Setenta e sete dias após o governo enviar ao Congresso Nacional o projeto de regulamentação da reforma tributária, a Câmara dos Deputados aprovou o primeiro texto referente à proposta.
O projeto, que agora segue para análise do Senado, incluiu uma trava para alíquota do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que não deverá ultrapassar 26,5%, e inseriu as carnes na cesta básica com imposto zero, após forte pressão do setor de alimentos, da bancada do agronegócio e da defesa do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O texto também colocou o carvão, os jogos de azar e os carros elétricos na lista de alvos do chamado “imposto do pecado”, que vai incidir sobre produtos considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente. A proposta ainda amplia o cashback e reduz a alíquota para uma série de medicamentos.
Veja abaixo os principais pontos da proposta e as mudanças aprovadas pelos deputados na comparação com o texto enviado pela equipe econômica.
Assim, o texto-base da proposta foi aprovado sem as carnes na cesta. Porém, nos últimos instantes da votação, o relator informou que decidiu atender aos pleitos e orientou pela aprovação de destaque (sugestão de mudança no texto principal) apresentado pela oposição. A proposta, aprovada por 477 votos, previa a inclusão de carnes, queijo e sal na cesta básica com imposto zero.
Desde as primeiras horas da quarta-feira, 10, a bancada ruralista tentava incluir as carnes na cesta básica. A articulação foi encampada pela Frente Parlamentar da Agropecuária, que conta com o apoio de 324 deputados, sendo a maior bancada da Casa. Na proposta da Fazenda as carnes estavam na alíquota reduzida, com 60% de desconto na tributação.
A movimentação ganhou o reforço do Palácio do Planalto nos últimos dias, com falas do presidente Lula em defesa da isenção das carnes – cobrado pela promessa de campanha de que o brasileiro iria voltar a consumir picanha. Porém, se de um lado Lula afirmou que vai “ficar feliz se puder comprar carne sem imposto”, de outro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que isentar as carnes pode deixar o “preço pesado”, em referência ao impacto na alíquota padrão do IVA (leia mais abaixo).
A inclusão das carnes na cesta básica gerou um embate entre governo e oposição pela “paternidade” da proposta.
Como mostrou o Estadão, a JBS, empresa de proteína animal dos irmãos Batista, mobilizou e quase alterou o resultado da votação na Câmara referente às carnes. A proximidade da companhia com o governo do presidente Lula virou munição de críticos durante o debate e foi assunto de uma conversa a portas fechadas entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Além das carnes, queijos e sal, incluídos no plenário, o relator já havia incluído na cesta básica óleo de milho, aveia e farinhas.
Além disso, o deputado retirou salmão e atum da alíquota cheia, que migraram para o grupo da alíquota reduzida, com 60% de desconto. Já bacalhau e ovas (caviar), por exemplo, seguem pagando 100% do IVA. Pão de forma e extrato de tomate também foram contemplados com a alíquota reduzida.
Além disso, houve a inclusão de plantas e produtos de floricultura no grupo de produtos hortícolas, que conta com redução de 100% da tributação. Outro pleito atendido pelos ruralistas foi a inclusão de nove itens na categoria de insumos agropecuários e aquícolas, que contam com redução de 60% do IVA.
A trava passaria a valer a partir de 2033, depois do período de transição da reforma tributária, que começa em 2026. Caso a alíquota ultrapasse o limite, o governo seria obrigado a formular, em conjunto com o Comitê Gestor do IBS, um projeto de lei complementar com medidas para reduzir a carga tributária.
A maior preocupação é com o impacto da isenção das carnes na alíquota cheia do IVA. Nos cálculos do Ministério da Fazenda, a alteração representará uma elevação de 0,53 ponto porcentual, o que faria a alíquota média passar de 26,5% para 27%. Já nos cálculos do Banco Mundial, o impacto será de 0,57 ponto.
Assim, a inclusão das carnes na cesta zerada e outras alterações feitas no texto pelos deputados podem fazer com que a alíquota do novo IVA se torne o maior do mundo.
As contas ainda são preliminares; mas, de acordo com o economista e tributarista Eduardo Fleury, fundador do escritório FCR Law e chefe da área de direito tributário, a alíquota do IVA brasileiro deve chegar a pelo menos 27,2% – acima dos 27% da Hungria, hoje a maior do mundo.

