O comentário publicado no Instagram pelo presidente do G4 educação, Tallis Gomes, no qual ele diz “Deus me livre de mulher CEO”, provocou uma série de publicações nas redes sociais, especialmente no Linkedin, feitas por executivas que criticaram a fala e reforçavam o orgulho de serem executivas mulheres.
A presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros, fez menção indireta ao caso durante palestra em Nova York na quinta-feira, 19, no Pacto Global da ONU. A mediadora, Ana Fontes, da Rede Mulher Empreendedora, abriu o debate questionando se estava “tudo bem ser uma mulher CEO à frente de um banco”. “Gente, está tudo ótimo”, respondeu Medeiros, aplaudida pelos presentes. A mediadora contextualizou a plateia e disse que havia polêmica nas redes sociais sobre o assunto. Tarciana Medeiros seguiu falando que está trabalhando para que a geração dela seja a última geração das “primeiras mulheres” em determinados cargos.
Em publicação no Instagram na quarta-feira, 18, Tallis Gomes havia escrito que, “salvo raras exceções, essa mulher (CEO) vai passar por um processo de masculinização que vai colocar meu lar em quarto plano, eu em terceiro plano e os meus filhos em segundo plano”. Ele também disse que posições como a dele exigem que o CEO seja “muito cascudo para suportar” e que “o mundo começou a desabar exatamente quando o movimento feminista começou a obrigar a mulher a fazer papel de homem” e que a mulher deve usar “a energia feminina nos lugares certos, lar e família”.
Depois da primeira postagem, quando o tema havia repercutido em grupos de WhatsApp que incluem advogadas e mulheres do setor empresarial, Gomes fez nova publicação, na qual pediu desculpas pelo “erro” e disse ter sido “infeliz ao dizer qual tipo de mulher eu gostaria para a minha vida”. Antes da retratação, ele também recebeu comentários, nas redes sociais, de mulheres ex-alunas do G4 que diziam ter se arrependido de ter pago pelos cursos da empresa.
“Em momento algum no meu texto eu quis questionar a capacidade de uma mulher ser CEO, disse única e exclusivamente, com as palavras erradas e com o tom errado, quem eu gostaria do meu lado como minha mulher”, disse Gomes, na retratação.
Procurado, o empresários não respondeu à reportagem. O G4 Educação, por meio de nota, afirmou que Gomes errou e que o posicionamento do presidente “não representa a empresa nem sua trajetória” (veja abaixo a íntegra da manifestação).
A retratação, porém, não foi suficiente para conter a repercussão negativa. Nomes como Luiza Helena Trajano, do Magalu, Gabriela Onofre, do grupo Publicis, a influenciadora Nathália Rodrigues, do canal Nath Finanças, Carol Paiffer, do grupo Atom, entre outras mulheres que lideram grandes companhias, usaram a rede para rebater o comentário e também enaltecer o trabalho de outras executivas.
Presidente do Publicis Groupe no Brasil, Gabriela Onofre usou o Linkedin para destacar o papel das mulheres que chefiam os negócios. A executiva disse comemorar não ser a única mulher no mercado, mas uma das diversas gestoras que ocupam o alto escalão das companhias. “Sou CEO. Sou Mulher. Sou Mãe. Sou Esposa. Gero milhões em Ebitda. E que felicidade saber que sou apenas uma entre milhares”, publicou na plataforma.
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CEO e fundadora da agência de relações públicas Pros — do grupo americano Stagwell —, Daniela Graicar, lamentou a publicação de Gomes, lembrando que comentários como o do fundador do G4 Educação foram responsáveis por incentivar a criação do movimento Aladas, que treina e incentiva a carreira de mulheres no mundo dos negócios. “Sim, sou mulher, CEO, empreendedora e minha vida é isso e muito mais. Sou (muito bem) casada, mãe de 3 rapazes, amiga de uma galera, apaixonada por tênis, viagens, conteúdo e por encorajar mulheres a perseguir seus sonhos. Eu aguento a pressão do dia a dia de CEO há muitos anos, todos os dias. Eu já chorei, já pensei em desistir, mas nunca deixei de acreditar em mim. Deus me livre não ser o que eu quiser ser”, escreveu.
