no governo Lula? Caminho é difícil, dizem analistas

Para economistas, País até tem condições de recuperar grau de investimento num prazo de três anos, mas governo terá de fazer ‘trabalho árduo’

Foto do author Aline Bronzati
Foto do author Eduardo Laguna
Atualização:

NOVA YORK E SÃO PAULO - Repetir o feito que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu em 2008, de conquistar o então inédito selo de bom pagador para o País, o chamado grau de investimento, pode ser mais difícil em seu terceiro mandato. Economistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, tanto no front doméstico quanto no exterior, estão céticos que o Brasil consiga sair do “grau especulativo”, considerando o desafio das reformas, o baixo potencial de crescimento à frente e uma elevação de dívida que não deve ser evitada pelas novas regras fiscais.

A agência de classificação de risco S&P Global Ratings melhorou na quarta-feira, 14, a perspectiva para o rating BB- do Brasil, de estável para positiva. Atrasado, o movimento surpreendeu investidores, que começaram a questionar bancos no Brasil e em Wall Street sobre se e quando o País voltaria a ter o selo de bom pagador, perdido em 2015.

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O primeiro obstáculo à frente são os degraus que afastam o Brasil na escala de ratings do grau de investimento. Pelas agências S&P e Fitch Ratings, o País tem nota BB-, ou seja, três níveis abaixo do selo de bom pagador, de ao menos BBB-. Já pela Moody’s, o País tem Ba2. É um degrau acima das rivais, e apenas dois abaixo do grau de investimento, o que, na avaliação de alguns observadores, pode fazer com que a agência tenha cautela em seguir imediatamente o movimento da S&P.

Em paralelo, o Brasil terá de superar entraves macroeconômicos sob várias óticas: baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), elevada dívida pública frente aos países que têm grau de investimento e uma incerta melhora de receita para alcançar a prometida meta de resultado primário de 1% em 2026. Fora isso, não devem ser grandiosos, no curto prazo, os efeitos da reforma tributária, que ainda está sendo negociada e sujeita não só às pressões dos setores que querem tratamento diferenciado, mas também à oposição das grandes capitais.

Ministério da Fazenda e outros da área econômica terão longo trabalho para buscar grau de investimento Foto: ANDRE DUSEK / ESTADÃO

Para completar, pesa o fato de 2026 ser um ano de eleições presidenciais e que prometem ser bastante polarizadas, assim como nas últimas vezes em que os brasileiros foram às urnas para escolher o chefe do Executivo.

Segundo o diretor e analista líder da S&P para Brasil, Manuel Orozco, a mudança na perspectiva do rating do Brasil pela S&P foi uma sinalização de que a nota do País pode ser alterada à frente, mas não um trampolim para o “investment grade”. “Estamos dando um sinal de que o rating [do Brasil] poderia melhorar. Ainda não é uma melhora do rating”, afirmou Orozco, em entrevista ao Broadcast.

A decisão anunciada na quarta-feira pela agência chamou a atenção por ter sido tomada com o governo apenas em seu sexto mês de mandato. Economistas que tiveram contatos com analistas da S&P no começo de junho relataram ao Estadão/Broadcast que perceberam um bom humor deles com o ambiente do País. Mesmo assim, surpreendeu o fato de a agência ter anunciado a revisão de perspectiva poucos dias depois. Ficou a sensação de que a S&P já estava inclinada a tomar a medida antes de enviar sua missão ao Brasil.

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“Me parece que a S&P estava um pouco atrasada. A agência podia já ter reconhecido isso”, diz o diretor de Pesquisa Macroeconômica do Goldman Sachs para América Latina, Alberto Ramos, baseado em Nova York, ao comentar os motivos que a levaram a fazer tal movimento.

A expectativa é que agora a agência faça um novo movimento em um ou dois anos, podendo melhorar ou não a nota do País. Até lá, vai monitorar o ritmo de crescimento do Brasil, que espera que seja maior do que a sua projeção média de 2% até 2026, e ainda o avanço das reformas em andamento — leia-se a consolidação fiscal e a tributária —, além da condução da política monetária para a redução da inflação doméstica.

Para o chefe de Economia para Brasil e de Estratégia para América Latina do Bank of America (BofA), David Beker, o País tem condições de recuperar o grau de investimento em até três anos. Só que, para isso, o governo Lula terá de fazer, na sua visão, um “trabalho árduo”. “Se o Brasil fizer uma reforma tributária abrangente, depois a da renda, avançar na geração de primário, crescer a receita, se cumprir essas etapas, é possível”, enumera. “Mas são etapas difíceis. A combinação desse todo não é trivial”, disse Beker, ao Estadão/Broadcast.

Mais cético, Ramos, do Goldman Sachs, vê uma “agenda difícil” para o Brasil retomar o grau de investimento. Ele não acredita que isso seja possível no governo Lula. “Vai requerer reformas que aumentem a produtividade e o investimento da economia que eu, neste momento, não vejo. Será necessária também uma execução fiscal que estabilizasse a dívida, que eu também não vejo, ou políticas que aumentem flexibilidades do orçamento, que eu também não vejo”, lista ele.

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Economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato Barbosa afirma que, mesmo crescendo menos do que a média da economia global, o Brasil pode conseguir um ou dois upgrades em no máximo três anos se evitar uma crise econômica, fiscal ou de contas externas. Já para retomar o grau de investimento, o que ele acredita ser possível apenas em um período mais longo, tudo dependerá da capacidade do País de manter as contas públicas organizadas, evitar turbulências e voltar a crescer. “Acompanharemos as cenas dos próximos capítulos”, escreveu o economista do Bradesco em artigo publicado pelo Estadão/Broadcast.

Muitos economistas relacionaram a revisão da S&P à herança das reformas feitas nos últimos anos. Hoje, pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV) também apontaram a melhora de ambiente tanto doméstico quanto internacional. Porém, eles ainda veem o Brasil distante do grau de investimento. Segundo Silvia Maria Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), com crescimento da economia inferior a 2%, baixa taxa de investimentos e déficits primários, será difícil o Brasil voltar a ter esse status de bom pagador.

O sócio-fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, considera próxima de zero a probabilidade de o Brasil voltar a ter o selo até o fim do terceiro mandato de Lula. Se tudo der certo, é possível esperar um primeiro upgrade em um prazo de 12 a 18 meses, e uma segunda elevação em dois anos, colocando o rating no limiar do grau de investimento, prevê. O último degrau para um país receber o selo, porém, é mais alto do que os anteriores. “As agências não querem tomar a decisão e depois tirar”, alerta.

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