Ex-presidente da Petrobras revela privilégios e desperdícios da estatal: ‘Cortei o que consegui’

Em entrevista ao ‘Estadão’, Roberto Castello Branco fala em primeira mão de seu novo livro sobre sua passagem pela empresa e diz que se surpreendeu com os exageros e benesses existentes na estatal quando assumiu o comando, em 2019, no início do governo Bolsonaro

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Foto do author José Fucs
Atualização:
Entrevista comRoberto Castello BrancoEconomista, ex-diretor do Banco Central e ex-presidente da Petrobras

O ex-presidente da Petrobras Roberto Castello Branco conta em seu novo livro, lançado na semana passada, como foi a sua experiência no comando da estatal, de janeiro de 2019 a abril de 2021, durante o governo Bolsonaro, e dedica especial atenção aos desperdícios e privilégios que encontrou na companhia, muitos dos quais conseguiu cortar.

Nesta entrevista ao Estadão, Castello Branco revela em primeira mão quais eram os principais excessos e benesses existentes na Petrobras, símbolo maior da mentalidade nacionalista e estatista que, segundo ele, marcou a administração da empresa desde a sua criação, em 1953.

Fazem parte da lista um cerimonial com uma equipe de dez pessoas só para atendê-lo e seis carros blindados, com três turmas de seguranças e motoristas que ficavam à sua disposição 24 horas por dia, sete dias por semana, no Rio de Janeiro em São Paulo e em Brasília. Já os funcionários tinham direito a um adicional de 100% nas horas extras, o dobro do que prevê a legislação trabalhista, e os operadores de plataformas marítimas cumpriam uma jornada de 14 dias de trabalho por 21 dias de folga, enquanto a praxe nas companhias petrolíferas do exterior é de 14 dias de trabalho por 14 dias de descanso.

“Na Petrobras, não havia uma preocupação com custos nem com a alocação eficiente de recursos. Então, existia muito desperdício, das coisas pequenas às coisas grandes”, afirma. “A resistência a cortes de custos era evidente, até mesmo por parte de diretores que supostamente deveriam estar conscientes da gravidade da situação.” Confira a seguir os trechos da entrevista em que Castello Branco aborda os exageros e as benesses que existiam na Petrobras quando ele chegou na companhia.

No livro, o sr. fala que, ao assumir o comando da Petrobras, em 2019, foi surpreendido com a estrutura oferecida ao presidente e aos diretores da empresa. O que havia de tão diferente neste aspecto que chamou a sua atenção?

Um exemplo disso foi a existência de um cerimonial, com dez pessoas, só para me atender quando viessem convidados, quando eu fosse a algum lugar ou a algum evento solene. Eu achava que cerimonial era uma coisa do Itamaraty, da Presidência da República, nunca uma estrutura de dez pessoas para o presidente de uma empresa. Havia também dois funcionários cuja tarefa era fazer um briefing para mim de todos os assuntos que seriam discutidos na próxima reunião de diretoria, para eu não ter surpresas. Eu tinha três secretárias, remuneradas com salários acima do mercado, e nenhuma delas falava inglês. Quando uma secretária precisava falar inglês, tinha de chamar a chefe de gabinete para socorrê-la. Cada secretária tinha sua própria impressora e eu tinha a minha. E cada diretor dispunha de duas secretárias e de dois assessores para ajudar na preparação da reunião semanal da diretoria.

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Havia seis carros blindados para me atender no Rio, em São Paulo e em Brasília, com três equipes de seguranças e de motoristas disponíveis 24 horas por dia, sete dias por semana

O que mais havia lá na estrutura disponível para o presidente da Petrobras que o sr. achou exagerado?

Havia, por exemplo, uma assessora só para tomar nota do que fosse tratado nas minhas conversas com pessoa de fora e seis carros blindados para me atender no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Brasília, dois em cada cidade, com três equipes de seguranças e de motoristas disponíveis 24 horas por dia, sete dias por semana. Uma vez eu cheguei no elevador e vi que tinha um cabineiro. Eu perguntei: “O que você está fazendo aqui?”. Ele respondeu: “É que vão chegar autoridades e eu estou aqui para atendê-las”.

Como o sr. lidou com tudo isso? O sr. manteve essa estrutura ou fez um enxugamento geral?

