Afinal, Javier Milei, o que se intitula anarcocapitalista e libertário, assume neste domingo seu posto na Casa Rosada, a sede da presidência da República da Argentina.
Por enquanto, a política econômica a ser adotada não terá nada a ver com dolarização nem com fechamento do banco central, tônicas na campanha. Terá mais a ver com terra arrasada.
Nesta segunda-feira, o Congresso argentino receberá para análise e votação um pacote demolidor de reformas, que por lá chamam de “Lei Ônibus”, cujo conteúdo ainda não se conhece.
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Como o grande problema econômico é o rombo nas contas públicas, avaliado em alguma coisa em torno de 15% do PIB, o principal objetivo desse conjunto de leis será impor um choque fiscal imediato.
Esperam-se cortes drásticos nas subvenções e subsídios; redução das múltiplas modalidades de câmbio, decisão que, na prática, equivale a forte desvalorização da moeda; e liberação dos preços hoje represados.
Parece inevitável o adiamento compulsório do vencimento das Leliqs, títulos do banco central, com vencimento de 28 dias e juros do olho da cara. Não está claro se o “Ônibus” já incluirá o início do processo de privatização da YPF (petróleo e gás), Aerolíneas e da Aysa (águas e esgotos). Mas a proposta é essa.
Pergunta crucial consiste em saber se o Congresso, potencialmente hostil, aprovará essas bombas. Por aí se verá a capacidade de articulação de quem se apresentou até agora contra as “castas” que mandam e desmandam no país.
Se aprovado, o choque fiscal produzirá destruição que se imagina criativa. A inflação se aproximará dos 200% ao ano; aumentará o número de pobres, que já são 40% da população; salários e aposentadorias serão rapidamente corroídos. Mas o déficit fiscal, a causa de todos os males, poderá ter forte recuo para alguma coisa próxima dos 5% do PIB. Somente depois de piorarem muito é que as condições internas poderão começar a melhorar.
Por enquanto, Milei conta com dois fatores favoráveis para não ser triturado politicamente: o alto capital em votos arrancado nas eleições e a falta de opções indolores para o atual descalabro econômico. Mas vai ser cobrado por estelionato eleitoral – por não transformar imediatamente em políticas públicas o que pregou na campanha.
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As relações com o governo brasileiro começaram mal. O presidente Lula jogou todas as suas fichas na candidatura do continuísta Sergio Massa. Manobrou para que o governo peronista de Alberto Fernández, do qual Massa é ministro da Economia, recebesse alguns bilhões em injeções na veia. E mandou uma equipe de marqueteiros do PT para empinar a candidatura de Massa, mas Lula perdeu essa e agora terá de enfrentar a má vontade de Milei.
Análises à parte, tudo em Buenos Aires poderá ser impactante. Os prognósticos trazem dúvidas e mais dúvidas e quase nenhuma certeza. A conferir.
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