EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Jornalista e comentarista de economia

Opinião | O Brasil e a Vaca Muerta

Se o financiamento for confirmado, o projeto trombaria com os compromissos ambientais assumidos pelo presidente Lula

PUBLICIDADE

Foto do author Celso Ming

O presidente Lula está obcecado por ajudar a Argentina a construir um gasoduto de mais de 400 quilômetros. A ideia é levar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a financiar a exportação por empresas do Brasil de tubos de aço sem costura e outros materiais a serem utilizados na segunda etapa da construção do Gasoduto Presidente Néstor Kirchner.

PUBLICIDADE

Há um punhado de razões geopolíticas para essa iniciativa, algumas admitidas e outras indizíveis, digamos assim.

O Brasil precisa de gás porque a produção nacional é insuficiente para as necessidades da economia. Desse ponto de vista, a proposta faz sentido.

A Argentina precisa de desenvolvimento urgente e de mercado para o gás a ser produzido na imensa área de xisto betuminoso denominada Vaca Muerta, uma das maiores do mundo, que fica na Patagônia.

Publicidade

A razão indizível é a de que a China quer pagar as exportações da Argentina em yuan, a moeda de lá, e não mais em dólares. Como não há o que fazer com esses yuans senão gastá-los em importações da China, cresce a ameaça de estreitamento do mercado de exportações do Brasil para a Argentina. Enfim, aí está a razão principal pela qual este seria um projeto de Estado, e não de governo, como diz Lula.

Há os problemas. Se tudo der certo, esse gasoduto pode levar mais de dois anos para entrar em operação. Só a partir de então, a Argentina teria condições de exportar gás para o Brasil, com o que pagaria o fornecimento dos materiais brasileiros.

A Argentina precisa desesperadamente de dólares. Não é por outra razão que o presidente argentino, Alberto Fernández, se encontrou cinco vezes neste ano com o presidente Lula. Ou seja, esse plano não resolve o problema da hora da Argentina.

A rigor, tanto empresas, como famílias e pessoas físicas da Argentina guardam US$ 250 bilhões – pode ser mais, pode ser menos – ou em bancos no exterior ou no forro dos colchões. O problema aí não é propriamente a falta de dólares, mas a falta de confiança na condução da economia que as obriga a trocarem por moeda forte suas poupanças em pesos, que derrete à proporção de uma inflação de 114% em 12 meses.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, já se encontrou cinco vezes com o presidente Lula em 2023.  Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Além desse gasoduto até a fronteira do Brasil, seria necessário prever sua extensão até Porto Alegre e daí para outros destinos do Brasil. É outro projeto. O segundo trecho do gasoduto ligará a província de Buenos Aires até a província de Santa Fé - norte da Argentina.

Publicidade

A proposta do presidente Lula é que o BNDES desempenhe funções de banco financiador de exportações, ou seja, de uma espécie de Eximbank, a agência que executa esse papel nos Estados Unidos. Mas isso exige mudanças de porte no BNDES.

A produção desse gás requer o craqueamento da rocha pela injeção, sob alta pressão, de um composto de água, areia e produtos químicos - em um processo chamado de fracking. Além de consumir grandes quantidades de água, seria inevitável a contaminação dos aquíferos e dos lençóis freáticos. Daí a oposição dos ambientalistas à produção desse gás.

Se for levado adiante, esse projeto trombaria com os compromissos ambientais assumidos pelo presidente Lula.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.