Brasília - Com a redução do desmatamento na Amazônia, o Brasil, sobretudo o agronegócio brasileiro, enfrenta a pressão de pares internacionais para combater também o desmatamento legal, aquele autorizado pelo Código Florestal Brasileiro em determinados porcentuais sobre cada bioma. Essa supressão vegetal, permitida pela legislação nacional, é contestada pela União Europeia, segundo maior destino das exportações da agropecuária brasileira, que quer proibir a importação de commodities ligadas ao desmatamento, seja legal ou ilegal.
Mas, segundo o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, o Brasil não aceitará imposições. “Não precisamos que o mundo venha apontar o dedo para as nossas atitudes. Não aceitaremos que o Parlamento Europeu vote regras para impor ao Brasil. Isso fere a nossa soberania”, disse Fávaro em entrevista ao Estadão/Broadcast antes de embarcar para o Oriente Médio, onde participa da 28ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP 28. “Temos um Código Florestal moderno, eficiente e comprometido com o meio ambiente”, acrescentou, ressaltando que 98% dos produtores rurais brasileiros são comprometidos com a legislação ambiental. Para ele, o programa de recuperação de pastagens degradadas prova que é possível o Brasil intensificar a produção de alimentos respeitando o meio ambiente.
As restrições aprovadas no Parlamento Europeu (mas que ainda precisam ser referendadas pelo parlamento de cada um dos países membros da UE) se inserem nas negociações do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. A pressão dos agricultores europeus, que tentam garantir uma proteção contra os produtos vindos do Mercosul, estão entre os principais entraves à assinatura final do acordo.
Por isso mesmo, a tese de Fávaro se estende aos países Mercosul, que, segundo ele, devem ter soberania quanto a políticas ambientais. Ele acredita, contudo, que a lei anti-desmatamento da União Europeia tende a não travar a ratificação do acordo, uma das prioridades da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para este ano. “O presidente Lula já falou aos líderes europeus que não aceitaremos imposições legislativas de outros países sobre a legislação brasileira. Pelas tratativas, acho que isso foi compreendido pela União Europeia e essas exigências deixarão de fazer parte dessa ratificação para que possamos formalizar o acordo”, observou o ministro. Para Fávaro, o agronegócio brasileiro ganha muitas oportunidades de ampliar os embarques à comunidade europeia com a conclusão do acordo comercial.
Em um balanço de seu primeiro ano de gestão à frente da pasta, Fávaro comemora o recorde de abertura de 71 novos mercados para produtos agropecuários no acumulado do ano, o que, na sua avaliação, é fruto da retomada da “boa diplomacia” do governo brasileiro e do “comprometimento com as boas práticas ambientais”. Dentre elas, o ministro destaca aberturas simbólicas, como a autorização para exportar carne bovina para o México após 20 anos de negociações. “A nossa grande vocação está voltada às potencialidades do Sul Global, o que engloba todos os países da África, a Índia, o Oriente Médio e a Ásia como um todo. Focaremos, cada vez mais, para ganhar espaço na relação comercial com estes países”, antecipou Fávaro. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Encerramos o ano com a COP-28 e o Brasil, um dos grandes protagonistas, como provedor de soluções climáticas e o agro levando o programa de recuperação de pastagens degradas. Quais são suas expectativas?
Primeiro, mostrar que se consolida aquilo que sempre dissemos que o Brasil pode e deve exercer: a sua grande vocação de produzir alimentos, de intensificar a produção de alimentos, mas com a responsabilidade social e ambiental. Não precisamos que o mundo venha apontar o dedo para as nossas atitudes. Não aceitaremos que o Parlamento Europeu vote regras para impor ao Brasil. Isso fere a nossa soberania. Temos um Código Florestal moderno, eficiente e comprometido com o meio ambiente. A imensa maioria dos nossos produtores, mais de 98% cumprem as regras, dados da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Menos de 2% transgridem essas regras. Essa é a nossa vocação. Então, é se mostrar e fazer entender que o Brasil tem compromisso com a produção sustentável e que podemos incrementar mais 40 milhões de hectares sem avançar sobre a floresta.
Antes da COP, o sr. acompanhou o presidente Lula em agendas na Arábia Saudita e no Catar. O sr. já visitou esses países e eles já mostraram interesse em investir para ampliar a produção de baixo carbono no Brasil e em agricultura com segurança climática. A visita do presidente tende a acelerar esse processo?