Quanto à trava incluída no texto, Fleury considera que esse dispositivo não garante que a alíquota fique dentro desse patamar.
Nas negociações de última hora, os fabricantes de cerveja conseguiram ampliar a progressividade do Seletivo de acordo com o teor alcóolico. Trata-se de uma vitória das cervejarias sobre os produtores de destilados.

● Veículos (incluindo elétricos);
● Embarcações;
● Aeronaves;
● Cigarros;
● Bebidas alcoólicas;
● Bebidas açucaradas;
● Jogos de azar;
● Bens minerais extraídos – minério de ferro, petróleo, gás natural e carvão mineral.

Além disso, os deputados zeraram a alíquota de produtos relacionados a cuidados com a saúde menstrual, como absorventes. Já o Viagra (citrato de sildenafila), usado para o tratamento de disfunção erétil e da hipertensão pulmonar, por sua vez, saiu da lista de isentos migrou para a alíquota reduzida, com desconto de 60%.
O texto autoriza que as empresas se creditem de planos de saúde coletivos previstos em convenção, o que antes era proibido pela proposta da Fazenda. Os deputados também incluíram planos de saúde de animais domésticos, os pets, com alíquota reduzida em 30%. A inclusão foi comemorada pela primeira-dama, Janja da Silva.
● 100% da CBS (IVA federal) e 20% do IBS (IVA estadual e municipal) para botijão de gás (13 kg);
● 100% da CBS e 20% do IBS para as contas de luz, água e esgoto e gás encanado;
● 20% da CBS e do IBS sobre os demais produtos.
Para o cálculo da devolução, serão consideradas as compras nos CPFs de todos os membros da unidade familiar, e não apenas do representante.

Na versão original do projeto, enviada pelo Ministério da Fazenda, o regime era totalmente cumulativo, sob a justificativa de evitar a desoneração, ainda que indireta, de bebidas alcoólicas – itens que estão sujeitos ao Imposto Seletivo.

O texto da Câmara também reduziu de 60 para 30 dias o prazo para o ressarcimento de créditos a empresas que não conseguirem abater todo o tributo acumulado ao longo da cadeia produtiva.
O prazo encurtado, que era um pleito da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Associação Brasileira de Companhias Abertas (Abrasca), deverá valer apenas para empresas enquadradas em programas de conformidade dos fiscos.
Já nas operações de aluguel, cessão onerosa e arrendamento – sempre entre pessoas jurídicas – haverá uma redução de 60% em relação à alíquota padrão. Pela proposta original elaborada pelo Ministério da Fazenda, a redução para ambas as modalidades era de 20%.

Quanto ao pagamento de IVA sobre a locação de imóveis por pessoas físicas, o projeto prevê a não incidência, desde que o imóvel não seja utilizado predominantemente em suas atividades econômicas.
Entrevistas
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‘Empresas carregarão fardo da reforma até 2038, mas País será mais competitivo’, diz tributarista

Tércio Chiavassa
Sócio da Pinheiro Neto Advogados
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Próximo do prazo estipulado para a votação do projeto de lei complementar da reforma tributária, muitos temas seguem pendentes. Entre eles está o da criação de um tribunal específico para julgar contenciosos que devem surgir principalmente no período de transição do atual sistema para o novo, que estabelece o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) Dual.
A proposta está sob responsabilidade do Comitê Gestor do IBS, órgão que será responsável pela cobrança do novo imposto, pelo repasse dos recursos para Estados e municípios e por soluções de conflitos administrativos. Nesse último caso, o objetivo é evitar que diferentes tribunais possam julgar um mesmo caso, mantendo assim a complexidade do sistema atual.
“Se forem mantidos os tribunais de hoje, pode ser que ocorram decisões discrepantes sobre um mesmo tema, o que vai ser muito ruim para a consolidação dessa legislação”, diz Tércio Chiavassa, sócio e coordenador da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados.
Edição: Anna Carolina Papp; Reportagem: Bianca Lima, Mariana Carneiro e Alvaro Gribel; Editora de infografia: Regina Elisabeth Silva; Editores-assistentes de infografia: Adriano Araujo e William Mariotto; Designer multimídia: Lucas Almeida.
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