BRASÍLIA - Manobra de contabilidade criativa incluída em projeto que será votado no Congresso para liberar emendas do orçamento secreto altera o entendimento sobre a forma de apuração do teto de gastos e pode ser considerada inconstitucional.
Essa é a avaliação de técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) e da área econômica do governo ouvidos pelo Estadão, que falaram na condição de anonimato devido à sensibilidade política do projeto e os interesses que rondam a votação para liberar R$ 7,9 bilhões de emendas do orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão que consiste na transferência de verba a parlamentares sem critérios de transferência em troca de apoio político.
A percepção dos técnicos é a de que se trata de mais um “aviltamento” do Orçamento via lei. Um modo de alterar a Constituição Federal por meio de PLN, que são projetos que tratam de matéria orçamentária de iniciativa exclusiva do Poder Executivo.
O Estadão revelou na segunda-feira, 21, que lideranças do Congresso articularam a inclusão em projeto (PLN 39) de uma série de artifícios para abrir espaço no orçamento deste ano. A votação estava prevista para esta terça na Comissão Mista de Orçamento (CMO), mas foi adiada depois que esta reportagem publicou o alerta do TCU. Se aprovado, o projeto segue para apreciação pelo plenário do Congresso.
As alterações foram incluídas pelo relator do projeto, deputado AJ Albuquerque (CE), do Progressista (PP), partido do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (AL). Os parlamentares têm pressa para garantir o aumento das despesas ainda este ano.
O parecer faz ajustes na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para abrir espaço no teto em 2022. Entre eles, não será preciso cancelar despesa para cumprir o limite do teto de gastos, se houver ajuste de caixa. Essa manobra permite “jogar” a despesa para o ano seguinte.
“Querem embarrigar a Lei Paulo Gustavo. Essa é a pedalada”, disse o líder do PT na CMO, deputado Enio Verri (PR). Nos bastidores, aliados do governo se movimentam para tentar voltar a proposta na quarta-feira, 23, mas ainda não é consenso.
A Lei Paulo Gustavo, da Cultura, também só terá limite aberto do que for gasto em 2022, e não o valor inteiro de R$ 3,86 bilhões. O parecer também altera o cronograma de despesa obrigatória para abrir espaço no teto. Essa mudança permite que o governo não empenhe (faça a primeira etapa do gasto, quando é feita a reserva do dinheiro para bancar a despesa) a despesa obrigatória (como salários e aposentadorias), e o saldo é usado como espaço no teto de gastos.
O texto é muito técnico e o impacto no teto de gastos na maioria das vezes só é perceptível aos olhos de especialistas em orçamento muito tarimbados.
Hoje, o governo tem R$ 10,5 bilhões de gastos bloqueados. Desse total, R$ 7,9 bilhões em emendas de relator foram bloqueadas pela equipe econômica para não furar em 2022 o teto de gastos, que atrela o crescimento das despesas à inflação.
Os líderes dos partidos pressionam pela liberação desses recursos que, na prática, como mostrou o Estadão, funcionam como moeda de troca nas negociações das votações e, sobretudo, nos acertos para a escolha dos futuros presidentes da Câmara e do Senado. A manobra tem apoio do Palácio do Planalto.
As lideranças têm pressa porque o governo anuncia nesta terça o último Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, que vai apontar o futuro do bloqueio até o fim do ano.
Inicialmente, o projeto do governo ampliava o prazo para o envio de propostas de abertura de créditos adicionais para remanejar despesas do Orçamento de 2022. Esses créditos suplementares são comuns no fim de cada ano.
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