A advogada tributarista Glaucia Lauletta, sócia do escritório Mattos Filho, publicou em sua rede social que a ausência de mulheres em posições de liderança se deve, principalmente, “ao reforço de estereótipos equivocados e à disseminação de crenças limitantes”.
“Tudo isso alimenta o inconsciente e o consciente coletivos, que ainda tendem a reduzir a mulher a único papel, em geral de subserviência. Negar à mulher simetria de oportunidades é injusto, vergonhoso e indigno. Além de ser um enorme desperdício. As lideranças desse mundo defeituoso em que vivemos são ocupadas, predominantemente, por um único padrão. A diversidade, em todos os seus aspectos, é o único caminho para consertarmos o que foi feito. Limitar a capacidade e a ambição da mulher é ignorância e uma total desconexão com a realidade. Indignação é muito pouco, queremos ações e mudanças. Não há mais tempo a perder”, escreveu Lauletta.
A fundadora do canal Nath Finanças, Nathália Rodrigues, lembrou que no setor financeiro, onde atua, é comum que a opinião de mulheres sejam frequentemente descartadas, em um mercado majoritariamente liderado por homens. “Quando o assunto é ‘economia doméstica’, aí sim se lembram das mulheres. Esse é um projeto claro de manter as mulheres sempre em posições subordinadas. Mas existem mulheres incríveis como CEOs. Mulheres, vamos continuar nos formando e compartilhando nossas conquistas”, escreveu a empresária.
Greta Paz, fundadora da empresa Eyxo, publicou no Instagram: “Campanha deixa de seguir o Tallis Gomes e vai seguir uma mulher CEO”, que teve mais de mil comentários.
Na sua conta oficial no Instagram, a diretora-presidente da Atom Educacional, Carol Paiffer, rebateu os comentários de Gomes, sem citá-lo diretamente: “Minha humilde opinião. Se você tem medo de perder seu parceiro (a) para o trabalho, repense sobre isso”, publicou a executiva ao explicar que recebeu inúmeras mensagens sobre o caso de comentários machistas do fundador do G4 Educação. “Ontem recebi muitas mensagens sobre ser CEO e como isso realmente está ligado ao sonho de liderar e fazer a diferença em uma empresa e entre seus colaboradores. Isso não é uma questão de gênero, ou ‘energia’; é sobre conhecimento e capacidade”, escreveu.
A presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, Luiza Helena Trajano, se posicionou nas redes ao ser cobrada por uma parceria feita recentemente entre o Magalu e o G4 Educaão. Luiza explicou na publicação que a relação com a empresa de Gomes era “pontual” para um evento, e não um contrato de longa duração. “Não concordo em nada com o posicionamento de um dos sócios da empresa a respeito das mulheres”, escreveu ela na publicação. “Criei três filhos trabalhando muito, inclusive como CEO do Magalu. Soube cuidar deles e dos idosos da família”, complementou.
Para a analista de diversidade Deh Bastos, os comentários do empresário representam o pensamento comum na sociedade em relação ao papel das mulheres dentro do mercado de trabalho. “A mulher, dentro deste universo do mercado de trabalho, é considerada para gerir, parir, educar, mediar, a mulher é do fazer, ela não é vista (pela sociedade) como alguém do construir intelectualidade. É muito confortável nessa sociedade patriarcal colocar a mulher nesse lugar do lar e na família”, afirma.
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A analista também diz que esse pensamento de Gomes, de que mulheres deveriam focar sua “energia feminina” em outras funções que não a de CEOs, ainda é compartilhada por outros homens do mercado, mas de maneira velada. “Mais importante do que só discutir sobre esse caso é nós pegarmos esse acontecimento e transformar em mudança”, diz.
