As diretrizes para o programa de um governo Lula (2023-2026) se caracterizam mais pelo que não dizem do que pelo que dizem. Nos seus pronunciamentos, Lula tem sido mais claro.
Para começar, esse programa passa longe da contundência expressada em 2002 pela Carta ao Povo Brasileiro, quando o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou suas principais intenções e avisou que “preservará o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança”.
Essas diretrizes mencionam a necessidade de assegurar a responsabilidade fiscal, mas passam sinais contrários. Se eleito, o governo Lula revogará o teto dos gastos, mas não informa qual será a âncora fiscal.
Não importa se uma política econômica é neoliberal, social-democrata ou socialista. Não há como adotar um programa de governo sem equilíbrio fiscal, sem controle da inflação e sem fundamentos sólidos. No entanto, o programa sinaliza disparada das despesas públicas e multiplicação dos investimentos do Estado, enxurrada que tenderá a desarrumar tudo.
O documento avisa que será revogada a reforma trabalhista do governo Michel Temer (MDB), mas sem a volta do imposto sindical, que a reforma eliminou. Ou seja, nem tudo será revogado. Falta saber o que virá para o lugar do que for revogado.
A política de preços dos combustíveis deixará o critério da paridade com o mercado internacional. O texto deixa a entender que passarão a ser controlados, levando-se em conta os custos de produção. Ora, custo qualquer um põe onde quer... Também acena com obrigar a Petrobras a importar combustíveis para completar a oferta interna, o que implica vender abaixo do custo e desmantelar a concorrência. No parágrafo 58 indica, ainda, que a Petrobras será obrigada a investir em refinarias, contra a determinação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) de se desfazer de cinco delas.
Nos pronunciamentos, o candidato Lula é mais explícito. Adverte que abaterá o regime atual de preços a canetada e, com outra canetada, definirá os novos preços. Ele que se prepare. Se assumir em janeiro, poderá enfrentar nova escalada de preços, quando caducará a “PEC do Diesel” que zerará os impostos.
Lula também vem afirmando que reverterá a privatização da Eletrobras. Seu governo será contra a privatização dos Correios e do Pré-Sal Petróleo.
O texto afirma que a desindustrialização será revertida, mas não diz como. Não há nenhuma menção sobre a necessidade de garantir novos acordos comerciais que se destinassem a abrir mercado externo para a indústria brasileira.
Diz que é necessária uma reforma tributária, mas nada diz sobre o projeto de substituição do ICMS pelo IVA a ser cobrado no destino. Também ignora a necessidade de reforma política e administrativa.
Se o documento deveria ser um esboço para o debate, como está na abertura, faltam amarração e clareza para iniciá-lo.
*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA
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