ENTREVISTAEdward Amadeo, economistaEdward Amadeo, economista da Gávea Investimentos, acha que o Brasil está bem preparado para enfrentar as duas ameaças de "ruptura" na economia global de hoje. A primeira é uma reestruturação desordenada da dívida grega, aumentando a aversão global ao risco, o que poderia levar a uma forte repatriação de capitais aplicados nos países emergentes, como ocorreu na esteira da quebra do Lehman Brothers em 2008, que precipitou a crise global. A segunda ameaça é uma desaceleração forte na China, provocando uma queda abrupta do preço das commodities que o Brasil exporta.Para Amadeo, o alto nível de reservas e o elevado juro básico brasileiro (que pode ser baixado pelo Banco Central, em caso de necessidade) são fatores que protegem o País. Mas ele está preocupado com os rumos da política econômica. A seguir, a entrevista:Os Estados Unidos estão desacelerando de novo. Qual o impacto no Brasil?O que se está discutindo é se haverá uma volta a um crescimento na economia americana em torno de 3%, 3,5%, que é o que a maioria acha que vai acontecer, ou se vai continuar com um crescimento anêmico em torno de 2%, que é o que está acontecendo nesta primeira metade do ano. Seja um, seja outro, é meio neutro o efeito no Brasil.Por quê? Isso não impacta o crescimento global?Não acho que uma possível desaceleração do mundo, que penso que com certeza está acontecendo neste momento, tenha em si um impacto relevante sobre o Brasil. Porque o Brasil é uma economia grande, fechada, e tem ainda muita munição, principalmente na área de política monetária (juros altos que podem ser baixados). Quer dizer, se a gente tiver que enfrentar algum tipo de falta de demanda global, temos como estimular a demanda doméstica. Então acho que esse não é o maior problema. Como o sr. vê a situação na Europa, especificamente os impactos da crise grega?Parece que os europeus mais uma vez vão empurrar com a barriga e estão abandonando qualquer ideia de fazer uma reestruturação, de introduzir os credores privados na ajuda à Grécia. Então, vão tentar mais uma vez usar só munição oficial, dos governos e do FMI (Fundo Monetário Internacional), para dar mais um tempo à Grécia. Provavelmente, ainda não será desta vez que a Grécia vai afetar os credores privados (reestruturação). Mas isso vai acontecer nos próximos meses. E, quando acontecer, dependendo da preparação que for feita, a dinâmica pode ser de ruptura, e ter impacto sobre bancos na Europa. A ruptura é certa?Claro que existe a possibilidade de se fazer uma coisa tão bem orquestrada, capitalizando os bancos de antemão, e isso e aquilo, que poderia se impedir que (a reestruturação da dívida grega) tivesse tanto impacto. Mas, dada a quantidade de conflito de interesses que existe, entre a população grega e a população alemã, entre o Banco Central Europeu (BCE) e o governo alemão, e por aí vai, e somado à dificuldade de coordenação que os europeus têm mostrado, não é de se descartar uma dinâmica que gere uma ruptura. Então, seria uma espécie de um "credit crunch (contração brusca do crédito)" na Europa.Tão ruim como a quebra do Lehman Brothers, que precipitou a grande crise global?As pessoas têm usado esse exemplo. O próprio BCE, quando se manifestou contra a recente proposta do ministro da Fazenda alemão (Wolfgang Schäuble) de envolver os credores privados, citou o risco de haver uma coisa parecida com (a quebra do) Lehman Brothers. Mas não precisa ser nem metade. Então existe aí uma bomba que está com o risco de explodir. Isso é algo que poderia ter impacto na economia global.E qual seria o impacto no Brasil desse cenário?Se houver uma reestruturação da dívida grega, a não ser que ela seja super orquestrada, com certeza vai acontecer uma mega aversão a risco, que pode produzir repatriação de capital (inclusive do Brasil, com desvalorização brusca), como aconteceu no episódio do Lehman, embora eu ache que não seja naquelas proporções. Não na mesma intensidade, mas o mesmo tipo de fenômenoQue outros riscos globais o sr. destacaria?Na China, é bem menos complicado do que na Europa, mas eles estão num processo da aperto, com vistas à trazer a inflação, que está entre 5% e 6%, para 4% em 2012. E ninguém sabe muito bem qual é o tamanho do aperto necessário para fazer isso. É possível que esse aperto signifique que a China cresça, vamos dizer, alguma coisa como 5%, 6%, em termos anualizados, por um par de trimestres. É menos crescimento do que as pessoas imaginam hoje que vai acontecer. Isso pode ter um impacto de uma ruptura, ainda que temporária, nos preços de commodities. O que impacta o Brasil (que exporta commodities). Assim, teria efeito nos nossos termos de troca (comparação entre o preço dos produtos que o Brasil exporta e o do que importa).O Brasil está preparado para lidar com esses choques?Muito bem preparado. Tem reservas a dar com pau. Tem juros muito altos. E tem uma demanda doméstica sólida. Então tem condições de lidar com choques desse tipo.O sr. não está, portanto, muito preocupado com o Brasil?Não, não pelas razões externas. Talvez eu esteja mais preocupado pelas razões domésticas. Como assim?Refiro-me à política econômica. Acho que abandonaram totalmente os cânones do que deu certo: meta de inflação, câmbio flutuante, e muito respeito pela meta fiscal. Os três foram abandonados. Uma possível explicação é que, tendo mudado as circunstâncias, a política tem de ser outra. Ou então eles simplesmente optaram por outro tipo de política econômica, que é minha leitura. Acho que essa política está errada.
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