O cenário é preocupante. As pessoas físicas com renda de até dois salários mínimos (R$ 2.640) têm uma dívida acumulada de R$ 100 bilhões registrada em cadastros de inadimplentes. E as demais, dívidas de até R$ 300 bilhões. São, ao todo, 72 milhões de CPFs negativados, ou 34% da população brasileira, segundo os dados mais recentes da Serasa Experian.
O secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, ponderou a esta Coluna que essa situação se agravou com a pandemia. Por isso, ele afirma, o Programa Desenrola Brasil, que promove a renegociação das dívidas de pessoas físicas, vem apenas para atender a uma emergência, e não vai ter outras edições.
Aí está uma afirmação que é melhor não levar ao pé da letra. No país em que o endividamento é estimulado desde os tempos do fiado e em que só dívida de jogo é levada a sério, não dá para confiar no que os ingleses chamam de “once and for all”.
As pessoas não devem apenas para os bancos. Devem para o cartão de crédito; para o condomínio; para o consórcio; para as empresas de serviço de água, luz, telefonia e gás; para os Departamentos de Trânsito (multas); para a Receita Federal; e para as prefeituras (IPTU). As instituições públicas estão fora dessa renegociação.
“O programa foca nas dívidas privadas, que são a maioria nos cadastros de inadimplência. E há, ainda, limitações com a Lei de Responsabilidade Fiscal que dificultam a inserção dos débitos com a União ou entidades públicas – por isso entendemos que cada ente possa fazer o seu próprio programa de renegociação”, explica o secretário.
Dividido em duas faixas, a primeira contempla pessoas com renda bruta mensal de até 2 salários mínimos ou que estejam inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), com dívidas que poderão ser renegociadas de até R$ 5 mil. O segundo público-alvo do programa são as pessoas físicas com débitos financeiros que tenham renda mensal de até R$ 20 mil.
Também ficam de fora do Desenrola Brasil as dívidas de crédito rural, financiamento imobiliário, créditos com garantia real, operações com funding ou risco de terceiros e dívidas que não tenham o risco de crédito integralmente assumido pelos agentes financeiros.
Ainda assim, a participação no leilão pelos credores para aferir os melhores descontos é um desafio e tanto. Nem os bancos sabem o que seus clientes devem para outros bancos, o que complica a administração do risco de crédito.
São duas as principais objeções de princípio sobre o programa. Número 1, as causas do alto endividamento permanecem. O poder aquisitivo da população está ralo, o crescimento econômico é pífio, a inflação continua esmerilhando os salários e as oportunidades para melhorar de vida são raras.
Outra crítica: o risco moral (moral hazard). O perdão de dívidas premia a inadimplência. Os que respeitam os contratos de crédito são desestimulados. Como já acontece há anos com o Refis (perdão e prolongamento de prazos de dívidas de empresas com a Receita Federal), que se perpetua e é sempre renovado, a tendência é de que este ou outros tipos de Desenrola se repitam.
Uma data de corte dos registros de inadimplência, 31 de dezembro de 2022, foi definida para que não apareçam dívidas fictícias e o risco moral tenha algum limite. Mas a cultura do “pendura aí” foi reforçada. Por outro lado, não fazer nada pode ser pior.
O programa é complexo, bota no mesmo pacote situações diferentes de dívida, envolve muitas instituições e exige o uso da internet para acesso à plataforma de leilões, o que pode ser um entrave, especialmente para a população mais pobre.
Para isso, segundo Barbosa Pinto, o governo está estudando criar mecanismos, como centrais com computadores e acesso à internet, para apoiar as pessoas da faixa 1 que terão suas dívidas renegociadas exclusivamente na plataforma do Desenrola Brasil.
“Identificamos que as maiores dificuldades podem estar na qualidade da rede de internet para navegar no portal de operacionalização do programa e para finalizar a jornada dentro da própria plataforma. Vamos tentar fazer isso da maneira mais amigável possível para que a população renegocie a sua dívida e consigamos ter o efeito desejado com o programa”.
Falta saber se, apesar de tudo, essa iniciativa terá sucesso. /COM PABLO SANTANA
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