SÃO PAULO e BRASÍLIA - O candidato a se tornar sócio da Vale em um negócio multibilionário ― a possível compra da Bahia Mineração (Bamin) — é um empresário com uma trajetória relativamente curta no setor. Até pouco tempo atrás — menos de uma década —, o grupo empresarial Cedro Participações e seu controlador, Lucas Kallas, eram praticamente desconhecidos. Na mineração de ferro, era um novato buscando lugar ao sol entre gigantes como Vale, CSN, Anglo American, Usiminas, Gerdau e ArcelorMittal.
Esse lugar ao sol pode, agora, ter maior dimensão. A Cedro faz parte do consórcio capitaneado pela Vale — que inclui também o BNDESPar (braço de participações do BNDES) para aquisição da Bamin. É um negócio ainda incipiente, que envolve a saída do atual controlador, o grupo ERG, do Cazaquistão, e financiamentos de fontes como BNDES para a reativação do projeto de mineração, que tem investimentos previstos em mais de R$ 30 bilhões, incluindo a logística ferroviária e portuária (leia mais aqui).
Se o negócio for realmente concretizado, será um passo importante no projeto de Kallas: ele nunca escondeu a pessoas próximas que gostaria de ser dono de uma grande mineradora.
O executivo deu os primeiros passos no setor vendendo minério da pequena mina Taquaril e, depois, arrendando depósitos de rejeitos de mineração de empresas da região produtora de ferro em Minas Gerais, fazendo o reaproveitamento do material que havia sido descartado. Cerca de 12 anos atrás, Kallas podia ser visto nos corredores de empresas como a Vale e outras do setor para oferecer minério e apresentar seu modelo de negócio.
Uma dessas empresas da qual ele arrendava depósitos era a Extrativa Mineral, localizada na região de Nova Lima (MG). Em 2017, a Extrativa foi comprada pelo empresário — foi sua primeira mina de ferro, que hoje faz quase 4 milhões de toneladas/ano. Na aquisição vieram juntos direitos minerários da segunda mina, em Mariana. No final daquele ano, Kallas criou a holding Cedro Participações.
A partir daí, seu negócio cresceu. A Cedro Mineração, considerada uma mineradora de médio porte, é hoje o seu principal ativo. Mas o sonho de Kallas é se posicionar como a terceira maior mineradora de ferro do País — ou até a segunda — ainda antes do final da década. Hoje, já é a quinta — atrás da Vale, CSN Mineração, Anglo American e Samarco.
O projeto da Bamin cai como uma luva dentro desse plano, pois abre uma porta à Cedro para o mercado internacional. A depender do perfil societário da joint venture em fase de negociações com Vale e BNDESPar, a Cedro poderá vender, por ano, até 8 milhões de toneladas de minério de alta pureza. O produto é disputado por siderúrgicas de todo o mundo para redução de emissões de CO₂, dadas as suas características mais “limpas”.
Com as duas minas atuais em operação, a Cedro tem capacidade de produzir 7 milhões de toneladas de minério por ano. O plano é atingir 20 milhões com os projetos que estão em desenvolvimento na região de Barão de Cocais. São mais quatro minas: Dois Irmãos, Serra do Lessa, Vargem e Sapé. Para esses projetos está previsto um terminal ferroviário para movimentar 8 milhões de toneladas.
Mineração, setor imobiliário e agronegócio no foco
A Cedro Participações, cujo capital é 89% de Kallas e de sua irmã, avançou em várias frentes de negócios desde 2017. Hoje, atua no agronegócio, com produção de café arábica irrigado e grãos em Minas; em biomedicamentos (insulinas e anticoagulantes, com participação na farmacêutica mineira Biomm); em projetos imobiliários sob medida (built to suit) voltados para locação e também no alto padrão (condomínios de luxo); e pecuária em larga escala.
No ano passado, o grupo anunciou plano de construir uma mini ferrovia de 26 km na região de Serra Azul (MG) para transportar minério de ferro de empresas que têm operações na região e embarcam por caminhões até uma ferrovia maior. O investimento previsto é de R$ 1,8 bilhão.