Muita coisa era absolutamente dispensável. O cerimonial, por exemplo, foi eliminado. No caso dos dois assessores encarregados de me passar um briefing antes das reuniões de diretoria, só tive um encontro com eles. Depois, acabei com isso. Esse papel passou a ser desempenhado pela chefe de gabinete, que me enviava algumas anotações, num processo rápido e eficaz. Em relação às secretárias, passei a ter apenas duas, com remuneração de mercado, e exigi inglês fluente. Em lugar das quatro impressoras, para elas e para mim, passamos a ter somente uma, compartilhada.

No caso dos diretores, cada um ficou com apenas uma secretária e um assessor, e para cobrir eventuais ausências foi criado um pool de secretárias. A assessora que tomava nota nas reuniões, que não pertencia aos quadros da Petrobras, foi dispensada. Acabamos também com aquela coisa de colocar um cabineiro para atender autoridades que visitavam a Petrobras. Na época eu falei: “Pode vir até o Papa aqui que a gente não vai ter cabineiro para atendê-lo”. Cortei também os carros com serviços de segurança em São Paulo e em Brasília. Quando ia para lá, eventualmente a empresa alugava um carro com um único segurança. Queria fazer a mesma coisa no Rio e substituir por Uber, mas me convenceram de que não devia fazer isso. Então, no Rio, o serviço foi mantido.

Agora, considerando o tamanho da Petrobras, isso não era algo muito pequeno para o sr. se preocupar?

De fato, numa empresa como a Petrobras eram coisas pequenas, mas você deve começar pelas coisas pequenas. Todos os que trabalhavam no gabinete da presidência recebiam um adicional de salário. Desse modo, a diminuição daquela estrutura já eliminava custos, mesmo sem demissões. Realmente, era algo que não fazia sentido. A mensagem transmitida para os empregados era muito ruim.

No livro, há até uma citação do general Colin Powell, que era um estrategista e foi o primeiro secretário da Defesa negro dos Estados Unidos, sobre essa questão. Ele dizia que você tem de começar atacando as pequenas coisas e depois, evidentemente, ir para as grandes – e eu concordo totalmente com ele.

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Castello Branco afirma que, na Petrobras, os funcionários contavam que os operadores sempre 'pagam o pato' e os gerentes nunca são punidos Foto: Wilton Júnior/Estadão - 15/10/2021

O sr. diz no livro também que, quando chegou na Petrobras, se deu conta de que ela funcionava como uma “sociedade de castas”, mesmo nos governos do PT, porque o presidente e os diretores não se misturavam com os demais funcionários. Na prática, como isso se manifestava?

De várias formas. Alguns empregados, alguns gerentes, de longa data, falavam para mim: “Poxa, eu estou aqui há vinte, trinta anos e nunca havia apertado a mão do presidente dessa companhia antes”. Outra coisa: existia um restaurante, num salão, que só tinha três mesas e era restrito aos diretores e aos conselheiros. Na época, cada refeição custava R$ 250 que eram pagos pela Petrobras. Um sindicalista, que hoje é uma pessoa importante no sindicato dos petroleiros, me disse o seguinte: “Aqui, quando acontece um problema, quem ‘paga o pato’ é o operador. O gerente nunca é punido”. Isso tudo refletia essa estrutura de castas. As pessoas da operação não pertenciam à casta superior. Elas é que pagavam a conta se houvesse algum problema, enquanto os chefes eram sempre isentos.

Outro ponto que o sr. aborda no livro são os desperdícios que ocorriam, de forma geral, na Petrobras. A que tipo de desperdício o sr. se refere?

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Olha, na Petrobras não havia uma preocupação com custos. A resistência a cortes de custos era evidente, até mesmo por parte de diretores que supostamente deveriam estar conscientes da gravidade da situação. Então, existia muito desperdício, das coisas pequenas às coisas grandes. Nós descobrimos praticamente 50 mil toneladas de sucata nos pátios, que logo colocamos à venda. Um dia eu entrei em um salão no prédio da Petrobras que tinha 22 funcionários, cada um com sua própria impressora. Na minha gestão, nós devolvemos 1.500 impressoras. Quando propus o fechamento de um escritório em Nova York, mantido somente para o relacionamento com investidores, fui surpreendido com o argumento “o escritório é nosso”, como se ele fosse propriedade da diretoria.

