Brasil fica no ‘segundo pelotão’ dos países beneficiados pelo ‘nearshoring’; entenda

País, no entanto, deve atrair multinacionais por ter matriz energética limpa e minerais para a produção de baterias elétricas no caso das montadoras

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Atualização:

O Brasil está longe de ser o principal beneficiado da guerra comercial entre Pequim e Washington ou da estratégia das empresas de descentralizar suas linhas de produção no mundo e aproximá-las do mercado consumidor, movimento conhecido como “nearshoring”. Por ora, México, Índia e Vietnã têm disputado essa posição. Ainda assim, o País é visto como um destino em potencial para novos investimentos de multinacionais.

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Segundo analistas, o Brasil deve fazer parte de um segundo pelotão de países favorecidos pelas mudanças na ordem econômica global esperadas para os próximos anos. Os mexicanos saem na frente por fazerem fronteira com os Estados Unidos, o maior mercado consumidor do mundo.

Os asiáticos, como Vietnã e Indonésia, têm vantagem pela proximidade com os chineses e são beneficiados pelo “China plus one” (China mais um, em português), movimento de evitar investir apenas no gigante asiático e diversificar os negócios entre outros destinos da região. A Índia se beneficia pela guerra comercial e pelo tamanho de sua população.

Nesse novo contexto mundial, o Brasil tem como ponto forte o importante mercado consumidor, a já instalada capacidade da indústria, a possibilidade de exportar para outros países e, principalmente, a produção de energia limpa e barata. Do lado negativo, o País é conhecido pelo seu tradicional ambiente de negócios complexo, embora a reforma tributária possa trazer algum alento se for aprovada e implementada nos próximos anos.

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“O Brasil deve ter algum impacto, mas numa escala menor. O ambiente de negócios tanto dos países asiáticos como do México é melhor do que o brasileiro”, afirma Fernando Gonçalves, superintendente de pesquisa econômica do Itaú.

Fábrica da GWM em Iracemápolis (SP) iniciará produção em maio de 2024 Foto: Carla Carniel/Reuters

O “nearshoring” foi incorporado na estratégia das empresas com a disputa geopolítica entre Estados Unidos e China e foi reforçado pelas interrupções nas cadeias de produção por causa da pandemia de covid e pela guerra entre Rússia e Ucrânia. Com o risco crescente, as companhias passaram a diversificar suas linhas de produção e a se aproximar de mercados consumidores.

Qual será o impacto no Brasil?

Estudo da consultoria Roland Berger - com base em números do Banco Interamericano de Desenvolvimento - estima que a atração de empresas para o Brasil por meio do nearshoring pode adicionar US$ 8 bilhões ao ano em exportação. É um número importante, mas bem menor do que os recursos esperados para o México (US$ 35,2 bilhões anuais).

“O Brasil tem um posicionamento geográfico estratégico. Pode atender o resto da América Latina, o sul da África e o norte da Europa”, afirma Cristiano Doria, sócio diretor de indústria da Roland Berger. “O México não tem uma matriz energética tão limpa quanto a brasileira, mas tem uma vantagem inegável de proximidade com os EUA.”

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De acordo com a pesquisa, o Brasil tem um potencial maior no setor automotivo. Se o País conseguir substituir 30% do que compra da China em autopeças, por exemplo, seria possível agregar US$ 1 bilhão à cadeia do setor. “Num primeiro momento, as empresas (que vêm para o País) importam, mas, depois, começam a localizar a produção”, afirma Doria.

Com projetos já definidos de produção local de veículos híbridos e elétricos, já se instalaram no País nos últimos dois anos quatro montadoras da China. Investimentos já confirmados somam mais de R$ 13 bilhões, mas podem passar de R$ 20 bilhões no médio prazo. Fornecedores de componentes também podem chegar ao País nos próximos anos.

A visão do governo chinês é de que companhias locais devem expandir seus negócios para gerar riquezas em outras partes do mundo, “do contrário não vai ter quem compre seus produtos”, diz Ricardo Bastos, diretor de Relações Institucionais da GWM.

