BRASÍLIA E SÃO PAULO - O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse ontem que uma mudança da meta de inflação teria como “efeito prático a perda de flexibilidade”, em resposta às críticas que tem recebido do governo Lula pelo alto patamar dos juros na economia. Em entrevista ao programa Roda Viva, a primeira desde que está sob fogo cruzado do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de ministros e do PT, Campos Neto defendeu “aperfeiçoamento” no sistema de metas, mas disse que em nenhum momento isso significa revisar o patamar deste e do próximo ano para o controle da inflação.
“Em nenhum momento a gente defende simplesmente aumentar a meta, no sentido de ganhar flexibilidade, mesmo porque não é nossa crença. A gente acredita que, se faz uma mudança de meta no sentido de ganhar mais flexibilidade, o efeito prático vai ser perder flexibilidade”, afirmou.
Neste ano, a meta é de 3,25%, enquanto que em 2024 é de 3%. O patamar é definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que, além de Campos Neto, é formado pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento). A mudança nas metas permitiria uma inflação maior e abriria, em tese, caminho para uma queda mais rápida dos juros.
O presidente do BC disse discordar do grupo de economistas que afirma acreditar que a meta atual é muito difícil de ser atingida porque foi fixada num momento de inflação mundial baixa por causa dos efeitos da economia. Ele disse ainda fazer parte de outra corrente que entende que uma mudança neste momento, “sem ter um ambiente de tranquilidade, vai gerar um efeito contrário ao desejado”.
Harmonia
Chamado por Lula de “esse cidadão” e sob suspeita de que age para desestabilizar o governo petista, Campos Neto disse no Roda Viva que só esteve com Lula uma vez, no dia 30 de dezembro – portanto, antes da posse – e que está disposto a conversar com o petista. Disse ainda que o resultado das eleições foi legítimo e que nunca fez campanha, mas desenvolveu “proximidade” com integrantes do governo de Jair Bolsonaro.
“Eu tive uma reunião com ele (Lula) no dia 30, e gostaria de ter outras reuniões para explicar o que a gente está fazendo, qual é a razão pela qual nós temos juros altos, a parte social, tem muita coisa que a gente ainda pode desenvolver... Eu acho importante que a gente possa trabalhar juntos. O Banco Central precisa trabalhar com o governo. O ambiente colaborativo é o melhor para a sociedade e para o Brasil”, afirmou no programa, conduzido pela jornalista Vera Magalhães. Ele também afirmou que procurou ministros para conversar e disse que está disposto a ir ao Congresso para explicar as decisões do banco.
O presidente do BC defendeu a autonomia da instituição como “instrumento de governança” e afirmou que, apesar dos ataques pessoais, não renunciará ao seu mandato, que vai até dezembro de 2024. Campos Neto justificou que a política monetária é uma decisão colegiada e que, se ele cair, nada irá mudar no trajetória dos juros.
Plano Haddad
Campos Neto reconheceu que a aprovação das medidas do chamado Plano Haddad encurtaria o período de juros no atual patamar, de 13,75% ao ano, considerados ontem por Haddad como “fora de propósito”, mas que cabe ao Congresso analisar o pacote. Entre as medidas, está a mudança no voto de Minerva do Carf, que permite ao governo reforçar a arrecadação, já que o desempate passa a ser da Fazenda.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.