Como outras grandes empresas, a Petrobras tinha uma universidade corporativa. Só que seu funcionamento se desviava muito do que uma universidade corporativa deve ser. Os professores eram contratados em tempo integral. O problema é que boa parte desses professores, que eram funcionários da Petrobras, dava menos de 50 horas de aula por ano. Eu fui professor da Fundação Getúlio Vargas, na pós-graduação. O professor lá tem de dar, no mínimo, 120 horas de aula por ano e produzir pesquisas, e não menos de 50 horas, como acontecia na Petrobras. Além disso, a maior parte dos cursos era voltada para geopolítica. A parte voltada para compliance e para a área de petróleo e gás era pequenininha. Agora, se a Petrobras é uma empresa de petróleo e gás, como é que pode ser assim? Então, a Universidade Petrobras passou a trabalhar como universidade corporativa de fato, mais enxuta, mais eficiente, voltada para as áreas de petróleo e gás.

Em Salvador, a Petrobras tinha um prédio de 22 andares, a famosa Torre da Pituba, com uma garagem para 2.700 carros. Era o maior estacionamento da cidade

O sr. mencionou o caso do escritório de Nova York, mas pelo que o sr. fala no livro isso era algo que se repetia em várias outras cidades pelo mundo, certo?

No total, quando eu cheguei na Petrobras, a companhia tinha 18 escritórios fora do Brasil. Os expatriados compunham a maioria do contingente de colaboradores dos escritórios, o que destoava das práticas regulares de empresas globais, que procuram maximizar o número de empregados locais e minimizar o contingente de expatriados. Em alguns casos, o custo de um expatriado chegava a ser cinco vezes maior do que o de um empregado local, por causa dos benefícios excessivos e da dupla tributação do imposto de renda.

Quando eu deixei a companhia, em abril de 2021, haviam restado só três escritórios no exterior, em Houston, Roterdã e Cingapura. Nos Estados Unidos, além do escritório de Nova York, que nós fechamos, havia também o de Houston, que decidimos manter, porque Houston é uma espécie de capital mundial do petróleo. Só que era um escritório de seis andares, que custava US$ 5,5 milhões por ano. A gente conseguiu reduzir a nossa base em Houston para um escritório de meio andar, custando menos de US$ 500 mil por ano. Ao mesmo tempo, reduzimos o número de expatriados em cerca de 70% e aumentamos o número de empregados locais, ganhando diversidade cultural e de experiências profissionais.

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Mesmo no Brasil, pelo que o sr. diz no livro, havia muito desperdício com imóveis na Petrobras, que consumiam milhões de reais por ano. Que exemplos o sr. pode dar de desperdícios com imóveis no País e o que fez para resolver o problema?

A Petrobras alugava um prédio na Avenida Paulista, por exemplo, com dependências para reuniões de diretoria e do conselho de administração, com muitos funcionários administrativos que podiam ser removidos para outros lugares. O custo por posto de trabalho era o mais alto entre os prédios da Petrobras. Eu não tenho prova disso, mas me foi falado que a razão da existência desse prédio grandioso, entre outras coisas, era para as reuniões com o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, quando ele ocupava a presidência do conselho, porque morava em São Paulo. Uma das primeiras medidas que nós tomamos, ainda no primeiro semestre de 2019, foi desativar esse prédio alugado. Alguns funcionários retornaram para onde deveriam estar, nas operações, e outros passaram a trabalhar no sistema de escritórios compartilhados. Evidentemente, as instalações para a diretoria e para o conselho em São Paulo também eram totalmente dispensáveis. Conselho de administração e diretoria têm de se reunir no Rio de Janeiro, onde é a sede da companhia.

Havia outros grandes imóveis da Petrobras que o sr. considerava desnecessários para as necessidades da empresa?

Havia o prédio de Vitória, onde eu estive duas vezes, situado na Praia do Canto, que é a área mais cara da cidade. O prédio, que não era de propriedade da Petrobras e pertencia à Igreja Católica, foi construído sobre uma pedra, num terreno de 83,4 mil metros quadrados. Os vidros eram importados da Bélgica e as persianas respondiam automaticamente à variação de luminosidade do dia. Se fosse um dia de muita luminosidade, as persianas baixavam automaticamente e vice-versa. Havia um auditório para 450 pessoas, maior do que o que nós tínhamos no prédio-sede da Petrobras. Tinha até camarim. Era algo tão ocioso que, na época, eu falava, brincando: “A gente deveria alugar para a Globo fazer o Domingão do Faustão aqui”.

