A geografia definiu o destino do Brasil: terra, sol, água e, agora, vento. Sua exploração definiu nossa sociedade desde as capitanias hereditárias. Exportamos madeira e açúcar, desenhando os mapas físicos, os de poder e as relações entre os que outorgam direitos e usufruem deles. Continuamos até hoje, de forma mais sutil, promovendo oportunidades para poucos e distribuindo custos para muitos.
Agora, de novo, as riquezas da terra, sol, água e vento nos colocam em evidência no mundo da crise climática. Podemos repetir o que nos trouxe até aqui ou avançar para uma economia mais dinâmica e uma sociedade menos desigual.
Na energia, ainda são muitas as capitanias hereditárias, em espaços definidos na geografia das leis e da regulação. Nelas, donatários exploram a riqueza – e a pobreza – dos consumidores com todo tipo de proteção e subsídio. E os brasileiros pagam duas vezes: nas contas de energia e no preço do que é produzido no País.
Acontece assim no surreal “direito” de lucrar 20% ao ano de distribuidoras de gás e no benefício de não pagar por custos que provocam ao sistema, no caso da geração distribuída de energia elétrica.
Na transição energética, há quem defenda repetir a prática de “sucesso” desses quinhentos e tantos anos, como se ela fosse trazer resultados diferentes. Petroleiras defendem uma capitania hereditária onde os consumidores paguem por seus caros projetos eólicos offshore. E há os que querem exportar hidrogênio para descarbonizar a indústria do mundo com subsídios pagos pela nossa sociedade.
A energia renovável, que hoje sobra no País, e o gás do pré-sal, que está sendo reinjetado, podem descarbonizar nossa produção e promover investimentos na modernização e na eletrificação do parque industrial. Podemos ser mais que exportadores de terra, sol, água e vento na forma hidrogênio e lítio, por exemplo. Podemos ser uma plataforma global de produção com baixa emissão movida por energia verde, limpa, barata e segura.
O governo brasileiro defendeu na Organização das Nações Unidas (ONU) a combinação da sustentabilidade do planeta, do social e das contas públicas, e a transição energética como meio para um desenvolvimento mais justo e para um país menos desigual. Esse é o norte, o objetivo último.
Para isso, as decisões precisam sair da esfera de outorgantes e outorgados de direitos, e envolver quem paga a conta. Assim, se quebrará o modelo das capitanias hereditárias e dos interesses guiados pela lógica do eu-aqui-agora.
Paulo Pedrosa é presidente da Abrace Energia.
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