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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|O Tesouro insaciável e o crédito

Ao operar com grande rombo nas contas públicas, o governo encarece e limita a oferta de crédito no mercado

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Atualização:

São duas as queixas recorrentes do governo Lula sobre a atividade dos bancos: cobrança de spread (diferença entre juros pagos e juros cobrados) elevado demais e o crédito escasso para as necessidades da economia.

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O principal fator responsável pelo encarecimento e escassez do crédito é o governo, porque opera com grande rombo nas contas públicas. Quanto maior o déficit fiscal, mais o Tesouro tem de tomar empréstimos ao setor privado para cobrir o que falta.

Como a dívida pública do Brasil é maior do que poderia ser, como acabou de denunciar o Fundo Monetário Internacional e está sendo admitido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o Tesouro se transforma em sorvedouro da poupança interna e deixa menos recursos para o crédito destinado ao setor privado. O gráfico mostra que a dívida pública federal fica com boa parte dos recursos.

Por simples efeito da lei da oferta e da procura, quanto maior a demanda por crédito, mais alto é o preço interno do dinheiro, que são os juros praticados no mercado. Por esse lado, não é o Banco Central que puxa pelos juros, é o mercado.

A roda não para aí. Juros mais altos cobrados na venda de títulos públicos aumentam a despesa do Tesouro, que incorpora os juros à dívida. Assim, juros mais altos pagos pela dívida pública tendem a estreitar a oferta de crédito.

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O aumento da dívida interna produz outra situação que cria um vício no jogo dos bancos. Quando o Tesouro aumenta a demanda por recursos, os bancos agradecem e se concentram nas chamadas operações de tesouraria, que são os empréstimos ao Tesouro ou compra de títulos públicos.

Operações de tesouraria dispensam análise e administração de risco, porque o Tesouro é o cliente mais seguro que há. E se os bancos embotam suas áreas de administração de risco, acabam por ficar mais vulneráveis no financiamento ao setor privado. Daí o aumento à propensão à inadimplência que, por sua vez, afeta o tal spread bancário.

Sem falar que a administração de risco exige expertise em áreas novas como as do campo ambiental, onde desastres naturais (como os provocados por enchentes e tufões) ou resultados de administrações irresponsáveis (como o rompimento de barragens de contenção de resíduos) podem inviabilizar o retorno de financiamentos bancários.

A enorme concorrência do Tesouro no mercado do crédito no Brasil está longe de desembocar no paroxismo a que chegou a Argentina, onde o Tesouro absorve todo o crédito local e não deixa nada para os demais.

Sem a adoção de uma política fiscal responsável, a rápida expansão da dívida pública brasileira pode puxar para uma situação parecida com a da Argentina

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Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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