O economista Affonso Celso Pastore (1939-2024), um dos mais respeitados de uma geração de grandes pensadores brasileiros em economia, não foi apenas o professor obcecado pelo rigor analítico quando o assunto era economia e política econômica. Ele sempre se empenhou em repassar para frente o que sabia, para alunos, para jornalistas, para o público interessado nessas coisas que parecem tão difíceis para quem não tem muita afinidade com a ciência que começou com Adam Smith.
Sua morte, nesta quarta-feira, deixa enorme vazio de interesse público, competência profissional e disponibilidade.
Às vezes seus textos pareciam voltados aos iniciados. Mas essa tendia a não passar de uma primeira impressão. Bastava um pouco mais de atenção para que qualquer desacostumado com o jargão da guilda dos economistas sorvesse seus raciocínios sempre coerentes, com começo, meio, fim – e consequência.
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Não se contentava, como outros de seu tempo, em incrementar seu próprio saber acadêmico. Tinha por missão pessoal transmitir conhecimentos, nas suas aulas, nos livros e nas entrevistas frequentes às TVS, rádios e jornais, que a ele recorriam diante da necessidade de melhor entendimento. Por isso mesmo, se pintava um bom debate, lá estava o Pastore, com sua cara séria, olhos vivos e lógica aos borbotões.
Não se incomodava se seus interlocutores revelavam alguma puxada para campos ideológicos alternativos. Podiam ser desenvolvimentistas, estatistas e centralizadores, liberais ou ortodoxos – cada qual com suas convicções e com seu jeito de pensar. Mas de todos exigia consistência. Consistência, para ele, sempre implicou solidez na definição dos fundamentos da economia. E, em política econômica, essa solidez começa com o equilíbrio nas contas públicas.
Equilíbrio nas contas públicas, explicava ele, não significa necessariamente superávits fiscais sucessivos, como vagões de um trem. Mas todo o déficit tem de ter contrapartida em financiamentos firmes, que se baseiam na confiança de que a dívida será honrada.
E isso não vale apenas para a área fiscal. Um déficit nas contas externas, por exemplo, pode indicar necessidade de maiores importações destinadas ao desenvolvimento. Mas, outra vez, avisava Pastore, tem de ter contrapartida de entrada de capitais correspondentes.
Como presidente do Banco Central durante o período Figueiredo, enfrentou dois enormes problemas: a crise da dívida externa que exigia negociações duras e intermináveis com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e com os credores; e o fim de feira do regime militar e a instabilidade política daí derivada. Mas dessas diatribes saiu ainda mais respeitado.
Pastore nos vai fazer muita falta, especialmente agora quando este país parece tomado pela superficialidade e pelas ligeirezas.
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