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Jornalista e comentarista de economia

Opinião | A desistência da Ford

As condições para esse desfecho vêm do excessivo protecionismo, da incapacidade de competir no mercado internacional e do alto custo Brasil

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O fechamento das três fábricas da montadora americana Ford, depois de mais de cem anos de presença no Brasil, é um Boeing que despenca. Outros desastres o precederam. Em outubro do ano passado, a mesma Ford fechou a fábrica de caminhões de São Bernardo do Campo. E, em dezembro, a alemã Mercedes-Benz encerrou as atividades de sua montadora de automóveis em Iracemápolis, interior de São Paulo.

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A indústria automobilística do Brasil sofre ainda mais do mesmo mal de que sofrem as montadoras dos Estados Unidos. Ficaram para trás em tecnologia, enfrentam custos excessivos, são mal administradas e dependem demais do balão de oxigênio fornecido pelos governos.

Já em 1990, o então presidente Collor se referia ao setor no Brasil como “produtores de carroças”. Bolsonaro agora está dizendo que a Ford quer tetas por onde se dependurar. Pelas contas do Ministério da Economia, em dez anos, as montadoras do Brasil foram alimentadas pelo governo federal em nada menos que R$ 43,7 bilhões. A essa conta precisam ser acrescentados outros favores velhos de guerra: isenções e créditos de ICMS, doações em terrenos e infraestrutura, proteção alfandegária, acordos comerciais que atuam como reservas de mercado...

Uma das fábricas da montadora americana Ford ficava em São Bernardo do Campo (SP) Foto: Marcelo Gonçalves/Sigmapress

Vejam o que o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama escreveu no seu último livro (Uma terra prometida) sobre as matrizes das montadoras lá instaladas: “O mal que aflige as três principais fabricantes americanas de automóveis (Ford, GM e Chrysler) é má administração, produtos medíocres, concorrência estrangeira, planos de aposentadoria com mais passivos do que ativos, custos altíssimos com saúde, dependência excessiva na venda de SUVs, com alta margem de lucro e grande consumo de gasolina”. 

E não para por aí. Lá pelas tantas, deixa escapar um curto lamento: “Não consigo entender por que é que Detroit (capital da indústria de veículos nos Estados Unidos) não consegue produzir um maldito Corolla”. Se a situação por lá é essa, o que não dizer das filiais brasileiras?

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Essas e outras razões explicam por que uma única montadora moderna, a Tesla, dos Estados Unidos, que só vendeu 500 mil carros elétricos em 2020, tem um valor de mercado superior ao de todas as montadoras do mundo reunidas, cálculo que inclui a japonesa Toyota, a sul-coreana Hyundai e também as três tradicionais americanas que se dedicam à tecnologia convencional de carro a combustão.

Não é a queda do consumo em consequência da covid-19 nem a concorrência agressiva dos modelos japoneses, chineses e sul-coreanos que derrubaram a Ford no Brasil. Esse é um enfarte programado há anos e que não vai parar apenas nesse caso. É de uma inutilidade atroz o que disse o vice-presidente Hamilton Mourão: que a Ford poderia esperar um pouco mais para tomar essa decisão. É pretender que a agonia seja prolongada. 

Tem razão o governador da Bahia, Rui Costa (PT), quando afirma que o Brasil está virando um fazendão, querendo com isso advertir que a indústria de transformação, e não só a de veículos, está ameaçada.

Costa culpa a política industrial dos últimos cinco anos, querendo disso isentar o período petista no governo. Mas as condições para esse desfecho vêm de há mais tempo. Vêm do excessivo protecionismo, da incapacidade de competir no mercado internacional e, também, do alto custo Brasil: do sistema tributário escorchante, da infraestrutura insuficiente em rápido processo de sucateamento.

Se o diagnóstico é esse, o que teria de vir em seguida é claro. É preciso rumo. O País precisa saber o que quer. Se quer continuar a ter uma indústria que vive de espasmos graças a favores fiscais (estratégia que se mostrou fracassada); ou se quer uma indústria competitiva, capitalizada e independente. E têm de vir as reformas e a construção de um ambiente saudável, e não a artificialidade que está aí.

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Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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