O Brasil e o mundo chegam à Cúpula do Clima (COP-27) cercados por mais e maiores incertezas do que as existentes na edição anterior, realizada na Escócia, em novembro de 2021.
A grave crise energética enfrentada pela Europa, em consequência das sanções à Rússia, ameaça a observância dos prazos estabelecidos para realizar a transição da matriz energética global para fontes limpas e renováveis. Isso, por si só, exige a revisão dos acordos anteriores.
Será preciso, também, aumentar a transparência do processo de implementação dos dispositivos firmados no Acordo de Paris, em 2015. A proposta de criação do Fundo Climático, de US$ 100 bilhões por ano, a ser subscrito pelos países ricos para ajudar os países em desenvolvimento a diminuir suas emissões nunca saiu do papel. Como observa Guarany Osório, coordenador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGV), esse assunto deve voltar com mais força neste ano, porque a Cúpula será em um país africano.
Outro tema relevante à espera de definições da comunidade internacional é o do funcionamento do mercado global de crédito de carbono, o sistema que permite a transferência de “pontos” de um país que conseguiu combater agentes do efeito estufa para outros que obtiveram menos sucesso. Há muitas pontas soltas no modelo de funcionamento dos negócios de créditos entre os países, de como serão fiscalizadas as emissões e de como serão contabilizadas, a fim de evitar, por exemplo, episódios de greenwashing.
“Além da operacionalização internacional dessas regras de funcionamento, os países mais competentes terão também que ter uma estrutura de monitoramento bem definida para saber quantos créditos estão sendo gerados e utilizados pelas instituições internamente, e ter transparência não só entre os créditos transacionados e o quanto isso vai impactar na sua emissão, mas qualidade nos dados sobre as emissões, porque isso será fundamental para gerar integridade ambiental no sistema”, explica Osório.
Governança e transparência também estão entre os principais desafios do Brasil. O desprezo do governo Bolsonaro pela política ambiental trouxe enormes prejuízos – que não se resumem à perda de imagem no cenário internacional.
As emissões líquidas de gases de efeito estufa do Brasil atingiram em 2021 o maior nível em 15 anos, como apontam dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima. No governo Bolsonaro, as emissões avançaram em mais de 30%, impulsionadas pelo aumento dos desmatamentos e das queimadas na Amazônia.
O próximo governo já se comprometeu a restabelecer as obrigações ambientais anteriormente assumidas, a recuperar o protagonismo do País e, assim, voltar a firmar acordos econômicos. O pronunciamento do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na COP-27 deverá reafirmar essas posições.
Para Marina Marçal, coordenadora de Política Climática do Instituto Clima e Sociedade (iCS), isso deve ser consolidado em políticas que reestruturem a governança climática orientada pela justiça climática, com ações que ampliem os canais de diálogo entre o governo e a sociedade civil e diminuam o impacto das mudanças climáticas em populações vulneráveis e na distribuição de renda alinhada à sustentabilidade.
“Restaurando esses canais e estruturando a academia para que ela produza dados significativos que aumentem a transparência e o monitoramento das emissões brasileiras, nós conseguiremos criar uma estrutura de governança climática adequada para, a partir daí, escrevermos uma NDC (sigla em inglês para Contribuições Nacionalmente Determinadas, correspondente aos compromissos criados por cada país para a redução de emissões) em colaboração com toda a sociedade e que não seja reconhecida internacionalmente como insuficiente, como ela é agora no governo Bolsonaro”, afirma Marina. /COM PABLO SANTANA
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