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Brasil tinha 16,6 milhões de famílias à margem do mercado de trabalho ao fim de 2022

Resultado significa 1,6 milhão de lares a mais sem rendimento de um emprego na comparação com o período de pré-pandemia, segundo Ipea

RIO - Apesar da melhora no emprego ao longo de 2022, o Brasil chegou ao fim do ano passado com 16,662 milhões de famílias sobrevivendo à margem do mercado de trabalho. Esse resultado significa 1,6 milhão de lares a mais sem rendimento obtido de um emprego, na comparação com o quarto trimestre de 2019, no pré-pandemia de covid-19.

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O cálculo é do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com base nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O grupo é composto majoritariamente por famílias vulneráveis, que dependem exclusivamente de transferências de renda, ou dependentes de pensões e aposentadorias, e inclui também uma minoria pertencente ao topo do extrato social que não precisa da renda de um emprego (vive de rendimentos de investimentos financeiros, por exemplo), explicou Sandro Sacchet de Carvalho, técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea.

“A maior parcela com certeza é dos domicílios da base da pirâmide social e que dependem fortemente das transferências de políticas sociais compensatórias do governo federal”, corroborou Lucas Assis, analista da Tendências Consultoria.

“Ao longo de 2022, houve um reestabelecimento da fila de espera por novos benefícios emitidos pelo Regime Geral da Previdência Social. Em 2020 e 2021, por conta da pandemia, muitas agências do INSS ficaram fechadas, e acabou ampliando a fila de espera para receber benefícios da Previdência Social. Em 2022, houve esse reequilíbrio, o governo federal se empenhou para reduzir essa fila de espera. Então, novos benefícios foram emitidos, tanto de aposentadorias quanto de pensões. Todas essas transferências governamentais e políticas sociais geram um possível desincentivo à busca dos inativos por uma ocupação”, acrescentou.

Proporção de famílias brasileiras que sobrevivem sem qualquer renda do trabalho aumentou de 22,02% no terceiro trimestre de 2022 para 22,12% no quarto trimestre do mesmo ano Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A proporção de famílias brasileiras que sobrevivem sem qualquer renda do trabalho aumentou de 22,02% no terceiro trimestre de 2022 para 22,12% no quarto trimestre do mesmo ano. No quarto trimestre de 2019, 21,16% dos domicílios não tinham qualquer renda obtida através do mercado de trabalho.

“O fato de a proporção de domicílios que não recebem renda do trabalho não ter tido queda tão grande como o desemprego pode ser porque a crise (sanitária) incentivou as pessoas já com idade para se aposentar a se aposentarem. Aí quando o mercado de trabalho retoma, elas não retornam ao mercado de trabalho, estão recebendo aposentadoria. Ou justamente porque o Auxílio Brasil maior em 2022 proporcionou uma quantidade maior de domicílios conseguindo sobreviver sem a renda do trabalho. É um pouco de tudo ao mesmo tempo”, justificou Carvalho.

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O resultado representa uma certa normalização ante o pico provocado pelo choque da pandemia de covid-19 (a proporção de lares sem renda do trabalho atingiu 28,55% no segundo trimestre de 2020), mas mostra também a dificuldade de acesso dos mais vulneráveis ao mercado de trabalho. Trabalhadores com menor nível de instrução e que enfrentam desemprego de longo prazo têm maior dificuldade de recolocação.

“Tem, por um lado, uma dificuldade, sim, de alguns trabalhadores, especialmente de qualificação média mais baixa, de se reinserirem no mercado de trabalho, então tem aqui uma questão estrutural importante”, avaliou Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos.

“Em muitos casos, quando o trabalhador perde o emprego, e isso a gente viu bastante ao longo de 2020 e da primeira metade de 2021, tem uma dificuldade maior de se reposicionar, de se recolocar no mercado de trabalho caso o nível de qualificação seja mais baixo, inferior à média.”

Outro elemento mencionado por Margato é a ampliação dos programas de transferências de renda, tanto via valor pago quanto no aumento do número de beneficiários. O fenômeno teria ajudado a aumentar a população inativa, ou seja, pessoas em idade de trabalhar que nem tinham emprego nem procuravam uma vaga.

A tendência é de manutenção desse cenário em 2023, apesar dos esforços do novo governo de aperfeiçoar o desenho do Bolsa Família, identificando fraudes e pagamentos indevidos.

“Não há redução no número de famílias beneficiárias”, lembrou Margato. “Um número considerável de pessoas receberá essas transferências, que em alguns casos vai superar R$ 700.”

A manutenção do programa, somada a uma perda de fôlego no mercado de trabalho, pode até aumentar ao longo deste ano a proporção de famílias sem renda do trabalho.

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A XP prevê um crescimento de apenas 1% no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2023. A taxa de desemprego chegaria a 9,2% ao fim de 2023, após ter ficado em 8,2% ao final do ano passado, segundo cálculos da XP que desconta as influências sazonais.

“Uma desaceleração das condições de emprego e renda e um aumento de taxa de desocupação vão no sentido de ampliar o número de pessoas desempregadas, e, logicamente, de famílias sem a fonte de renda (obtida via mercado de trabalho)”, concluiu Margato.

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