Celebrada pelo governo, a sucessão de recordes na balança comercial desvia as atenções da dificuldade do Brasil de diversificar o comércio exterior com o resto do mundo. Para chegar à marca histórica de US$ 339,7 bilhões exportados em 2023, o Brasil contou com a China e seu inesgotável apetite por commodities.
Após a interrupção de tendência nos dois anos anteriores, explicada pela rígida política de covid zero determinada por Pequim, a dependência da China nas exportações brasileiras voltou a subir em 2023. O país foi destino de 30,7% do total de produtos brasileiros embarcados. Dez anos atrás, a China já era com folga o maior mercado do Brasil no exterior, mas sua participação nas exportações totais não chegava a 20%.
A China é o primeiro país a comprar mais de US$ 100 bilhões do Brasil em um ano - mais precisamente, US$ 104,3 bilhões em 2023 -, US$ 14,9 bilhões a mais do que a já expressiva cifra, de quase US$ 90 bilhões, registrada em 2022.
Sem o impulso de seu maior parceiro, o Brasil teria resultados bem mais modestos na balança comercial, a começar pelo fato de que as exportações aos demais mercados caíram, na média, 3,8% no ano passado, incluindo aqui a queda de 1,5% das vendas aos Estados Unidos, segundo destino dos produtos embarcados no Brasil.
Para a China, as vendas subiram 16,6%, assegurando o recorde de quase US$ 340 bilhões exportados pelo Brasil em 2023, conforme os números da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Mais do que isso: sem o saldo positivo de US$ 51,1 bilhões nas trocas de produtos com os chineses, o Brasil teria apenas pouco mais da metade do superávit comercial, também recorde, de US$ 98,8 bilhões do ano passado.
Para especialistas em comércio exterior, mesmo com a tendência de desaceleração da economia chinesa, essa dependência comercial não é por enquanto motivo de preocupação. O Brasil, avaliam eles, deve continuar sendo um pilar na segurança alimentar da China, ao mesmo tempo em que a expansão da classe média chinesa abre oportunidades para enriquecer a pauta com seu maior parceiro comercial.
Na avaliação de Fabiana D’Atri, economista da Bradesco Asset, por trás desses números existe uma bem-sucedida estratégia do Brasil de expandir a produção de produtos cujas opções de fornecedores são restritas. Ela observa que no caso do minério de ferro, não há outros países que concorrem com a escala de Brasil e Austrália. Já na soja, o Brasil se beneficia da substituição do fornecimento dos Estados Unidos, com quem a China trava uma guerra comercial. “São mercados em que não há tantas alternativas”, comenta Fabiana.
Os prognósticos do mercado para este ano apontam para manutenção das exportações em nível próximo ao recorde de 2023, com projeções também otimistas - de crescimento das vendas internacionais - para os próximos três anos.
A posição do Brasil como um dos maiores produtores de alimentos do mundo casa com a prioridade da China de assegurar segurança alimentar com parceiros estratégicos, o que deve ajudar a manter as exportações em alta, a despeito da desaceleração da economia do gigante asiático.
Analista e sócio da Valor Investimentos, Davi Lelis, entende que a população chinesa continuará crescendo até 2030, adicionando um mercado de mais de 200 milhões de pessoas. “O mundo não vai conseguir alimentar essa nova população sem a produção do Brasil. É como se a gente tivesse de alimentar um outro Brasil nos próximos anos”, afirma Lelis.
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“A desaceleração econômica afeta, mas, como a população chinesa ainda vai crescer, isso beneficia o Brasil, que vai ser um dos fornecedores de insumos e de soja para garantir a segurança alimentar do país”, acrescenta Lelis. Embora riscos associados a guerras e adversidades climáticas com o El Niño não possam ser ignorados, especialistas consultados pelo Estadão/Broadcast apostam, em geral, na estabilidade de preços e volumes tanto no petróleo quanto na soja.
O maior risco, advertem os especialistas, está no impacto da crise do mercado imobiliário chinês no preço do minério de ferro. “A menor demanda da construção civil pode atingir o minério, mas não deve afetar no curto prazo a balança comercial como um todo. Mesmo quando a China teve desaceleração forte, não observamos impacto relevante no comércio”, acredita João Ferraz, economista da Coface.
A referência histórica mais próxima são os anos de 2020 e 2022, quando, apesar das menores taxas de crescimento em quase cinco décadas, a China aumentou em 7% e 1,7%, respectivamente, as importações de produtos brasileiros. “As exportações acompanham muito a urbanização da China, que seguirá acontecendo mesmo com a desaceleração econômica. Além disso, a inflação controlada abre espaço para a China aplicar estímulos monetários, junto com os fiscais”, acrescenta Ferraz.
Redução da dependência
Apesar de não verem riscos no curto prazo, no longo prazo essa dependência da China não é saudável para o Brasil, segundo especialistas. “No médio e longo prazo, é complicado depender tanto das exportações de commodities a um único país. Seria melhor exportar produtos de maior valor agregado”, comenta Ferraz.
Nas últimas duas décadas, o caminho trilhado pelo Brasil foi na direção contrária ao da diversificação e qualificação de sua pauta de exportações, tanto em produtos quanto em destinos. Enquanto a indústria extrativa e a agropecuária expandiram a produção para atender, sobretudo, a China, a indústria de transformação perdeu espaço para a concorrência da própria China em mercados vizinhos, assim como teve de enfrentar as sucessivas crises na Argentina, mercado importante para máquinas e bens de consumo, incluindo automóveis, produzidos no Brasil.
Como resultado, soja, minério de ferro e petróleo, os três produtos mais vendidos pelo Brasil ao exterior, já respondem juntos por 37,2% das exportações brasileiras - há 18 anos, esse porcentual não passava de 10%. Por outro lado, os produtos da indústria de transformação, uma gama vasta e diversificada que vai de alimentos a aeronaves, caíram para 52,2% no ano passado.
Na série estatística da Secex, iniciada em 1997, o último dado da parcela da indústria nas exportações brasileiras só não é pior do que o registrado em 2021 (51,3%), quando a produção foi afetada pela falta de componentes nas fábricas.
“Temos de torcer para a reforma tributária reduzir o mais rápido possível o custo Brasil e, assim, abrir a perspectiva de aumento nas exportações de produtos manufaturados”, afirma o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. Com a criação do IVA, o imposto sobre valor agregado, a reforma vai eliminar os resíduos tributários que minam a competitividade de produtos brasileiros no exterior.
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