Em Salvador, a Petrobras tinha um prédio de 22 andares, a famosa Torre da Pituba, com uma garagem para 2.700 carros. Era o maior estacionamento da cidade. Nenhum shopping center tinha um estacionamento tão grande. A construção foi concebida para ter escritórios capazes de receber até 5.000 funcionários. E só tinha dois andares ocupados. O resto ficava vazio. O prédio é do Petros, o fundo de pensão dos funcionários da Petrobras. O Petros construiu, colocou o dinheiro dos segurados lá, e alugou para Petrobras. O locador, no caso o Petros, assumiu o compromisso de arcar com os custos de construção, enquanto o locatário, a Petrobras, de absorver os custos referentes aos aluguéis. E, se nós quiséssemos nos ver livre dele, acabar com o contrato de aluguel, de 30 anos, teríamos que pagar ao Petros todos os aluguéis ao longo do contrato até 2046, que daria mais ou menos R$ 1 bilhão. Eu sei que, na época, era um valor equivalente ao de um prédio na avenida Faria Lima, em São Paulo, no centro financeiro do País.

Não deu para fazer algum tipo de renegociação para reduzir os gastos da Petrobras com os prédios de Salvador e Vitória?

Fizemos um acordo com o Petros e conseguimos obter uma economia de aproximadamente R$ 35 milhões anuais. A gente programou também a desocupação do prédio. A ideia era que, em alguns meses, parte dos empregados fossem transferidos para um prédio em Taquipe, a pouco mais de uma hora de Salvador. O restante iria para outras unidades da Petrobras fora da Bahia, sem nenhuma demissão. Só que houve uma espécie de rebelião, com ameaças de suicídio e denúncias de assédio moral ao Ministério Público do Trabalho. Diversos empregados que trabalhavam na Torre da Pituba alegavam algum motivo para não deixar de morar e trabalhar em Salvador. O MPT nos pressionou bastante. No fim, embora considerássemos um contrassenso, porque quando o empregado é contratado ele aceita trabalhar no local de interesse da empresa, decidimos que um acordo seria melhor do que o litígio judicial. A desocupação total ficou, então, para o início de 2021, frustrando nosso plano inicial. Mas, no fim, o objetivo foi alcançado.

Já em Vitória, a coisa foi mais complicada. O custo da obra em terreno alheio foi financiado pela emissão de títulos de dívida de longo prazo. Tentamos negociar o pré-pagamento da dívida, com desconto, é claro, mas os credores não aceitaram e tivemos de manter o prédio nas condições originais.

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Alguns funcionários chegavam a ganhar um salário adicional com hora extra

Além de todos esses exageros e desperdícios, outro ponto polêmico, que já foi tema de muitas reportagens e que o sr. também aborda no livro, está relacionado aos privilégios dos funcionários da Petrobras. Durante sua passagem pela empresa, que privilégios lhe pareceram mais descabidos?

Tem um, por exemplo, que é totalmente fora da curva. Na Petrobras, a valor da hora extra é equivalente a 100% da hora trabalhada no horário normal, o dobro dos 50% determinados pela legislação trabalhista. Isso não existe nas empresas privadas nem em outras estatais. Nós identificamos que, em algumas operações, principalmente nas refinarias, a hora extra havia se transformado num negócio espetacular, porque alguns funcionários às vezes chegavam a ganhar praticamente um salário adicional com hora extra. Não havia nenhum tipo de controle. Havia adicionais de todo tipo, como os pagos para funcionários que trabalhavam no estado do Amazonas e para os que fossem transferidos de cidade, que recebiam um valor a mais por mês durante quatro anos, além do custeio da mudança pela empresa.

O caso do trabalho a bordo de plataformas era semelhante. Nós checamos com empresas multinacionais e normalmente o funcionário trabalha 14 dias na plataforma, em alto mar, e folga 14 dias. Na Petrobras, são 14 dias de trabalho e 21 dias de folga. Vários empregados possuíam negócios próprios que administravam durante as três semanas de folga. Quando abordamos a questão da universidade corporativa, nós vimos que a companhia concedia muitas bolsas no exterior. Bastava o funcionário pedir e elas eram concedidas, sem nenhum critério. Geralmente, a preferência do pessoal era por cursos de curta duração na Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Era uma forma de polir o currículo, mas um desperdício de recursos para a companhia

Na sua gestão, o sr. conseguiu acabar com esses privilégios?

A gente cortou alguma coisa, porque grande parte disso dependia do acordo coletivo, no qual era mais difícil mexer, mas cortamos o que foi possível. Nós conseguimos tirar a questão dos quatro anos remuneração pela mudança de cidade. Acabamos também com a remuneração extra no Amazonas e criamos um banco de horas para acabar com o excesso de horas extras. No plano de saúde, que era muito caro, nós mudamos o modelo de gestão. Antes, eram os próprios funcionários do RH que geriam o plano de saúde. Nós constituímos uma instituição privada sem fins lucrativos, agregamos alguns profissionais da área de gestão de plano de saúde e reduzimos substancialmente os custos. E melhoramos a qualidade também. Nós identificamos uma completa falta de controle também no plano de saúde.

