Crime e violência elevados afastam investidores e fazem Brasil deixar de crescer 0,6 ponto do PIB

Estudo do Fundo Monetário Internacional mostra que insegurança custa caro ao País e diminui a produtividade da economia

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Foto do author Luiz Guilherme  Gerbelli
Atualização:

Na semana passada, o Brasil se deparou com um exemplo clássico de como a violência afeta a economia. Na rua Santa Ifigênia, centro de comércio eletrônico na capital paulista, um empresário teve uma loja invadida. Vítima de um centro inseguro, calculou um prejuízo de R$ 300 mil e decidiu fechar seu estabelecimento.

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Nos últimos anos, o número de estabelecimentos comerciais na região despencou. Em 10 anos, a quantidade de empresas caiu de 15 mil para cerca de 2,5 mil, de acordo com o presidente da União Santa Ifigênia, Fabio Zorzo. O movimento, claro, também tem a ver com o fortalecimento do comércio eletrônico, mas passa pela insegurança enfrentada diariamente por empresários.

“A violência, óbvio, vem atrapalhando todo o movimento da região central. Estamos perdendo empregos e empresas”, afirma Zorzo.

De fato, a insegurança tem custado caro ao desenvolvimento brasileiro. O Produto Interno Bruto (PIB) do País poderia crescer 0,6 ponto porcentual a mais se o nível de criminalidade recuasse para o da média mundial, revela um estudo conduzido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

“Considerando as nossas estimativas iniciais, elas sugerem que reduzir completamente a lacuna nas taxas de criminalidade entre o Brasil e a média mundial aumentaria o crescimento do PIB real (brasileiro) em 0,6 ponto porcentual, pelo menos por algum tempo”, afirmam Rodrigo Valdés e Rafael Machado Parente, diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI e economista do Fundo, respectivamente.

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O cenário é bastante delicado para o Brasil, até mesmo quando comparado com os demais países da América Latina como um todo. Na região, a violência tem um impacto econômico um pouco menor, de 0,5 ponto porcentual. “O crime afeta diretamente a vida de milhões de pessoas, impondo grandes custos sociais”, apontam Valdés e Parente.

Nas últimas décadas, sobram exemplos de como a região sofre com a elevada criminalidade. A Colômbia foi um dos casos mais emblemáticos de enfrentamento da guerra ao narcotráfico e vê uma volta da violência. No Equador, houve uma onda da violência em janeiro, e o Brasil tem colhido números alarmantes de homicídios.

Em 2021, o Brasil registrou 45.562 homicídios, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), o que equivalia a uma taxa de 21,26 assassinatos por 100 mil habitantes. Na Colômbia, essa relação era de 25,67. Os números dos dois países são bem acima da média mundial, que é de 5,8 homicídios por 100 mil habitantes.

E como a violência afeta a economia?

São várias as formas pelas quais a violência afeta o desempenho da economia, com impactos diretos na produtividade. “E para um País crescer, ele precisa ter produtividade”, diz Daniel Cerqueira, membro do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

É possível pensar num impacto mais global. O Brasil e outros países da região, por exemplo, despejam recursos - nem sempre com qualidade - na área de segurança pública que poderiam ser aplicados de forma melhor ou destinados para outras áreas públicas, como saúde e educação, mas também em perdas para trabalhadores e companhias.

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“Nossas descobertas destacam que o crime prejudica a acumulação de capital, possivelmente afastando investidores que temem roubo e violência, e diminui a produtividade da economia, desviando recursos para investimentos menos produtivos, como aqueles que aumentam a segurança de propriedades privadas”, pontuam os pesquisadores do FMI.

Violência nos arredores da Rua Santa Ifigênia tem assustado comerciantes e clientes  Foto: Taba Benedicto/Estadão

Do lado dos trabalhadores, a violência e a sensação de insegurança acarretam numa perda de produtividade com anos de escolaridades que são perdidos, por exemplo, nos casos de homicídios.

“Os custos da violência no PIB se dá por vidas perdidas, afetando mais os jovens que ainda tem toda uma vida ativa. O homicídio traz esse custo direto”, afirma Marcelo Neri, diretor da FGV Social. “Há também um custo de hospitalização e de dias perdidos de trabalho.”

Para as empresas, pode representar um aumento de custo de produção - o seguro para fretes, por exemplo, costuma ser mais alto em lugares violentos - e há dificuldade em retenção de mão de obra. “As pessoas se mudam (de lugares violentos). A empresa tem dificuldade de atrair mão de obra”, afirma Cerqueira.

Em Medellín, na Colômbia, um estudo conduzido por Santiago Tobón, professor de economia da Universidad EAFIT, mostrou os vários impactos da violência na região por causa da atuação do crime organizado. Na sua pesquisa, observou como extorsões levam ao fechamento de negócios, preços de alimentos elevados por causa do controle de grupos criminosos e restrição de mobilidade.

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“Além disso, soma-se o abandono de muitas regiões da Colômbia devido à presença de grupos armados. Hoje, isso é especialmente grave no Pacífico e nas fronteiras com o Equador e a Venezuela, onde grupos armados impõem a ordem para controlar plantações de coca e explorações ilegais de ouro”, afirma Tobón.

É possível resolver?

A leitura dos analistas é que resolver a questão - ou ao menos mitigar o impacto da violência na economia - depende de ações bem planejadas e conduzir gastos inteligentes. O primeiro passo, dizem, é ter um bom diagnóstico.

“Muitas cidades medem apenas os homicídios e as denúncias formais de crimes, e outras formas de violência são deixadas de fora das políticas públicas”, diz Tobón.

Ele também pondera que é preciso reduzir o tamanho das organizações criminosas que atuam na América Latina e o interesse dos jovens por ingressar em grupos organizados.

“Deve-se fazer um esforço para identificar quem são esses jovens, qual é a causa de seu interesse no crime e orientá-los para um caminho de legalidade”, afirma Tobón.

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“Tudo isso requer coordenação, recursos e uma agenda de longo prazo que possa ser mantida consistentemente mesmo com as mudanças de governo”, acrescenta.

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