BRASÍLIA – Os pequenos lojistas pagam, em média, 12% de taxa para conseguir antecipar o dinheiro que têm a receber nas vendas parceladas sem juros em até 12 vezes, feitas por meio do cartão de crédito. Entre os grandes lojistas, a taxa é menor: 8,2% para o mesmo número de parcelas, segundo dados de mercado consolidados pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e obtidos pelo Estadão.
Essa antecipação dos chamados “recebíveis”, como são chamados os créditos futuros que os comerciantes têm a receber com as vendas no cartão, funcionam, na prática, como um “empréstimo”. Ele é concedido pelas empresas de maquininhas, que são usadas por esse tipo de meio de pagamento - o qual praticamente dobrou nos últimos cinco anos no Brasil, segundo a Febraban.
As maquininhas são aquelas que os lojistas usam nos seus estabelecimentos para passar o cartão de crédito de qualquer bandeira na hora da compra, seja de forma virtual ou presencial. Quanto maior o número de parcelas, maior é a taxa de antecipação cobrada pelas empresas, que são chamadas de adquirentes (veja a explicação abaixo).
A taxa média de antecipação de recebíveis para os pequenos negócios varia de 3% a 4% - saltando de 1,8%, para uma parcela, até 12% para 12 parcelas. Para uma compra parcelada, por exemplo, em 10 vezes, o pequeno lojista paga 10,1% de taxa. Isso significa que, a cada R$ 1.000 de vendas, o comerciante terá de pagar R$ 101 para as maquininhas, caso queira antecipar esses recursos.
Entre os grandes varejistas, a taxa média é menor: entre 2% a 3%, variando de 1,2% (uma parcela) até 8,2% (12 parcelas). A taxa é menor porque os grandes lojistas têm maior poder de negociação e maior fluxo de caixa do que os pequenos.
O negócio com a antecipação dos recebíveis tem crescido e está no centro da disputa entre os bancos e as maquininhas chamadas independentes, em torno da polêmica para a limitação do parcelado sem juros e para a reestruturação do rotativo - financiamento com juro elevado, que é acionado toda vez que o consumidor não paga a integralidade da fatura em dia.
As maquininhas independentes são aquelas que não têm um banco por trás como dono da marca. Entre elas, estão Stone, Mercado Pago, PagSeguro, Adiq, CloudWalk, Sumup e Adyen. Já as marcas dos bancos mais conhecidas são Cielo, Rede, GetNet, Safra, Banrisul e BMG.
Em meio a esse debate, os bancos querem limitar o número de parcelas sem juros, que consideram uma “jabuticaba brasileira”. Eles alegam que o lojista decide quantas parcelas concede, mas o risco final da inadimplência quem acaba assumindo são eles (os emissores do cartão) na complexa cadeia que existe nas operações com cartão.
Nesse modelo de negócios, o consumidor pode optar pelo parcelamento sem juros na compra, de acordo com as condições oferecidas pelo lojista. O cliente recebe o produto ou serviço na hora da aquisição, mas paga por ele ao longo dos meses, sem pagar juros. Caso o consumidor não honre qualquer das parcelas, quem assume o risco de calote é o banco emissor do cartão. Nesse caso, a instituição financeira tem de garantir o pagamento pontual ao lojista.
Cerca de 70% do mercado de recebíveis é feito pelas maquininhas chamadas independentes, segundo a Febraban. De acordo com dados compilados pela federação, a taxa praticada por essas empresas, nas operações com antecipação de recebíveis, é 3,2 vezes superior à dos grandes adquirentes.
As instituições financeiras sustentam que, sem assumir o risco de calote, as independentes ganham mais quanto maior é o número de parcelas. Enquanto que os bancos, alega a Febraban, já começam a ter perdas financeiras a partir da quarta parcela, mesmo recebendo uma fatia do valor arrecadado com a chamada taxa de intercâmbio, que é paga por cada operação com cartão.
“A extensão desmedida de prazos para parcelamento sem juros é mais rentável para alguns elos desse complexo sistema, como a indústria maquininhas”, disse ao Estadão o presidente da Febraban, Isaac Sidney.
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Segundo ele, essas maquininhas elevam seus ganhos ao adiantar recebíveis e resgatar parte dessa dívida com varejistas, a custos elevados para o comércio, enquanto o risco e o impacto da inadimplência são integralmente assumidos pelos bancos emissores de cartões.
A entidade negocia com o Banco Central a limitação das parcelas, alegando que esse modelo, no qual assume o risco numa decisão sobre a oferta de número de parcelas feita pelo lojista, é a razão pelos juros altos do cartão no rotativo.
“Elas elevam seus ganhos ao adiantar recebíveis e resgatar parte desta dívida com varejistas, a custos elevados para o comércio, enquanto o risco e o impacto da inadimplência são integralmente assumidos por bancos emissores de cartões”, ressalta Isaac.
“A inadimplência é o principal fator que eleva as taxas de juros no País. No modelo atual, o risco, que, na era do pré-datado, ficava com o comerciante, agora é inteiramente dos bancos quando o cliente não paga a fatura”, diz.
A disputa entre bancos e maquininhas independentes se acirrou depois que o Estadão publicou, no sábado, dados coletados dos bancos mostrando que as maquininhas independentes teriam tido prejuízo de R$ 1,1 bilhão em 2022 se não fosse esse grande negócio sem risco com a antecipação de recebíveis.
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Procurada pelo Estadão, a Associação Brasileira de Internet (Abranet), que reúne as maquininhas independentes, rebate os dados coletados pela Febraban. Segundo ela, os dados são extraoficiais e sem fonte confiável. De acordo com a entidade, os associados da Abranet têm uma taxa de antecipação ligeiramente acima da média publicada pelo Banco Central, de 1,4% ao mês.
“No site dos nossos associados é possível ver que temos diversos modelos de preço e, hoje, o plano mais divulgado oferece antecipação abaixo de 10% para novos clientes que vendem em 12 parcelas”, destaca nota da Abranet, que critica as taxas dos bancos para o rotativo.
“Diferentemente do cartão de crédito rotativo, que o cliente não tem outra opção, a não ser negociar com seu banco, em junho de 2021 foi disponibilizada a Câmara de Recebíveis, onde o cliente pode procurar melhores condições para antecipar suas vendas parceladas”, explica a entidade.
O Brasil é um dos países que mais usam cartão de crédito como meio de pagamento. Numa comparação com os Estados Unidos, que lidera a lista com US$ 4,3 trilhões em volume de compras, o Brasil movimentou US$ 406 bilhões em 2021. A diferença é que no Brasil as vendas com cartão representam 40% do consumo das famílias e nos Estados Unidos, 28%.
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