O grupo comprou a fábrica da Mercedes-Benz em Iracemápolis (SP) e deve iniciar produção dos seus modelos em maio do próximo ano. O aporte total será de R$ 10 bilhões até 2026 para fazer veículos híbridos, híbridos plug-in e futuramente elétricos.

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Segundo Bastos, a expansão dos negócios chineses deve ocorrer em países considerados estratégicos para a China, como a África do Sul e o Brasil - que é base exportadora para os demais países da região, inclusive o México, com quais tem acordos comerciais. O Brics, grupo que hoje reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, já um elo que fortalece essa estratégia.

Além disso, afirma Bastos, os chineses têm interesse nos minerais usados na produção de baterias e o Brasil é grande produtos de alguns deles, como o lítio. Outra vantagem é a possibilidade de exportar para os EUA, já que a guerra comercial entre os dois países não permite essa relação, e para a Europa, onde o produto chinês tem pouca entrada. “Vão vir muito mais empresas para o Brasil, não só montadoras”, prevê Bastos

A BYD, maior fabricante de carros elétricos do mundo, anunciou aportes de R$ 3 bilhões para produzir carros, caminhões e chassis de ônibus elétricos, além de uma unidade para processamento de lítio. O grupo deve ficar com a fábrica da Ford, em Camaçari (BA).

Os aportes podem ser ampliados dependendo da prorrogação ou não do programa automotivo de incentivo a empresas no Nordeste, que será votado pelo Senado dentro do projeto de reforma tributária. Outra chinesa que iniciará a montagem de ônibus no País em 2024, em Fortaleza (CE), é a Higer Bus. Já o grupo XCMG pretende produzir caminhões elétricos rodoviários em Pouso Alegre (MG) a partir de 2025. O investimento ainda não foi divulgado.

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‘Greenshoring’

Para o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, o Brasil tem uma posição competitiva relativamente boa para atrair investimentos devido à ausência de conflitos militares, a um ambiente de negócios conhecido para países ocidentais (ainda que complexo) e, sobretudo, à matriz energética limpa. Em um mundo em que todos estão procurando se descarbonizar em um prazo de tempo apertado, o Brasil se destaca por oferecer ferramentas que podem ajudar outros países a reduzirem suas emissões.

A necessidade de indústrias desenvolverem cadeias de abastecimento mais sustentáveis e se instalarem em localidades propícias para isso já foi batizada de “greenshoring”. Se esse movimento ganhar força, o Brasil se beneficiaria em grande parte por ter oferta de energia solar, eólica e hídrica que poderia ser usada na fabricação de hidrogênio verde.

“Se a reforma tributária passar no Senado e o País melhorar a infraestrutura, o Brasil pode ser notado como um hub de produção de bens sustentáveis”, diz Honorato.

O País tem enormes chances de ampliar a produção de energia limpa e pode atrair processos industriais intensivos no uso de energia”

Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial

Ex-vice-presidente do Banco Mundial e membro sênior do think tank Policy Center for the New South, Otaviano Canuto também destaca o potencial de o Brasil atrair empresas por causa de sua matriz energética limpa e dos recursos naturais que possui que podem ser usados na descarbonização do mundo. “O País tem enormes chances de ampliar a produção de energia limpa e pode atrair processos industriais intensivos no uso de energia.”

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Canuto, no entanto, não vê oportunidades decorrentes do “nearshoring” para o Brasil. Segundo ele, a estrutura brasileira fechada de comércio não permite que o País se integre à cadeia global de valor. Mercados como o vietnamita, em que produtos entram e saem sem serem muito taxados, são os que se destacarão nessa ordem global, acrescenta.

“O Brasil ficou fechado, com barreiras comerciais mais altas que outros emergentes e com custos mais elevados. Não tem capacidade para competir. O País só se beneficiará do ‘nearshoring’ se mudar seu modus operandi”, afirma Canuto.

Honorato acrescenta que pesa contra o País a baixa produtividade. “O Brasil acabou ficando caro quando se compara com outros. É mais barato, por exemplo, produzir no Vietnã.”

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