BRASÍLIA - Em meio ao debate sobre o rotativo do cartão de crédito, a linha de financiamento mais cara do País, que está com os dias contados, governo e Banco Central (BC) discutem formas de desestimular as compras parceladas sem juros. Essas operações são consideradas pelas instituições financeiras como a raiz do problema, e uma espécie de subsídio cruzado. Na mesa, está a adoção de um modelo de parcelamento que leve em consideração o tipo de bem a ser adquirido e o prazo da operação.
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A diferenciação por linha de produto ocorreria da seguinte maneira: um bem durável, como uma geladeira, poderia ser vendido em um número maior de parcelas. Enquanto que um semidurável, como uma roupa, seria comercializado com prazo menor. Seria uma forma de evitar o que participantes do mercado de cartões chamam de “falta de bom senso” no parcelado sem juros, com produtos de valores relativamente baixos sendo vendidos com parcelas a perder de vista.
Já o prazo da operação teria influência na taxa de juros. O modelo funcionaria como uma “escadinha”, ou seja, quanto maior o número de parcelas, maior o juro pago pelo consumidor. Se o cliente parcelar a compra no cartão em 10 vezes, por exemplo, pagará uma determinada taxa. Se o número de parcelas for menor, o juro cai. Isso se daria dentro da lógica do mercado e da competição entre as instituições financeiras, sem nenhum tipo de tabelamento.
Essas discussões ocorrem em paralelo à provável extinção do rotativo do cartão, que é acionado toda vez que o consumidor paga apenas uma parte da fatura até a data de vencimento. A linha tem juros médios de 437% ao ano e inadimplência de 49%, segundo dados de junho. Com o fim desse financiamento, o cliente inadimplente seria direcionado, automaticamente, a um sistema de parcelamento, com taxas mais acessíveis.
Fontes do governo, porém, têm dúvidas em relação aos reais efeitos do fim do rotativo - medida que foi sinalizada nesta semana pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto. A desconfiança é de que a extinção da linha não leve a uma efetiva redução dos juros por parte das instituições financeiras, perpetuando o problema. A questão de fundo, segundo esses interlocutores, é o grande poder de mercado dos grandes bancos, que continuam dominando o segmento de cartões, apesar do recente aumento da concorrência.
Um arranjo final para toda essa questão ainda depende de negociações com o varejo, que rejeita, por exemplo, a possibilidade de diferenciação de prazos por tipo de mercadoria. “Existem lojas de construção que vendem eletrodomésticos e itens de decoração. Ou supermercados que vendem linha branca. Não é operacional fazer essa segmentação por linha de produto”, diz Jorge Gonçalves Filho, presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV).
O empresário afirma que o setor já trabalha com a possibilidade de criação de um limite para o parcelamento sem juros, ainda sem um número mágico definido, mas refuta essa segmentação: “Nós já comunicamos isso aos bancos”.
Em relação ao parcelado com juros, que poderia ganhar fôlego nesse novo desenho, a expectativa do comércio é de que sejam criadas novas formas de financiamento. “Se vai limitar o parcelado sem juros, precisaremos de um crediário (parcelado com juros) mais agressivo, com taxas menores e prazos maiores”, diz Gonçalves.
No meio econômico, a avaliação é de que o cartão de crédito se tornou um ponto de atenção devido à multiplicação dos plásticos e dos limites para compras, ao aumento dos prazos e à consequente alta da inadimplência. É nesse cenário que BC e Ministério da Fazenda buscam construir, em um prazo de 90 dias, uma solução com bancos e varejistas. Se uma saída não for encontrada, o Congresso deve aprovar um teto de juros para o rotativo - possibilidade que é criticada pelas instituições financeiras.
Em meio à pressão do meio político, que está com “a faca no pescoço” do setor, como definiu um interlocutor, os elos da cadeia aceleraram as conversas. Em entrevista à GloboNews, o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, previu que uma solução pode ser encontrada em prazo menor, de 30 a 60 dias. Na ocasião, ele criticou o fato de os bancos assumirem riscos elevados nas operações com cartão.
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