Em 2008, quando seu foco de atuação era a construção civil, Kallas chegou a ser preso pela Polícia Federal no âmbito da Operação João de Barro, que investigou esquema de desvio de recursos de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Os valores, segundo a PF, eram desviados de obras de casas populares e estações de tratamento de esgoto.
Procurada, a assessoria do grupo Cedro informou que, “sobre a operação de 2008, relacionada a uma empresa de engenharia onde Lucas Kallas atuou como executivo, os fatos já foram devidamente esclarecidos na Justiça, restando apenas uma ação em andamento”. “As demais já foram encerradas, com total reconhecimento de inocência”, diz.
A sede do grupo fica em Belo Horizonte, mas o empresário vive constantemente circulando entre São Paulo, Brasília, Estado Unidos (Miami e Nova York) e outros locais. Na capital paulista, tem um escritório próximo da Avenida Faria Lima.
Na capital federal, já integrou “Conselhão”, grupo de empresários e membros da sociedade civil que tem encontros regulares com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
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Para estar em vários locais diferentes com maior rapidez, Kallas usa jato particular — pelo menos até o ano passado, era um Bombardier Challenger 605, de 12 lugares. Ele voa também para lugares onde avalia investimentos na área imobiliária, como condomínios de luxo em praias paradisíacas na costa brasileira, além de suas fazendas de café e gado no interior de Minas.
Em 2023, as viagens de Kallas a bordo da aeronave ganharam o noticiário nacional após reportagem da revista Piauí apontar que autoridades pegaram carona no jatinho, como uma procuradora da Fazenda e o procurador-geral de Justiça de Minas Gerais. O caso gerou uma investigação por parte do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que arquivou o processo no mesmo ano.
Sobre isso, a Cedro disse que a apuração do CNMP foi arquivada, por unanimidade, em 2023. E que a relação pessoal do empresário com um procurador de seu círculo de amizades não beneficiou qualquer caso envolvendo a Cedro ou Lucas Kallas.
Vendas para a Vale
O fato de a Cedro ser a eventual parceira da Vale na compra da Bamim, um negócio que pode ultrapassar os R$ 30 bilhões, pode causar uma certa estranheza, pelo porte atual da empresa. Mas, segundo pessoas envolvidas nas conversas disseram ao Estadão, isso não seria um complicador.
A empresa já produz 7 milhões de toneladas de minério de ferro por ano e tem projetos de triplicar o volume em três anos. Além disso, a companhia já tem uma relação comercial com a Vale, para quem vende parte de sua produção atual.
Pelo desenho do negócio atualmente em conversas, a Cedro teria entre 20% e 30% da Bamin — cuja previsão é de produção de 26 milhões de toneladas de minério por ano. Teria, portanto, de arcar com desembolsos bilionários.
Conforme informações recentes do empresário, apenas a Cedro Mineração deve faturar cerca de R$ 3 bilhões neste ano, podendo triplicar em três anos com as expansões previstas. Por sua parte, o grupo vai contar com mais uma parcela de receita de seus outros negócios.
Expansão e internacionalização, com minério ‘sustentável’
Nos planos de expansão e internacionalização de Kallas, o foco é a produção de minério mais sustentável, voltado para o processo chamado de redução direta, que tem maior valor agregado por ser um produto considerado “verde”. O chamado pellet feed geralmente tem 68% de teor de ferro e menor presença de elementos contaminantes (sílica, fósforo e alumina). É esse, em sua maioria, o minério da mina da Bamin.
O objetivo do empresário é substituir gradualmente em suas minas de ferro de Minas o sinter feed, o tipo de minério mais produzido no País e ainda o de maior uso na siderurgia mundial —, mas considerado mais poluente.
O perfil de produção da Cedro, previsto para 2028, prevê atingir 70% do volume como pellet feed. Para chegar a esse patamar, a previsão é investir em torno de R$ 8 bilhões de 2024 até o final de 2027 nos projetos em desenvolvimento.
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