Brasília - Apesar de todos os desafios listados no relatório “Encontrando Caminhos, Financiando a Inovação: Enfrentando o Desafio da Transição Brasileira”, o Fórum Econômico Mundial acredita que as oportunidades do Brasil são bastante “únicas”, colocando o País como um grande candidato para ser “campeão” na agenda climática. Segundo Kai Keller, líder de engajamento empresarial, estratégia regional e parcerias do Fórum, uma das principais mensagens do relatório está nas entrelinhas: a oportunidade é “boa demais para ser desperdiçada”.
“Há um pouco de competição entre as economias sobre quem será a campeã na transição verde e sustentável e o relatório destaca a oportunidade que o Brasil tem”, frisa Kai Keller. “Apesar dos vários desafios, as oportunidades do Brasil são únicas e o País se adiantou de alguma forma comparado especialmente às economias emergentes.”
Leia mais sobre economia e mudanças climáticas
O relatório é resultado de um trabalho de nove meses conduzido pelo Fórum em parceria com a consultoria Oliver Wyman. Desde outubro, foram promovidos workshops com a presença de empresários, membros do governo e especialistas, além de entrevistas individuais, para tentar entender quais eram os principais desafios do Brasil para financiar a transição climática e cumprir os compromissos assumidos no Acordo de Paris. O País é considerado um caso representativo para avaliar a situação dos demais emergentes. Antes, o Fórum fez uma análise global, com foco maior em países desenvolvidos, e uma pesquisa sobre a China.
O “perfil único” do Brasil se deve à baixa contribuição de setores como de setores industriais, de geração de energia e de transporte nas emissões brasileiras, ao contrário do resto do mundo, devido, por exemplo, à matriz renovável de energia e o potencial na área de biocombustíveis. “Isso representa uma oportunidade de o Brasil se tornar um hub global de soluções verdes”, diz o estudo, citando como exemplos energia limpa e commodities de baixo carbono.
Mas o relatório pondera que o Brasil não pode se acomodar. A posição privilegiada hoje é fruto de políticas do passado e para se manter firme na disputa global pelo protagonismo da agenda ambiental é preciso investir mais. Até porque as outras economias estão correndo por fora e anunciando grandes investimentos, baseados em planos concretos para a transição climática.
Nos Estados Unidos, o governo prometeu investir US$ 387 bilhões dentro do Ato de Redução de Inflação (IRA) em iniciativas sustentáveis. Na União Europeia, os países decidiram destinar 37% dos recursos do programa criado para dar suporte ao bloco após a pandemia de covid-19 para financiar objetivos climáticos. Já o Chile está à frente do Brasil na apresentação de estratégias claras, como a relativa ao hidrogênio verde.
“Os EUA têm o IRA, a China também está colocando um monte de dinheiro na agenda de transição. É um desafio para o Brasil quanto de dinheiro ou qual é o montante de subsídios que o governo brasileiro vai conseguir mobilizar para dar suporte a essa agenda. Mas ainda tem o Plano de Transformação Ecológica para ser anunciado. Então saberemos mais sobre isso”, diz Guilherme Xavier, sócio da Olíver Wyman no Brasil.
Para o Brasil “não perder a oportunidade”, além da “narrativa comum”, da definição de metas para os setores e da atração de investimentos, o Brasil também precisa dar atenção às pequenas e médias empresas e à educação da população sobre o assunto, conclui a análise do Fórum e da Oliver Wyman.
Segundo Kai Keller, a importância das pequenas e médias empresas na cadeia de suprimentos foi uma das peculiaridades e surpresas encontradas na análise brasileira. Assim, para que as iniciativas de transição das grandes indústrias tenham sucesso, é fundamental “educar” os fornecedores e incluí-los nos planos de descarbonização. “Senão, seja qual for o compromisso assumido pelas grandes indústrias, não será atingido sem o alinhamento de toda a cadeia produtiva.”
O Fórum Econômico Mundial ainda ressalta a importância da educação sobre a transição verde em escolas e universidades para que toda a sociedade contribua para o andamento da iniciativa, especialmente considerando as diversas - e urgentes - demandas que a população de um país emergente e desigual. “Há uma necessidade de que todos do País estejam envolvidos e também é preciso melhorar a qualificação de profissionais que tenham habilidade para levar essa agenda adiante”, alerta Kai.
Janela de oportunidade
O Brasil está se preparando para sediar dois importantes eventos internacionais que devem ter a agenda climática como foco nos próximos dois anos: o G20, em 2024, e a COP 30, em Belém (PA), em 2025. Na opinião de Keller, se o País seguir as recomendações presentes no estudo do Fórum e de outras entidades, deve estar muito preparado para a “lupa” a que vai estar sujeito. “Eu acho que todos os ingredientes certos estão lá. As forças políticas, a indústria pronta para agir e engajada”, diz Keller, ressaltando o entusiasmo do setor privado com a agenda climática.
Xavier, da Oliver Wyman, lembra que o País também vai sediar o G20 no ano que vem, outra oportunidade de mostrar avanços na pauta climática. “Temos alguns anos de uma janela de oportunidade para apresentar as narrativas, mas, além disso, nós precisamos mostrar progresso. Na Amazônia, em 2025, temos que estar extremamente ‘na trilha’ da política anti-desmatamento que o Brasil retomou este ano, para mostrar que estamos no caminho dos nossos compromissos de descarbonização.”
Outro palco no ano que vem é Davos, evento anual do Fórum Econômico Mundial. “Estamos ansiosos para oferecer um palco para os líderes empresariais e do setor público poderem apresentar sua agenda e serem capazes de não só dar visibilidade ao que está sendo feito, mas também conseguir novas parcerias. Afinal, o capital de R$ 1 trilhão para financiar a transição precisa vir de algum lugar”, afirma Keller.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.