Você que é aposentado ou já está de olho na aposentadoria futura, precisa preparar-se para mordidas crescentes na sua renda.
Há alguns dias, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, avisou que será preciso desvincular certos benefícios previdenciários da política de valorização do salário mínimo. Como já esperado, a advertência provocou gritarias de protesto e teve desmentidos inconvincentes. Essas e outras contorções não eliminam o imperativo da rápida deterioração das finanças da Previdência Social.
As contribuições, tanto dos trabalhadores quanto das empregadoras, são hoje apenas fração das despesas previdenciárias. Para 2024, a previsão de rombo que o Tesouro terá de tapar será de R$ 326,2 bilhões (2,45% do PIB). É volume que deverá crescer se nada vier a ser feito para enfrentar esse abismo. O déficit tenderá a saltar para R$ 1,1 trilhão, ou 3,3% do PIB, em 2045; para R$ 2,6 trilhões, ou 5% do PIB, em 2057; e para R$ 25,5 trilhões (10,3% do PIB), em 2100.
O descasamento não acontece apenas entre receitas e despesas. Avança para a relação entre contribuintes e beneficiários. Estimativas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) dão conta de que, em três décadas, o número de beneficiários suplantará o de contribuintes.
O colapso não se dá apenas entre contas que não fecham. Faliu miseravelmente o regime de caixa, aquele em que os trabalhadores da ativa (mais as empresas) cobrem o benefício dos aposentados.
As explicações estão aí. Ante a concorrência externa no pagamento dos benefícios, o sufoco das empresas ficou tão grande que passou a valer a pena substituir mão de obra por máquinas e robôs. A tecnologia da informação e os aplicativos fazem outro estrago. Cada vez mais trabalhadores são pejotizados ou atuam de forma autônoma. Querem ser microempreendedor individual, situação em que as contribuições previdenciárias são quase simbólicas.
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“Em um sistema com muitos tratamentos diferenciados, como o nosso, alguns mecanismos precisam ser repensados em termos de inclusão previdenciária e o MEI certamente é um deles porque as alíquotas cobradas não pagam os benefícios oferecidos, sendo um grande desafio para a atual estrutura de proteção social ”, explica o professor associado da Faculdade de Economia e Administração da USP Luís Eduardo Affonso.
Na outra ponta, a população vive cada vez mais e o tempo de aposentadoria vai se esticando. Além disso, governo após governo vem garantindo concessões que distorcem o sistema.
Affonso pontua que será preciso prever o aumento automático da idade de aposentadoria sempre que a expectativa de sobrevida avançar. “Não há como manter a sustentabilidade do sistema previdenciário se ele não for adaptado às condições demográficas. O tempo vem mostrando que a questão da idade causa um grande impacto no regime e isso precisa ser revisto com urgência.”
Há, ainda, a necessidade de se discutir o sistema de proteção social dos militares, incluindo a contribuição para financiamento do período de inatividade, já que a contribuição militar é apenas sobre as pensões.
Rogério Nagamine, ex-secretário do Regime Geral da Previdência Social, recomenda a correção de dois erros nas próximas reformas: a atual exclusão dos servidores estaduais e municipais das regras gerais de aposentadoria (idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres; além de tempo de contribuição para o INSS de pelo menos 15 anos) e as regras para a aposentadoria rural.
Sejam quais forem os arranjos destinados a obter algum reequilíbrio do sistema, parece inevitável que algum governo tome medidas amargas para salvar a Previdência e as contas públicas.
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