Brasil e UE travam disputa por modelo de redução de emissões de gases poluentes de navios

Transporte marítimo é responsável por 3% das emissões globais totais; Brasil teme que imposto sobre emissões tenha impacto negativo nas exportações

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Foto do author Luciana Dyniewicz
Atualização:

A necessidade de redução das emissões de gases poluentes no transporte marítimo colocou Brasil e União Europeia em lados opostos na disputa por qual modelo será adotado para as metas serem atingidas. A UE defende um imposto sobre as emissões de gás carbônico. Já o Brasil prefere que o setor estabeleça um sistema com cotas de emissões, no qual quem emite toneladas de CO₂ abaixo da cota pode vender a diferença para quem ultrapassou o limite. O modelo é semelhante ao do mercado regulado de crédito de carbono. O transporte marítimo é responsável por 3% das emissões globais totais.

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A disputa está na Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês), braço da ONU que organiza o transporte marítimo global, e o lobby brasileiro tem crescido à medida que se aproxima o prazo para se definir qual estratégia será adotada. Com atraso quando comparada à entidade internacional do setor aéreo (a ICAO), a IMO determinou, no ano passado, que, para o setor conseguir zerar suas emissões líquidas até 2050, é preciso diminuí-las até 2030 em pelo menos 20%, em comparação com 2008. Até 2040, esse número é de 70%.

Também no ano passado, a IMO definiu que o setor terá de “pagar”, a partir de 2027, para emitir gases de efeito estufa e que a cobrança começará em 2027. O modelo como isso será feito deve ser definido no primeiro semestre do próximo ano, e é ele o motivo de divergência entre Brasil e UE.

Segundo brasileiros envolvidos na discussão, a proposta da UE prejudicaria países que estão longes de seus mercados (dado que o volume de emissões é maior no transporte devido à maior distância) e que exportam sobretudo commodities. Isso porque, como esses produtos são de baixo valor agregado e de grande volume, o frete em relação ao preço da mercadoria ficaria relativamente mais caro.

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Navio no canal entre Santos e Guarujá, em São Paulo; transporte marítimo é responsável por 3% das emissões globais Foto: Felipe Rau/Estadão

Um estudo da professora de economia da USP Paula Pereda aponta que, se o imposto for fixado em US$ 50 por tonelada de CO₂, a medida poderia ter um efeito negativo para a economia brasileira de US$ 200 milhões por ano. Pereda explica que, quando o custo do transporte aumenta, um mercado pode substituir seu parceiro comercial por outro mais próximo. “Tem efeitos também como países começando a produzir certos produtos porque passa a ser mais barato do que importar”, diz.

O estudo também indica que um imposto de US$ 50 conseguiria reduzir as emissões do setor em apenas 7%, enquanto o PIB real global recuaria em 0,04%. Os preços de importação de alimentos, por outro lado, aumentariam em 0,22 ponto porcentual, e as exportações totais cairiam em 0,22%.

Certos países, no entanto, poderiam se beneficiar com o imposto. Entre eles estão os europeus Espanha, Alemanha, Itália e Inglaterra, segundo o estudo.

“A descarbonização tem de acontecer. Mas tem de ser da forma menos custosa possível. O fato de países pobres serem mais distantes de seus mercados indica que a taxação do combustível vai amplificar desigualdades que existem hoje”, acrescenta Pereda.

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O diretor executivo da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac), Luís Fernando Resano, destaca que, no transporte doméstico, a cabotagem terá de cumprir as regras estabelecidas pela IMO, enquanto seu principal concorrente — o transporte rodoviário — não precisará arcar com um custo semelhante.

“O transporte marítimo e o aéreo obedecem às regras internacionais da IMO e da ICAO. No rodoviário, isso não existe. Isso gera concorrência desigual entre marítimo e rodoviário.”

