A economia brasileira tem gerado boas notícias: inflação em queda, desemprego com melhor resultado desde 2014, revisão das projeções de crescimento para cima, cotação do dólar mais baixa desde o período pré-eleitoral e a mais recente elevação da nota de crédito pela Fitch, uma das principais agências de classificação de risco. A pergunta que paira no ar é: a boa onda irá levar o Brasil para o rumo de um crescimento estrutural e sustentável ou será mais um voo de galinha?
Economistas ouvidos pelo Estadão concordam que o cenário para os próximos 12 meses é positivo, fruto de um ambiente de reformas criado antes do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de movimentos positivos do atual governo. Não é possível dizer até agora, no entanto, que o Brasil entrará em uma jornada de crescimento consolidado no médio e no longo prazos.
A rota para isso passará pela continuidade de uma agenda de reformas, sucesso em medidas levadas pelo governo ao Congresso, pela abertura ao capital privado para investimentos e, obrigatoriamente, pelo aumento da produtividade. Também dependerá, segundo os economistas, da continuidade da escolha, no governo Lula, por uma rota mais pragmática no campo econômico.
“Estamos no melhor momento de mercado, desde o início do governo, um momento que muita gente esperava que tivesse acontecido logo depois da eleição. Mas, como teve todo o barulho da PEC da Transição, do déficit projetado muito grande e não se sabia qual era o plano fiscal, o mercado passou cinco meses piorando. Agora, melhorou”, afirma Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro e atual economista-chefe do BTG Pactual.
O mercado reagiu bem após a vitória de Lula nas eleições do ano passado. A incerteza sobre qual seria a nova regra fiscal que o novo governo colocaria no lugar do teto de gastos e a PEC da Transição com valor bem acima do projetado por economistas fizeram com que as perspectivas econômicas, no entanto, piorassem até meados de abril.
A apresentação do arcabouço fiscal, a promessa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de chegar a um déficit menor do que o previsto no orçamento aprovado para este ano e o apoio público de Lula à agenda de responsabilidade fiscal colaboraram para a dissipação das incertezas.
“Ele (Haddad) voltou com a tributação em cima dos combustíveis e teve aquela mudança logo no início do ano sobre crédito de ICMS no pagamento de PIS e Cofins. Hoje, a expectativa do mercado é de terminar este ano com déficit primário em torno de R$ 100 bilhões. É alto, mas é menos da metade do que se esperava no início do ano”, afirma Mansueto.
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A aprovação da primeira etapa da reforma tributária na Câmara consolidou o bom humor do mercado, de investidores e empresários com a equipe econômica e é a medida mais eficaz apresentada até agora, segundo os especialistas consultados, para contribuir para um crescimento sustentável. Isso porque a simplificação do complexo sistema tributário brasileiro é uma das maneiras de melhorar a produtividade do País.
Os dados do Censo mostram que o Brasil teve o menor crescimento da população em 150 anos. Sem o bônus demográfico, a questão da produtividade no País fica ainda mais urgente para garantir uma trajetória de crescimento de longo prazo. “Temos que fazer a revolução na educação básica do Brasil. Isso é uma agenda que vai ser importante não apenas para este governo, mas também para o próximo”, afirma o economista-chefe do BTG Pactual.
A economista para Brasil do BNP Paribas, Laiz Carvalho, afirma que o otimismo entre os investidores estrangeiros têm sido mais elevado do que o apurado em suas conversas com empresários brasileiros.
“O pessoal que é de fundo de investimento, que chamamos de investimento rápido, está muito, muito, muito otimista com o Brasil, principalmente pela comparação com outros países. Temos a China crescendo menos do que se esperava antes, a Rússia que ainda está com a questão da guerra na Ucrânia, África do Sul está sofrendo pressões políticas, Turquia, enfim. Aí olham para Brasil e México, que são os dois países que estão mais bem posicionados hoje em dia”, afirma.
“Quando falamos com as empresas, elas já não estão tão otimistas, principalmente por causa da taxa de juros no nível de 13,75%, e também pelas incertezas com relação à aprovação das reformas, aprovação do arcabouço fiscal. Tudo ainda está acontecendo”, completa.
Os dados mais recentes de inflação aumentaram as apostas sobre um início de ciclo de redução da taxa básica de juros, a Selic, nesta semana, em maior intensidade. No BTG Pactual, a previsão é de corte de 0,50 ponto porcentual na Selic na próxima reunião do Copom.
O governo Lula também vem argumentando que o Banco Central deve fazer uma redução superior a 0,25 ponto porcentual. Mansueto Almeida afirma que com a mudança na previsão da curva de juros do país, as operações de fusão e aquisição devem começar a voltar.
Crescimento
“Nos últimos dez anos, o Brasil cresceu em média 1% ao ano, que é um crescimento abaixo do que é o crescimento potencial, do quanto o País poderia crescer em condições normais de temperatura e pressão”, afirma Laiz.
