NOVA YORK - A persistência de temores fiscais no Brasil, que não foram apaziguados com o pacote do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e menos cortes de juros nos Estados Unidos no ano em que Donald Trump retorna à Casa Branca devem manter o investidor estrangeiro distante do País em 2025.
Bancos de Wall Street como JPMorgan e Morgan Stanley, mas também da Europa, a exemplo do suíço Julius Baer e do HSBC, têm rebaixado a recomendação para os ativos domésticos em um movimento em cascata diante da piora das expectativas e a falta de visibilidade para a reversão desse cenário à frente.
Ao longo do ano passado, a participação do Brasil em fundos globais, que já era baixa, minguou ainda mais. O peso do País no índice de ações MSCI Emerging Markets (MSCI EM), uma das principais referências para investidores estrangeiros, caiu para cerca de 4% em dezembro, ante 5,80% no fim de 2023. Com o isso, o Brasil foi desbancado pela Arábia Saudita, que se consolidou na quinta colocação do índice pela primeira vez na história.
Nos tempos áureos, quando detinha grau de investimento, o Brasil chegou a deter importância de 17% do MSCI EM. “Dos poucos gringos que estavam interessados, alguns já estão jogando a toalha. Tem gente que apostou que (o País) ia dar certo, que o juro ia cair, mas já perdeu dinheiro duas ou três vezes, e o Brasil não interessa mais”, alertou o diretor de Pesquisa Macroeconômica para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, em recente entrevista ao Estadão/Broadcast.
Para o diretor da consultoria política Eurasia Group para as Américas, Christopher Garman, dificilmente o estrangeiro vai querer entrar com investimentos mais fortes no Brasil ao longo de 2025. Pesam, sobretudo, as incertezas sobre como os riscos domésticos podem se desenrolar adiante em um cenário de maior cautela externa com Trump de volta à Casa Branca, explica. Além disso, os juros nos EUA podem sofrer apenas um corte de 0,25 ponto porcentual neste ano, mostra monitoramento da plataforma CME Group, o que deve manter baixo o apetite estrangeiro por países emergentes.
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“O investidor estrangeiro ainda enxerga o Brasil de uma forma um pouco menos alarmista que o doméstico, mas essa distância se estreitou com a crise de confiança que o Brasil atravessou nos últimos meses. As preocupações são compartilhadas, e o gringo está com as barbas de molho”, avalia Garman, baseado em Washington, nos EUA.
O pacote de corte de gastos, que já foi desidratado no Congresso, era visto como uma das formas de atrair o apetite externo, seguido de uma potencial queda dos juros. Na prática, porém, as medidas saíram atrasadas, e a promessa de uma economia de R$ 70 bilhões foi vista como “tímida”, desencadeando uma reprecificação nas expectativas do mercado, que passaram a embutir chances de a Selic chegar a 15% neste ano, mostrou o relatório Focus desta semana.
Segundo a diretora de Mercados Emergentes e Renda Fixa na Ásia Pacífico da UBS Asset Management, Shamaila Khan, elevar os juros é um dos três caminhos para mudar o sentimento negativo dos investidores estrangeiros em relação ao País. “Historicamente, quando o fiscal foi impactado, a política monetária entrou em ação”, relembra ela.
Para além disso, Khan, que se diz uma “sobrevivente” ao cobrir mercados emergentes por mais de 26 anos, reforça a cobrança por mais contenção fiscal, além das medidas recém-anunciadas que geraram “sinais mistos” no investidor estrangeiro. “O fiscal no Brasil estava desapontando, mas as pessoas entendiam porque tinham as eleições (municipais). Agora, era a hora de se fazer as coisas certas”, diz ela.
Antes mesmo do pacote, bancos como o Morgan Stanley e o JPMorgan se anteciparam às medidas e rebaixaram o Brasil aos seus clientes em meio às preocupações com a situação fiscal. Na sequência, o suíço Julius Baer, mais um banco a deixar o País ao vender o seu negócio de gestão de fortunas ao BTG Pactual, também revisou a recomendação das ações do Brasil de “overweight”, ou seja, exposição acima da média, equivalente a compra, para neutra, mencionando uma “corrosão de credibilidade fiscal”.
Na semana passada, foi a vez do HSBC. O banco, que vendeu toda a sua operação de varejo no Brasil ao Bradesco, rebaixou a recomendação de ações brasileiras de neutra para “underweight”, equivalente a venda, disse que considera o Brasil uma “armadilha clássica de valor”.
O downgrade dos bancos estrangeiros acompanha o pior ano da Bolsa brasileira sob a ótica externa desde 2020. Em 2024, o fluxo de capital externo ficou negativo em mais de R$ 32 bilhões. E, para o HSBC, o mercado brasileiro dificilmente terá uma melhora na recomendação até que os juros passem a cair.
Para Garman, da Eurasia, o governo brasileiro deve sofrer pressão para fazer tanto dentro de casa, com a “crise de confiança” que o País enfrenta por conta do fiscal, quanto fora, com a volta de Trump, que promete medidas como aumento de tarifas e corte de impostos, cujos efeitos devem fortalecer mais o dólar e dificultar a vida das moedas emergentes, o que inclui o Brasil. Mas, ainda assim, qualquer resposta tende a ser “tímida” e “insuficiente” para apaziguar os temores com o fiscal. “A janela de fazer reformas mais difíceis foi no fim do ano passado”, conclui.
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