Um caso que ficou famoso foi o dos dentistas da Bahia que faziam implantes dentários. Tinha dentista que recebia R$ 2 milhões por ano da Petrobras só para fazer implante dentário. E, geralmente, os implantes dentários eram feitos em aposentados, nos mais idosos. Acho que falavam para eles “olha, você não quer ficar com um sorriso igual ao do Bonner, da TV Globo?”. Eles deviam ser convencidos a fazer o implante para ter um sorriso bacana, e a Petrobras pagava a conta. Ao mesmo tempo, o plano de saúde era o campeão de reclamações dos funcionários.

Quando começamos a cobrar a parcela de 30% que cabia aos funcionários no plano de saúde, houve gritaria, mesmo que isso estivesse previsto no acordo coletivo

Na sua gestão, vocês identificaram que os funcionários da Petrobras não pagavam há anos nem a parcela de 30% que lhe cabia nas mensalidades do plano de saúde. Eles passaram a pagar?

A partir de 2019, eles passaram a pagar. Quando começamos a cobrança, houve gritaria, mesmo que a parcela de 30% que cabia aos funcionários estivesse prevista no acordo coletivo. Depois, houve também uma mudança na relação de custeio do plano negociada com o sindicato. Em 2021, ela passou de a ser de 60% para a empresa e 40% para os funcionários, em vez dos 70% e 30% definidos anteriormente. Estava prevista também uma nova mudança em 2022, pela qual a proporção dos funcionários e da empresa nas mensalidades passaria a ser a mesma, de 50%, mas houve uma decisão do Congresso que brecou a alteração e a contribuição dos empregados parou nos 40%.

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O sr. não usa a palavra “aparelhado” no livro, mas, pelo que conta, o RH era de certa forma “aparelhado” pelo sindicato nos governos do PT, no sentido de que trabalhava para manter e ampliar os privilégios dos funcionários, inclusive apoiando a concessão de reajustes salariais bem acima da inflação. O sr. diz também que, para as promoções, contava muito a relação do funcionário com o sindicato e fala que a intranet da Petrobras era dominada por sindicalistas, trazendo críticas à administração, narrativas falsas, coisas do gênero. Como estava o RH quando o sr. chegou à Petrobras? Ainda era aparelhado?

O RH era aparelhado, mas no passado, até 2016, antes da minha época. Durante 12 anos, o gerente de RH era um militante sindical e os principais cargos eram ocupados por pessoas ligadas ao sindicato. A nomeação para cargos de confiança era feita por amizade. Então, era uma coisa que não podia funcionar bem. Depois, mudou. Só que até a nossa gestão o RH era passivo. Essas questões da intranet que você mencionou, das pressões, da falta de meritocracia permaneceram. Empregados sem a necessária qualificação ocupavam gerências importantes. O RH também referendava muito as demandas dos funcionários nos acordos coletivos, sem questionamento, sem negociação. Como eu falei, era passivo. E o que nós fizemos foi mudar tudo isso.

Que mudanças ocorreram na área de pessoal da Petrobras na sua gestão?

Numa companhia em que a meritocracia não era popular, não havia um programa de remuneração variável, ancorado em métricas de produtividade. Na Petrobras, a questão não era incentivar a eficiência, mas redistribuir a renda. Durante anos, o bônus era a participação nos lucros: todos ganhavam a mesma coisa, numa socialização de benefícios. Os empregados com salário mais baixo recebiam um múltiplo dos salários, mas isso não se aplicava para os mais graduados. Embora existissem muitos funcionários que tivessem uma atuação meritória, a bonificação era baseada na chamada volumetria, como as empresas soviéticas faziam. Bastava atingir uma meta de produção e você ganha uma remuneração extra.

Nós estabelecemos um programa de remuneração variável baseado em várias métricas e passamos a remunerar as pessoas pelo valor gerado para a companhia. Adotamos métricas para o estabelecimento de metas realistas, mas desafiadoras, e passamos a premiar as realizações, o que representava uma mini revolução na Petrobras. Mas, apesar do avanço, os radicais adeptos das velhas ideias se voltaram contra o pagamento do prêmio por performance. Como eu conto no livro, um empregado me enviou uma carta afirmando que só estava aceitando o bônus por estar endividado. Disse que tinha nojo daquele dinheiro, que, segundo ele, tinha sido gerado pela especulação.

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