Sim. O presidente participa de duas fases nesse processo. Primeiro, é a sua atuação desde o começo do ano trabalhando intensamente pra restabelecer a boa diplomacia brasileira, para o Brasil voltar a ser reconhecido como um País que não tem contencioso com ninguém, como um País que preza pela boa parceria com os países amigos. Após isso, entramos fazendo o trabalho de abertura de mercados, de oportunidades para os investimentos aqui no Brasil. Esse projeto foi levado por mim e para outros ministros mundo afora, mas chega o momento da consolidação, do aperto de mão e das formalizações. Algumas estão prontas, outras já ocorreram e uma parcela ainda vai acontecer. Mas é fundamental o presidente voltar a fazer essas rodadas junto com os ministros que prospectaram negócios e oportunidades para o Brasil para que isso se consolide de fato em programas de governo, em oportunidades de geração de emprego e de crescimento econômico.
O sr. comentou sobre aberturas de mercado. Neste ano, até o momento foram 71 aberturas de mercado. Na sua avaliação, o que induziu esse processo?
O que induziu o processo foi essa dedicação do presidente Lula em ter a boa diplomacia de volta. O Brasil que, por quatro anos esqueceu essa boa diplomacia, que virou as costas para principais parceiros comerciais, que ficava com picuinha na relação diplomática, voltou aos seus compromissos históricos de boa diplomacia, voltou à pauta internacional com compromisso ambiental. É um governo que não foge da sua responsabilidade e que não precisa ser pautado pelos outros. Temos soberania. Uma prova disso veio na audiência que tivemos em novembro com CEOs e presidentes das companhias brasileiras de originação, junto com a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), que falaram que há dez meses não precisam mais ficar justificando aos seus compradores o desmatamento da Amazônia no Brasil. O desmatamento ainda está alto, mas a tendência já virou, porque o governo tomou as rédeas para isso, com uma redução de quase 50% em dez meses. A busca da boa diplomacia e mostrar que temos os compromissos ambientais abriram a porta para as oportunidades com 71 novos mercados e alguns muito emblemáticos, como a abertura da importação de e carne bovina e suína para o México, que se buscava há 20 anos. É um mercado que remunera muito bem e que tem potencial para consumir 300 mil toneladas de carnes por ano. Outro exemplo é a abertura do mercado do Egito para o algodão brasileiro, o que significa que temos a equivalência do símbolo do melhor algodão do mundo. A abertura do mercado de frango para Israel também é outro avanço, já que em nenhum outro país do mundo hoje vende frango kosher para Israel. É a prova da eficiência, dos compromissos com sustentabilidade, mas sempre com garantia de preço.
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Quais são os próximos objetivos nesta frente de abertura de novos mercados? Quais mercados o senhor vislumbra?
Todos os mercados são importantes. Abrimos, por exemplo, o mercado de bovino, suínos e aves para o Caribe, para a República Dominicana. É um mercado que tem muito turista e que passa a ter grandes oportunidades de desenvolvimento. O fortalecimento e a busca ainda do acordo entre o Mercosul e a União Europeia é fundamental. Sem sombra de dúvidas, a nossa grande vocação está voltada às potencialidades do Sul Global, o que engloba todos os países da África, a Índia, o Oriente Médio e a Ásia como um todo. São as grandes oportunidades e focaremos, cada vez mais, para ganhar espaço na relação comercial.
Do lado dos desafios, há a lei antidesmatamento da União Europeia, que o senhor citou antes. O agro tentou negociar, mas a lei está sendo regulamentada. O que ainda pode ser feito nessa articulação? O sr. acredita na ratificação do acordo entre Mercosul e União Europeia ainda neste ano?
Uma coisa está ligada à outra. O presidente Lula vem se dedicando muito a isso. Ele falou que tem total interesse em concluir o acordo ainda enquanto preside o Mercosul. O mandato dele termina em dezembro e quer firmar ainda neste período. Depois, teremos mais dificuldades em ratificar esse acordo. Isso caminha a passos largos. Uma questão fundamental é a soberania que os países do Mercosul têm de ter sobre as suas políticas ambientais. O presidente Lula já deixou isso muito claro. Ele já falou aos líderes europeus que não aceitaremos imposições legislativas de outros países sobre a legislação brasileira. Temos um Código Florestal muito eficiente e muito moderno. Pelas tratativas, acho que isso foi compreendido pela União Europeia e essas exigências deixarão de fazer parte dessa ratificação para que possamos formalizar o acordo. Acredito que isso ainda é possível.