CEO da agência Gana, Tatiana Marinho destacou o impacto que “um simples post” como de Gomes tem na vida das mulheres que, diariamente, sofrem com as questões de discriminação e machismo. A executiva se disse indignada com o caso, mas descartou a possibilidade de desistir do combate a esse tipo de preconceito. “Hoje eu estou CEO da Gana, amanhã posso estar em qualquer outro lugar, e ninguém pode me dizer para onde devo ir”, escreveu Tatiana, que continuou: “Desistir? Jamais. Isso é baixo demais para nos derrubar. Desistir não faz parte do dicionário das mulheres. Somos muito maiores e muito mais fortes do que homens desse tipo imaginam.”
Pati Lima, CEO da Simple Organic, publicou vídeo no qual disse que a fala de Gomes “não surpreende”. “É ingenuidade nossa achar que o mercado vê de forma diferente. Menos de 3% das mulheres empreendedoras no Brasil conseguem investimento nos seus negócios”, disse. Segundo ela, o importante é mudar esse cenário.
Betina Roxo, sócia e vice-presidente da Redoma Capital, também criticou a fala de Gomes. “Mulheres trazem inovação, empatia e uma visão sistêmica que transforma o mundo dos negócios. Não à toa, pesquisas comprovam nossa eficiência em áreas cruciais de gestão. O que precisa mudar é o sistema, não a ambição feminina. Este é o texto de uma mulher vice-presidente, assumindo funções de responsabilidade há anos, forte e delicada na medida que deseja, e não menos capaz, não menos parceira, nem menos feminina e, definitivamente, não menos líder”, escreveu Roxo.
A NewNew, que fornece cursos corporativos, decidiu lançar um curso para executivas que almejam se tornar CEOs. Serão nove encontros liderados por mulheres CEOs: Emily Ewell, CEO da Pantys; Ludmilla Amaral, Co-CEO da VCRP; Marcela Ceribelli, CEO da Obvious; Luiza Baffa, CEO da AQKA; Camila Achutti, fundadora e CEO da Mastertech; Catharina Dieterich, cofundadora da OOO agency; Clariza Rosa, cofundadora da agência Silva; e Pati Lima, CEO da Simple Organic. “Acreditamos que a diversidade de liderança é essencial para o sucesso das empresas e que cada mulher tem o potencial de transformar o cenário corporativo. Nossa missão é empoderar mulheres e promover uma nova geração de líderes que provem que a energia feminina é uma força poderosa no mundo dos negócios”, afirma Achutti, CEO da escola corporativa.
Fabio Faccio, CEO da Renner, também criticou em suas redes sociais a fala de Gomes. “Acreditar que o sucesso e a competência estão ligados a gênero é, no mínimo, um equívoco. As mulheres são líderes natas, visionárias e resilientes. Elas possuem as mesmas habilidades, ambições e capacidade para ocupar qualquer posição que desejem, inclusive a de CEO. O mercado de moda, assim como muitos outros, é impulsionado pelo talento e pela criatividade feminina — e eu vejo diariamente o impacto positivo que essas mulheres geram na nossa empresa”, escreveu no Linkedin.
Posição do G4
Por meio de nota, o G4 Educação afirmou:
“O Tallis Gomes, nosso CEO, errou num texto ontem no Instagram sobre as mulheres executivas. Ele entendeu o erro e pediu desculpas hoje. O G4 Educação não concorda com aquela primeira fala. Ela não representa a empresa nem sua trajetória. O G4 conta com a força e a competência de 135 mulheres, em todos os níveis da empresa. Nos nossos cursos, apoiamos a formação de centenas de mulheres de sucesso. Testemunhamos de perto a força e o talento de cada uma.Entendemos que o Tallis errou e estamos aqui para reforçar que tanto ele quanto o G4 não tem compromisso com o erro. Queremos nos desculpar pela fala do Tallis, ainda que tenha sido algo pessoal e não representar o G4. Mas entendemos que é nosso papel como empresa apontar que discordamos. E nossa prática é de respeito.”
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