Resano questiona ainda a possibilidade, debatida na IMO, de que os recursos arrecadados com o imposto sejam destinados ao financiamento do desenvolvimento de novas tecnologias que ajudem a reduzir as emissões. “Infelizmente, o Brasil, comparado a países como os EUA, não é desenvolvedor de tecnologias. Vamos pagar para ter um fundo que será usado para outros países criarem tecnologias e depois vamos ter que comprar essa tecnologia.”

Coordenador dos temas ambientais da comissão brasileira para os assuntos da IMO (CCA-IMO), Flavio Mathuiy diz que a União Europeia tem dominado as grandes discussões na entidade por ser um bloco organizado, debater os temas no parlamento europeu com antecedência e atrair para seu lado países próximos que não fazem parte do bloco.

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“O Brasil tem tido liderança para trazer para seu lado outros emergentes que também podem ser prejudicados. Hoje temos dois grupos se contrapondo. Por isso, a polarização.” Se alinharam ao Brasil países como Argentina, Chile, Peru, África do Sul, Angola e Índia, entre outros.

Brasil quer que setor use etanol e biodiesel

Além de fazer lobby contra a proposta da União Europeia pela cobrança do imposto, o Brasil tem trabalhado para que combustíveis como o etanol sejam usados em misturas com o bunker (o tradicional combustível de embarcações) como um modo de o setor reduzir suas emissões. Há a preocupação, no entanto, de que a União Europeia atue contra o produto brasileiro dada sua postura histórica de se opor a combustíveis cuja matéria-prima possa competir com alimentos.

O bloco tem pressionado ainda para que a amônia seja a solução para descarbonizar o setor. Os navios, no entanto, teriam de ser modificados para usarem a amônia como fonte de energia.

“A União Europeia tenta induzir o mercado a desenvolver a amônia. A pauta brasileira é ter um plano nacional para potencializar fatores em que somos mais fortes. Temos condições de fornecer biocombustível para o mundo”, diz o almirante Ilques Barbosa, coordenador de relações institucionais do Cluster Tecnológico Naval-RJ (associação que reúne empresas do setor).

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A senadora Kátia Abreu (PP-TO) é uma das envolvidas na campanha para adoção, no transporte marítimo, de combustíveis que o Brasil pode produzir. “O Brasil tem alternativas importantes para o setor. Não só uma. Temos o etanol de milho, de cana e o biodiesel. Temos que participar da discussão porque é uma grande oportunidade para o Brasil. Temos que colocar para o mundo o quanto podemos colaborar”, diz.

Com possibilidade de ser produzido a partir de soja e dendê, entre outras matérias-primas, o biodiesel é o combustível com maior probabilidade de ser usado no transporte marítimo. Isso porque os navios não precisariam de modificações substanciais para adotá-los.

No exterior, já há ampla autorização no mercado para utilização do B7 (diesel com 7% de biodiesel em sua composição) em embarcações menores. Alguns fabricantes de barcos já deram aval também para o B30 (com 30% de biodiesel) e até para o B100. No Brasil, a Petrobras tem licença da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para comercializar o bunker (usado por grandes navios) com 24% de biodiesel.

“Há ainda a dificuldade de saber como o biodiesel se comporta em um meio tão úmido, mas embarcações grandes têm centrífuga e podem retirar a água do combustível antes de ele ir para o motor. Para uma maior adoção dele no setor, só é preciso uma política que o impulsione”, diz Amanda Gondim, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte com doutorado em Química, Petróleo e Energias Renováveis.

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Diretora executiva da Marsalgado Brasil (empresa que trabalha na atração de investimentos para a transição energética do transporte marítimo), Cristiane de Marsillac lembra que, independentemente da disputa com a União Europeia, o setor terá de reduzir suas emissões globalmente e que alguns países já estão se preparando para essa transição. Reino Unido, Japão, Noruega, Finlândia e Coreia do Sul, por exemplo, já publicaram seus planos de ação. “A preparação envolve combustível, motores, logística, portos, comércio exterior. Poderá haver navios que não sejam compatíveis com a estrutura dos portos do Brasil. Precisamos trabalhar de forma cooperada para ter um plano para enfrentar o cenário.”

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