Se o acordo não sair ainda durante a presidência do Brasil no bloco e se o novo governo argentino rejeitar dar prosseguimento, qual a perda para o agronegócio brasileiro?
Nós temos grandes oportunidades. Aqui no Brasil, por exemplo, recebemos agora uma missão da comunidade europeia auditando as plantas frigoríficas brasileiras de carne de frango para exportação para o bloco e a visita foi muito positiva. O Brasil não tem abertura do mercado de carne suína para a comunidade europeia. Os nossos embarques de carne bovina ainda são bastante aquém da potencialidade. Este acordo com a União Europeia seria muito favorável à agropecuária brasileira. Mas tudo a seu tempo. Se não for possível, temos outras oportunidades com o fortalecimento das políticas do Hemisfério Sul.
Neste ano tivemos também a retomada das medidas governamentais de apoio à comercialização, em meio aos preços baixos dos grãos e às adversidades climáticas com leilões de trigo e borracha, compras públicas de leite, estoques de milho. Os eventos climáticos que afetam a produção tendem a ser cada vez mais frequentes. Qual resposta o governo pode dar neste sentido de apoio à produção?
Atuaremos em duas vertentes. A primeira de estímulo para que o produtor produza alimentos essenciais para a nossa população, como arroz, feijão, mandioca, e até excedentes para exportar para o mundo. Esse estímulo tem de partir do governo através da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), garantindo preços mínimos atrativos para o produtor plantar. Por que a produção de arroz diminui no mundo? Estive nos Emirados Árabes e eles me falaram claramente do desejo de importar arroz do Brasil. Vamos virar essa chave com estímulo e garantia de preço mínimo para o produtor se sentir seguro de plantar. Não é para interferir no mercado, mas é estimular. A segunda vertente é a formação de estoques reguladores. Não é o governo intervindo no mercado. No começo deste ano, diante da seca que ocorreu no Rio Grande do Sul, os criadores não tinham milho para dar para as suas granjas e o governo também não tinha estoque para poder vender e fornecer aos produtores. Portanto, um estoque mínimo gerido pela Conab é uma política pública necessária. Essas duas vertentes serão o grande norte no apoio à comercialização.
Em 2024, devemos ter uma safra um pouco menor em virtude de questões climáticas, com perdas em soja, uma área menor de milho e uma safra mais vulnerável ao El Niño. Como o Ministério está vendo a safra de 2024 em termos de volume e do ponto de vista também de políticas públicas agrícolas?
Vemos com muita atenção. O sinal de alerta está ligado no Ministério da Agricultura, tanto que encaminhamos um ofício ao relator geral do Orçamento de 2024 sugerindo a ele uma rubrica de R$ 3,5 bilhões para políticas públicas para a Agricultura, o que também serve para o Ministério do Desenvolvimento Agrário, voltadas a minimizar os impactos do El Niño. O governo pode atuar na compra ou no apoio à comercialização dos produtos se os preços estiverem abaixo do mínimo. Com a quebra de safra, muito provavelmente os preços vão estar acima do preço mínimo, mas não terá produção suficiente em algumas regiões ou para a renda de alguns produtores. O apoio aos produtores passa pelo fortalecimento do seguro rural, para o qual sugerimos um incremento de recursos no orçamento do ano que vem, mas também direcionamento de recursos orçamentários para a repactuação ou o alongamento de dívidas, caso necessário. É um olhar muito clínico, atento, sem alarmismo. Ainda estamos no começo da safra, mas já há algumas situações irreversíveis para alguns produtores tanto do Sul quanto no Centro-Oeste do País, uns com excesso de chuva e outros com seca severa. O Ministério da Agricultura vai continuar acompanhando e se preparando para atuar, por determinação do presidente Lula, para não deixar nenhum produtor para trás.
Quando falamos em política pública, o orçamento é uma questão, muitas vezes, limitadora ...
O orçamento é sempre um limitador. Todos querem mais e precisam de mais, mas o cobertor é sempre curto.
Diante dessa restrição orçamentária, para 2024 o que o Ministério pode fazer para conciliar essa equação entre orçamento curto e maior necessidade de apoio pelos produtores rurais?
