“Al volver la vista atrás/ se ve la senda que nunca/ se ha de volver a pisar”, cantava o poeta Antonio Machado.
Voltar a vista atrás para a economia de 2024 deixa um sentimento ambíguo. Quem olha apenas para os resultados imediatos, tem um balanço positivo. Mas quem repara nos rastros deixados pelas pisadas nota certo desarranjo.
É a atividade econômica crescendo a ritmo invejável, de 3,5%; é o desemprego de 6,1%, o mais baixo desde 2012; a inflação que não deverá passar dos 5,0%; e as contas externas – pesadelo dos anos 1970 e 1980 – continuam exuberantes.
O que houve de pior aqui no Brasil foram as enchentes nunca vistas no Rio Grande do Sul, que produziram prejuízos que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) avaliou em R$ 89 bilhões. Mas o desastre expôs um lado positivo: a enorme resiliência e a capacidade de recuperação do povo gaúcho, graças, em boa parte, às transferências de recursos de outros brasileiros e do governo federal.
E houve outras coisas boas. Do jeito que deu, saiu a reforma que vai simplificar e modernizar o caótico regime tributário. Depois de 20 anos de negociação, foi aprovado o Acordo Mercosul–União Europeia, ainda a ser ratificado pelos países signatários.
A máquina produziu essas e outras coisas boas, mas acusa um ronco esquisito. Os juros básicos (Selic) fecharam o ano a 12,25% em 12 meses, mas em março, como já sinalizou o Banco Central, estarão nos 14,25%, para combater uma inflação crescente; o dólar saltou para acima dos R$ 6 e não dá sinais de que vá recuar; o crescimento do PIB enfrentará desaceleração acentuada, que se presume não passará dos 2%; a dívida pública ameaça saltar para os 100% do PIB; os investimentos entraram no modo pinga-pinga.
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Por trás do ronco esquisito está a rápida deterioração das contas públicas. Em 2024, a gastança prevaleceu sobre a responsabilidade fiscal. O remendo aprovado no fim do ano foi insuficiente e não evitará novos vazamentos.
Lá fora, o grande fato político de 2024 foi a reeleição de Donald Trump para a presidência da maior economia do mundo. E lá vem ele prometendo raios e trovoadas, protecionismo e confronto com a China.
Por falar em China, esse Império do Meio continua em rápida expansão mundo afora, mas com grave crise interna, especialmente na área imobiliária, situação que compromete a rede bancária, credora de empresas que estão capengando. Os dois países líderes da União Europeia, Alemanha e França, sofrem do mal das pernas.
Não dá para concordar com o poeta de que não voltaremos a pisar nos rastros passados.
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