BRASÍLIA - Na reta final das negociações para a reforma tributária, prefeitos das maiores cidades do País, como São Paulo e Rio de Janeiro, se posicionaram contra a extinção do ISS (Imposto sobre Serviços), que é de atribuição dos municípios, e querem que o governo federal, antes, unifique os tributos que são de responsabilidade da União e dos Estados.
Nesta terça-feira, 6, o grupo de trabalho de deputados que analisam a reforma na Câmara vai apresentar as diretrizes que servirão de base para a elaboração da proposta pelo relator, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Para compensar as capitais, o grupo de trabalho decidiu incluir cláusulas que agradam as prefeituras, mas firmaram posição de que não é possível blindar o ISS da reforma.
O relatório vai propor a criação de um regime dual, com um Imposto sobre Valor Agregado unificando os tributos municipal e estadual (ISS e ICMS) e outro unificando os tributos federais (IPI, PIS e Cofins).
O clima entre prefeitos já era adverso e ficou mais azedo desde a aprovação do piso da enfermagem, no qual os mandatários falam em perdas de até R$ 22 bilhões por ano com a legislação federal. Eles alegam que não receberam repasses suficientes da União e temem os efeitos nos regimes de aposentadoria locais.
Para evitar que as insatisfações, somadas, paralisem a reforma, a Secretaria de Relações Institucionais do Palácio do Planalto entrou em campo prometendo mediação no tema da enfermagem, enquanto a Câmara conduz, com o Ministério da Fazenda, o debate federativo sobre a tributação de bens e serviços.
“O ambiente está favorável para uma reforma tributária, mas precisamos sentar e conversar, porque a implementação dela virá por meio de legislação complementar a ser aprovada nas assembleias e câmaras locais”, disse André Ceciliano, secretário especial de Assuntos Federativos da Presidência da República . “Vamos ver se, conversando, amenizamos as críticas em relação ao piso. Se não tivermos atenção, isso pode contaminar a discussão da reforma tributária.”
As prefeituras das capitais afirmam que terão perdas com a extinção do ISS. A cidade de São Paulo, governada por Ricardo Nunes (MDB), calculou que pode perder R$ 15 bilhões por ano -- a cidade responde por um quarto da arrecadação total do imposto. Os dados são questionados pelo grupo de trabalho da reforma, que fala em perdas em grandes cidades, e em proporção inferior ao projetado pelos prefeitos.
Gestão compartilhada
A queixa principal, no entanto, recai sobre a administração compartilhada da arrecadação do IVA. Pela proposta que deve vigorar na proposta de reforma tributária, um conselho formado de forma paritária por membros de Estados e de municípios fará a gestão dos recursos recolhidos de ICMS e ISS. A União ficará de fora deste comitê.
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Nunes é contra a medida, pois diz acreditar que isso criará uma dependência dos municípios em relação às decisões estaduais e federal. “Os municípios estão trabalhando para ter a sua arrecadação e poder fazer frente às suas necessidades. Quando você tira isso, é muito ruim”, afirmou ao Estadão. “A partir do momento que você vai ter uma arrecadação totalmente centralizada, você desestrutura isso.”
Um encontro de Aguinaldo Ribeiro com representantes das capitais, na última sexta-feira, 2, em João Pessoa (PB) não funcionou para dirimir as diferenças, que são alvo de discussão no grupo de trabalho da reforma.
Nunes, assim como prefeitos de capitais e grandes cidades, querem que a reforma deixe de fora o ISS e se concentre no ICMS e nos tributos federais.
“Fazer a simplificação tributária é fundamental para dar uma maior segurança para o empreendedor”, disse o prefeito de São Paulo. “O ISS não é um imposto que gera problemas de ponto de vista de discussões judiciais.”
Para o relator e para a equipe econômica, porém, a entrada do ISS na reforma garante que bens e serviços sejam tributados de maneira semelhante, o que está em linha com a forma como se recolhe impostos em outros países. Eles reforçam que não há possibilidade técnica de implementar o IVA sem o unificar o ISS com o imposto estadual.
IPTU
O deputado Aguinaldo Ribeiro, acenou que o relatório do grupo de trabalho já trará acenos às capitais. “Tem coisas estarão atendendo capitais também”, disse ele, após reunião na noite esta terça-feira, 5 na residência do coordenador do grupo, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), que terminou um pouco depois da meia-noite.
O grupo decidiu sugerir ao relator que incluísse uma cláusula permitindo que prefeitos possam atualizar os valores do IPTU por decreto, ou seja, sem a necessidade de aprovação da câmara municipal. Isso atende a mandatários que tentam ampliar suas receitas, mas são barrados no legislativo local.
Os deputados também se comprometeram em pressionar a União a ampliar a ajuda no caso do piso da enfermagem e nos repasses para bancar o subsídio no transporte público. Um projeto de lei estipulando suporte para o transporte em 2024, 2025 e 2026 já tramita na Câmara e a ideia é tornar a transferência obrigatória.
“Vai dar para a gente melhorar a vida dos prefeitos, mas não mudar o espírito da reforma, que é da simplificação e unificação de tributos”, afirma o deputado Jonas Donizette (PSB-SP), que foi prefeito de Campinas. “Nenhuma economia moderna taxa de forma diferenciada serviços e bens, e isso já está provocando judicializações.”
Donizette afirma ainda que o sistema de repartição de recursos desenvolvido em conjunto com o Banco Central permitirá que a verba da arrecadação caia na conta das prefeituras e Estados no mesmo dia da tributação, sem a necessidade de cessão pela União. “Hoje, os municípios recebem três a quatro cotas mensais do ICMS. Vai ser mais rápido”, diz ele.
O deputado Mauro Benevides (PDT-CE), que também integra o grupo de trabalho, diz que o relatório vai mostrar para os prefeitos o ganho que eles terão com a aprovação da reforma.
“Eles acham que os 2% (parcela dos municípios na alíquota do IVA) são insuficientes para manter a estrutura de receitas deles. Mas eles vão ficar surpresos com o ganho de receita”, justificou o deputado. Pela proposta, dos 25% da alíquota total do IVA, 9% ficariam para a União, 14% para os Estados e 2% para os municípios.
Donizette afirma ainda que, embora passem a dividir o ISS, os municípios terão acesso a nacos maiores do ICMS, que tributa energia, comunicações e combustíveis.
Governadores
No front dos Estados, já não há também a convergência dos governadores que havia na Legislatura passada, quando a reforma tributária emperrou por falta de apoio do governo Bolsonaro e articulação dos setores contrários às mudanças.
Há arestas a serem aparadas nas negociações. A principal delas é o tamanho do aporte do governo federal para o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) para compensar os Estados pelo fim dos benefícios fiscais concedidos por meio do ICMS para atrair empresas.
Na semana que vem, governadores do Centro-Oeste e do Norte se reúnem em Brasília, entre eles, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que tem se posicionado publicamente crítico à proposta.
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Os governadores só aceitam retirar o incentivo fiscal se ficar claro o montante dos recursos e a sua distribuição entre os Estados. Outros dois pontos ainda estão em aberto: a convalidação (manutenção) dos benefícios fiscais até 2032 e o modelo de cobrança centralizada do IVA dos Estados e municípios. Alguns Estados temem perder autonomia com essa centralização.
Benevides disse que haverá uma cláusula no texto da reforma de que os benefícios já concedidos serão preservados. Ele ressaltou que o IVA dual será feito justamente para afastar a resistências com o temor de perda de autonomia sobre as receitas.
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