Ampliar a modernização das políticas de crédito para o agronegócio, independentemente da questão climática que exige uma atenção especial e mais recursos. Se queremos incentivar o incremento de mais 40 milhões de hectares à produção agropecuária pela recuperação e conversão de pastagens degradadas, fica praticamente impossível dar cobertura para toda essa área com recursos públicos, considerando que já temos 75 milhões de hectares em área plantada. Hoje, o recurso público estimula em torno de um terço do custeio necessário para a safra brasileira. Os R$ 440 bilhões recordes do Plano Safra 2023/24, 30% maior que o do ano passado, ainda assim são um terço do necessário. O custeio da safra brasileira passa de R$ 1 trilhão. Se incorporarmos mais 40 milhões de hectares nos próximos dez anos, de onde vai sair o orçamento para financiar tudo isso? Temos que modernizar o crédito rural. Continuaremos inovando na forma de atrair investimentos e recursos pra o custeio para a agropecuária brasileira.
Há muito a ser feito. Começamos com a linha dolarizada do BNDES, vamos ampliá-la para que possa não somente financiar equipamentos e máquinas, mas também para o custeio com a linha dolarizada, juros menores e sem custo ao Tesouro. Por que não podemos fazer comprovação indireta do ACC (adiantamento sobre o contrato de câmbio) para o produtor que exporta parte da safra, mas usa uma trading para exportar com um mecanismo para ele comprovar que parte da safra foi exportada e com isso ele ter acesso ao ACC, um adiantamento de crédito da exportação com juros muito reduzidos? São modernizações, assim como o fortalecimento das Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), que estão sendo debatidas pela equipe técnica do Ministério da Agricultura, com o Banco Central e com o Ministério da Fazenda. Juntos, vamos em 2024 intensificar isso e preparar uma abundância de crédito mais barato, mais eficiente e com menos peso para o Tesouro para que seja uma política contínua.
Mesmo sendo uma safra menor, é ainda robusta, acima de 300 milhões de toneladas para escoamento. O que pode ser feito em logística com impacto mais imediato de curto prazo para escoamento da safra?
O ministro dos Transportes, Renan Filho, está retomando muitas obras paradas há muito tempo, como o contorno da BR-158 em Mato Grosso, que o licenciamento não saía e agora já tem ordem de serviço na obra. Uma obra estruturante que garante competitividade. A ferrovia Norte-Sul ficou pronta para a qual podemos exportar por Santos ou pelo Tegram, no Maranhão, além das ramificações que estão sendo feitas como a Ferrovia de Integração Oeste Leste (Fiol), a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), a Transnordestina. Já estão conectando a um maior portfólio de portos a serem acessados pela safra brasileira, incentivando a parceria público-privada, as concessões e também com recursos públicos para fortalecer a nossa infraestrutura. Isso já está acontecendo no PAC e será acelerado. Parte dessa visita à Arábia Saudita (feita nesta semana) será para buscarmos formalizar compromissos e investimentos aqui na infraestrutura brasileira. O Ministério da Agricultura também tem o seu programa de investimento em estradas vicinais para aqueles produtores que não tem uma pavimentação asfáltica ou na frente da sua propriedade. O mínimo que esse produtor espera é uma vicinal de qualidade, uma ponte de concreto que substitua a ponte de madeira. O fortalecimento e a recuperação de vicinais será intensificado também pelo Ministério da Agricultura, complementando a grande infraestrutura feita pelo Ministério dos Transportes.
Este ano também foi marcado pela retomada de outros Ministérios ligados ao setor produtivo, com MDA e Pesca e também com o governo com uma agenda mais transversal com Ministérios do Meio ambiente, de Minas e Energia, dos Transportes. O agro ganha com essa política mais transversal?
Isso é fundamental. Esses ministérios foram desmembrados a partir do Ministério da Agricultura. Alguns, de forma pejorativa, falaram que o ministério estava sendo apequenado e tinha suas funções diminuídas. Está comprovado, após 11 meses, que foi o contrário. O Ministério da Agricultura está ligado umbilicalmente com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e com o da Pesca. O Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sisbi), a fiscalização, toda a sanidade vegetal e animal e a segurança na produção de alimentos continuam no Ministério da Agricultura e assim tem que continuar, servindo de guarda-chuva para esses outros dois ministérios. A necessidade de políticas ambientais, seguras, transparentes, firmes se mostra com o número de aberturas de mercado neste ano com uma política ambiental séria. Essa interlocução e essa transversalidade com o MMA só nos traz oportunidades. O fortalecimento da boa parceria com o Ministério da Fazenda nos proporcionou o maior Plano Safra da história, com apoio da Casa Civil e das bancadas. O Brasil e os brasileiros ganham com essa transversalidade do governo. No que tange ao agro, ficou claro que temos uma melhor política pública sendo implementada.
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