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Centro-Oeste ruma para ter a menor desigualdade do Brasil, no rastro do sucesso do agronegócio

Investimentos no campo vêm gerando riqueza ininterruptamente em uma área que detinha participação pequena no PIB décadas atrás; série de reportagens que começa a ser publicada nesta terça vai mostrar as mudanças em curso na região

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Foto do author Cristiane Barbieri
Atualização:

Desde que o IBGE começou a abrir os dados trimestrais de crescimento do PIB, em 1986, não houve um período sequer no qual o agronegócio não tenha crescido mais do que o resto da economia do País. Tamanha injeção de dinheiro por anos a fio, nos Estados que respondem por mais da metade da produção agropecuária brasileira, começa a se refletir também na queda da desigualdade social, medida pelo índice de Gini.

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Após ultrapassar o Sudeste no indicador de todas as rendas do trabalhador e manter a conquista nos últimos cinco anos, o Centro-Oeste caminha agora em um movimento no qual pode liderar o índice no País, superando o da região Sul, segundo economistas.

Num primeiro momento, o impacto do agronegócio foi a geração de riqueza em Estados que tinham pouca participação no PIB. Segundo levantamento da consultoria MB Associados, considerando as projeções para 2023 e 2024, o Mato Grosso deve crescer 782% desde 1986, quando o IBGE também começou a disponibilizar os dados de PIB estaduais. Mato Grosso do Sul também aparece na lista dos cinco maiores crescimentos entre os Estados, com alta de 307% no período.

Eles dividem a posição de maiores altas porcentuais com Estados do Norte, que foram beneficiados por outros fatores, além do agronegócio. Além da base pequena de comparação, o crescimento do Amazonas foi estimulado pela Zona Franca de Manaus no período, e Roraima e Amapá tiveram a entrada massiva de migrantes de diferentes países latino-americanos.

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Esse movimento fez com que a participação do Sudeste na geração de riqueza do País caísse de 56,1%, em 2010, para 51,9%, em 2020. Por outro lado, a do Centro-Oeste foi de 9,1% para 10,4% no mesmo período. As outras regiões também ganharam em torno de um ponto porcentual de participação no PIB.

Para economistas, tendência é que benefícios da riqueza gerada pelo agronegócio no Centro-Oeste se espalhem de maneira generalizada por toda a economia Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“Há uma tendência clara de descentralizar a produção de riqueza, com o Sul e o Sudeste perdendo força, e o Centro-Oeste, que é uma região pujante há muito tempo, ganhando peso”, diz a economista Ana Carla Abrão Costa, vice-presidente de novos negócios da B3 e ex-secretária da Fazenda do Estado de Goiás.

“Por ser uma região muito produtiva, criam-se externalidades positivas claras, principalmente ligadas à renda, e era evidente que, uma hora, os bons indicadores em outras áreas começassem a aparecer.”

Gerada a riqueza, dizem os economistas, a tendência é que seus benefícios se espalhem de maneira generalizada por toda a economia. “Com os índices sociais melhorando, a expectativa de vida, a saúde e a educação no Centro-Oeste têm se aproximado rapidamente da região Sul, que tem história de décadas de desenvolvimento e produção industrial”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.

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“O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) das duas regiões já é parecido e não é de se admirar se, até o fim da década, o índice de Gini do Centro-Oeste ultrapassar o do Sul e se tornar o maior do País até o fim da década. É uma promessa que, se olharmos os últimos 30 anos, tende a se cumprir.”

No ano passado, o Sul liderava o índice de Gini medido por todas as rendas do trabalhador, com a marca de 0,43 (quanto mais próximo de zero, menor a desigualdade social). O Centro-Oeste tinha 0,473 no indicador, e o Sudeste, 0,479. O Nordeste é a região de pior classificação, com a marca de 0,501. Individualmente, os Estados do Centro-Oeste têm índices bem próximos aos do Sul, mas o número é distorcido pelo Distrito Federal, onde o salário do funcionalismo público aumenta a desigualdade.

Fazenda de milho em Mato Grosso do Sul; continuidade do crescimento da região é ameaçada pelo acirramento das condições climáticas extremas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“Essa melhora da condição de vida da população não é uma situação pontual, causada por um governo”, afirma Ana Carla. “A tendência de mudança vem lá de trás e, na educação, que é uma área em que os resultados aparecem no longo prazo, começou a mudar há mais de 20 anos. Goiás, por exemplo, se inspirou no Ceará e viu a evasão escolar recuar 54% em quatro anos, e os Idebs (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) têm melhorado constantemente.”

Com a melhora das condições econômicas da região, até mesmo os fundos constitucionais de financiamento, criados no Orçamento da União para ajudar no desenvolvimento econômico e social das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, teriam de ser rediscutidos, diz Vale. “O Centro-Oeste não é mais uma região pobre”, diz ele. Uma das ameaças à continuidade do crescimento, diz, pode ser o acirramento das condições climáticas extremas, que têm impacto direto no agronegócio.

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Falta de mão de obra, seja ela qualificada ou não, é uma constante na região, em empresas de todos os setores Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Desafios

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Na última semana de setembro, o Estadão/Broadcast percorreu mais de 1,7 mil quilômetros, em três Estados da região, para entender as mudanças e as dificuldades dessa transformação. Se, por um lado, há investimentos e iniciativas que marcam avanços profundos, de outro há resistências à transformação e dificuldades de todas as ordens.

Em Cuiabá, por exemplo, há crianças que não querem receber tablets e internet cedidos pelo governo do Estado porque terão de fazer lição de casa extra. Em Goiânia, há filas de empresas para serem incubadas no Parque Tecnológico Samambaia, que por anos não conseguiu acesso a financiamento público e cresce por “rajadas”, sem ter como fazer muito planejamento. Em Campo Grande, houve resistência ao registro e ao acompanhamento de métricas de saúde, assim que os sistemas foram implantados.

Parque tecnológico Samambaia, na Universidade Federal de Goiás  Foto: Tiago Queiroz/EStadão

Em empresas de todos os setores, principalmente em indústrias mais tecnológicas, a falta de mão de obra é uma constante, seja ela qualificada ou não. Profissionais são trazidos de outros Estados para todas as funções. A SoluBio, em Jataí (GO), estava há mais de 20 horas sem energia elétrica, quando a reportagem visitou a empresa. Teve de acionar geradores, ao custo de R$ 1 mil por hora. “Os desafios em todos os sentidos são muito grandes”, diz Felipe Miranda, diretor operacional da SoluBio. “Vai ser interessante ver se essa mudança vai mesmo acontecer.”

Esses e outros pequenos retratos do desenvolvimento da região serão mostrados nesta série de reportagens especiais que serão publicadas ao longo dos próximos dias.

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