O resultado do PIB do Brasil no primeiro trimestre foi de 1,9%, mais alto do que o projetado pela Fazenda, que estimava alta de 1,2%. O crescimento foi impulsionado pela agropecuária, e levou o governo a revisar de 1,9% para 2,5% a projeção de crescimento da atividade em 2023.
“Não estamos vendo sinais de que seja um crescimento sustentado, de que seja uma mudança estrutural do Brasil”, afirma a economista.
“Para os próximos 12 meses, vai ser muito importante a questão dos juros. Agora, isso significa que está consolidado o cenário do Brasil crescendo em um ritmo mais acelerado do que se esperava, de forma contínua? Não, porque aí vai depender”, diz Mansueto. Segundo ele, o Brasil precisa seguir a agenda de reformas já iniciada — com a aprovação da reforma tributária, mas também conseguir entregar um bom resultado fiscal no médio prazo.
“Depende de como é que vai ser o formato final da reforma tributária. Depende se o governo vai conseguir cumprir as metas de primário. Depende de uma série de coisas. O ministro da Fazenda fala que vai conseguir mexer no regime especial tributário, mas isso nem sempre é muito simples. O governo vai melhorar a articulação política e vai ter uma base mais consistente? Vai conseguir aprovar as reformas que precisa para o País crescer mais? Tudo isso está em aberto”, diz Mansueto.
A avaliação dos economistas também é a de que, para conseguir aumentar a porcentagem de investimento sobre o PIB, é preciso contar com alto investimento privado — e avançar na agenda de concessões de infraestrutura. O sucesso de acordos comerciais internacionais, como o da União Europeia com o Mercosul, e o avanço em uma reforma administrativa são ainda colocados na lista como fatores que ajudariam o País a trilhar um caminho de crescimento constante.
“Tivemos um início muito difícil do ponto de vista de preocupações com a agenda econômica do governo. Porém, desde abril, houve uma mudança para melhor neste ambiente. Claro que um marco foi o avanço do arcabouço fiscal, que afastou o temor de irresponsabilidade total nos gastos. O segundo aspecto veio das sucessivas demonstrações do Congresso de que não sancionarão retrocessos em agendas já feitas. O terceiro, a decisão do CMN de manter meta de inflação. E a própria postura do ministro Fernando Haddad, que foi uma peça central em conseguir conter esses ímpetos mais populistas, mais desenvolvimentista”, afirma o sócio e economista sênior da Tendências Consultoria, Silvio Campos Neto.
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“É um ambiente obviamente bem melhor do que o que tínhamos há seis meses. Mas, daqui em diante, é uma trajetória só de resultados positivos? Acho importante ter cautela”, diz o economista.
Pragmatismo
Parte do crescimento acima do esperado no País, segundo os economistas, também está relacionado com reformas já feitas antes de 2023. “As agências de classificação de risco destacaram em relatórios as reformas que o Brasil fez nos últimos seis anos”, concorda Mansueto Almeida.
O ex-secretário do Tesouro destaca a reforma da Previdência, a independência do Banco Central, a mudança de marcos regulatórios, a redução de subsídios concedidos por bancos públicos, a reforma trabalhista e as concessões de saneamento.
“A economia brasileira já vinha numa tendência de recuperação há dois anos, diante de toda uma agenda que vem sendo tocada há um bom tempo. O Brasil promoveu reformas importantes e tem colhido os frutos disso”, afirma Silvio Campos Neto.
O pragmatismo do atual governo, segundo os economistas ouvidos, para manter políticas adotadas nos governos passados também é um fator capaz de melhorar o crescimento nos próximos anos.
“Qual foi a mudança radical que o governo fez no BNDES? Nenhuma. Qual foi a mudança radical que o governo fez em reformas que foram aprovadas? Trabalhista? Previdenciária? Também nenhuma. E a gente tem um plano fiscal que, embora o mercado ainda não acredite que o governo vai entregar o que prometeu, mostra que a despesa não vai crescer de forma descontrolada”, afirma Mansueto.
“Aqui no Brasil o que está se mostrando é um governo mais pragmático do que às vezes o investidor poderia antecipar baseado no discurso de governo”, completa o economista.
Silvio Campos Neto lembra que alguns pontos de contrarreformas merecem atenção por irem numa direção preocupante. “Falo, fundamentalmente, de mudanças em algumas agendas, de bancos públicos em essencial, uma tentativa de o BNDES adotar protagonismo como já teve no passado, o próprio uso em maior escala de algumas empresas estatais. A magnitude dessa visão desenvolvimentista ainda é incerta. Talvez não seja como no passado recente, mas temos que monitorar porque essas ideias estão presentes. Fica como um senão”, alerta.
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