Quase duas cargas foram roubadas por hora nas estradas brasileiras em 2023, somando mais de 17 mil ocorrências. O resultado mostra um crescimento de 4,8% do crime em comparação com 2022, segundo os dados do estudo “Brasil: Relatório Anual de Roubo de Cargas”, da consultoria Overhaul, que analisa a segurança no escoamento de mercadorias no território nacional. Os números colocam o País na segunda colocação do ranking global da empresa, atrás apenas do México e à frente de África do Sul.
A Overhaul faz o acompanhamento diário de casos registrados em território nacional e compara com as informações oficiais divulgadas mensalmente pelas Secretarias de Segurança dos 26 Estados e do Distrito Federal.
Especialistas afirmam que o crescimento dos casos no País pode ter relação direta com mudanças de comportamento de consumo, questões macroeconômicas, avanço da produção agrícola e crescimento da informalidade, entre outras hipóteses.
Além de apontar para um aumento pontual no número de casos em 2023, a análise da consultoria também comparou os índices de incidência desses crimes no País no pré-pandemia, revelando uma onda ascendente de criminalidade em relação aos roubos de cargas no Brasil, como conta o gerente de inteligência da Overhaul no Brasil, Reginaldo Catarino.
Segundo o executivo, os últimos resultados se assemelham ao movimento verificado entre 2010 e 2013, momento em que o mercado nacional viveu outra onda crescente de roubos de cargas que impactaram os negócios logísticos no País — esse foi um momento de forte crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). “Nós observamos que a tendência é que o roubo de cargas continue subindo”, afirma.
Catarino pontua que o crescimento dos casos no setor logísticos está ligado à demanda crescente por parte da população que consome os produtos vindo de desvios de cargas. Ele afirma que, assim como no mercado regulado, a “lei da oferta e demanda” também dita o crescimento desse tipo de crime. “Essa é uma questão social muito importante que tem de ser analisada”, avalia.
O presidente do grupo BBM, um dos maiores operadores logístico do Mercosul, Antonio Wrobleski, especialista no setor, diz que a precária situação das estradas Brasil afora facilita a ação de criminosos. E destaca o deficitário programa de segurança nas rodovias e periferias.
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O resultado, destaca o executivo, é que, só em 2022, as empresas tiveram um prejuízo de R$ 1,2 bilhão com o roubo de cargas. Ele diz que as companhias têm se desdobrado para proteger os ativos, mas nem sempre conseguem evitar o pior. Para mitigar os roubos e furtos no transporte, a BBM tem investido em áreas distintas do processo como operação, tecnologia e pessoas.
“Os esforços começam na contratação, treinamento e desenvolvimento de equipes capacitadas para operar nos diversos cenários da companhia. Investimos em tecnologia de segurança embarcada em nossos veículos e segurança dos softwares de controle e monitoramento para assegurar atuação mais assertiva e a devida mitigação dos riscos operacionais”, diz ele.
Maior segurança, no entanto, significa gastar muito dinheiro. Fazer seguro custa caro e comprar softwares de segurança, também. Wrobleski conta que o custo da segurança em uma empresa como o grupo BBM, que tem mais 4 mil veículos e 20 milhões de entregas anuais, fica entre 2% a 3% da receita bruta.
Mas as empresas não têm muita saída. O empresário José Prado, dono de uma distribuidora de vidros, segue o mesmo caminho de Wrobleski. Atento ao crescimento da criminalidade e ao perigo de ter parte da sua produção roubada durante o processo de transporte, ele precisou investir em acessórios de segurança para a sua frota de caminhões.
Seguro do veículo e da carga, rastreadores em tempo real — conhecidos como telemetria —, câmeras internas e externas são algumas das ferramentas que auxiliam no monitoramento dos carros enquanto trafegam pelas rodovias.
Prado conta que são comuns os casos de caminhões de empresas no setor em que atua que acabam sendo alvo dos criminosos, e apesar de terem os automóveis encontrados, dificilmente conseguem reaver a carga perdida. “Usamos um sistema israelense que faz o acompanhamento a todo momento dos nossos motoristas. É uma forma de nos proteger”, afirma.
Evolução
Segundo o modelo da Overhaul para roubo de cargas apresentado no estudo, a projeção inicial é a de que o número de casos tenha um crescimento entre 1% e 2% neste ano. Catarino pontua que os resultados das projeções do indicador são revisados a cada trimestre, e que o valor final pode sofrer variações diante de questões macroeconômicas, de criminalidade, de tendências de consumo e outros aspectos que envolvem o mercado de transportes de cargas.
Em meio às projeções de crescimento nos casos de roubos de carga no País, o mercado já começa a precificar esse passivo e a repassar o custo ao longo de toda a cadeia produtiva, como explica Ulysses Reis, especialista em varejo da Strong Business School (SBS). “Isso é o que vai acontecer: as varejistas, as distribuidoras, os centros de distribuição e companhias em geral não vão ficar com esse prejuízo. O que acaba repassando o prejuízo para cliente final”, afirma.
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam que as companhias brasileiras tiveram custo com segurança privada e seguros da ordem de R$ 171 bilhões em 2022, o equivalente a aproximadamente 1,7% do total do PIB do País para o ano.
Reis lembra que, tradicionalmente, custos como o de segurança já eram contabilizados pelas companhias, mas que agora precisam recalcular esse passivo diante da alta na criminalidade. “Na prática, essa insegurança acaba onerando os preços ainda mais, que faz parte do custo Brasil, já que isso é mais uma das ineficiências logísticas que temos por aqui”, diz.
À luz do dia
Além de tentar entender os principais locais de extravio de produtos, o relatório de roubo de cargas também mostra a cronologia do crime no País. Ao analisar os dados, é possível chegar aos principais períodos do dia e da semana escolhidos pelos criminosos para as ações de roubo.
Em 2023, segundo a pesquisa da Overhaul, metade dos casos de roubos de cargas foi realizada pelos criminosos após as 6h da manhã, derrubando o senso comum de que os incidentes seriam feitos à noite. O relatório também mostra que as ocorrências continuam sendo significativamente mais prevalentes em dias úteis, com uma predominância de ocorrências às terças-feiras (22%) e quartas-feiras (20%).
“As cargas de distribuição urbana aconteciam durante a noite. Hoje, os grandes players do mercado estão abastecendo os negócios de dia,” diz o gerente de inteligência, que afirma: “O roubo acontece à luz do dia.”
Um ponto a ser destacado, segundo Catarino, foi o crescimento nos casos de roubos de cargas após as 18h, responsáveis, no ano passado, por 8% das ocorrências.
Com o aumento do consumo brasileiro no e-commerce, impulsionado pela pandemia, e a ampliação do período de entrega desses itens, que antes era feita exclusivamente pelos Correios em horário comercial, as entregas passaram a ser feitas por empresas especializadas (como Loggi, DHL, Mercado Livre e outras), que avançam pelo começo da noite com o serviço.
“O aumento na entrega de produtos para além do período diurno gera um aumento de oportunidade para o crime organizado”, diz ele. “Enquanto nós não temos uma certeza, nós temos de trabalhar com hipóteses prováveis.”/Colaborou Renée Pereira
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