Além das funções básicas de um presidente de empresa, que passa pelo fechamento de contratos, reuniões com credores e negociações, agora, os executivos de grandes empresas têm um novo desafio: ser influenciador da sua própria marca. Para os mais desinibidos, valem “dancinhas” no TikTok e publicações no Instagram, enquanto os mais reservados preferem as publicações do LinkedIn, por exemplo. A presença nas redes já é capaz de alavancar até o faturamento das companhias.
Hoje diversos executivos usam essas plataformas para se conectar com o público e - em alguns casos - alavancar a carreira. A lista de presidentes inclui Gabriela Onofre, da Publicis Groupe no Brasil; Fernando Yunes, do Mercado Livre; Thiago Alonso de Oliveira, da JHSF no Reino Unido; Milton Maluhy Filho, do Itaú; João Adibe, da Cimed; e Carol Paiffer, da Atom Educação, e muitos outros.
No caso de Maluhy, seu engajamento no LinkedIn chega a ser maior que o do próprio banco. Ele tem pouco mais de 181 mil seguidores na plataforma de networking enquanto a conta oficial do Itaú tem 3,6 milhões. Mesmo com a diferença entre os seguidores, uma publicação do CEO na rede sobre uma ação de marketing envolvendo a atriz Fernanda Montenegro conseguiu mais de 4 mil interações, enquanto a publicação do Itaú sobre o mesmo tema alcançou 828 interações. A reportagem procurou o banco para falar sobre o assunto, mas não obteve retorno.
Cada executivo tem uma estratégia diferente nas redes. Alguns gostam de conquistar os seguidores com conteúdos sobre a vida pessoal, cotidiano em casa e viagens. Outros preferem relatar o lado profissional, com o dia a dia do trabalho, as divulgações de campanhas e até instrumentos do mercado financeiro, como os comunicados oficiais das companhias. Esse é o caso do presidente da JHSF no Reino Unido, Thiago Alonso de Oliveira, que tem 24 mil seguidores no LinkedIn. Ele usa a plataforma de networking como ponto de conexão com sua audiência.
Mais do que uma plataforma para impulsionar a própria imagem, os líderes marcam presença nas redes aproveitando sua visibilidade para catapultar pautas e valores que eles avaliam importantes, para além das questões do negócio. Assim faz a presidente do Publicis Groupe no Brasil, Gabriela Onofre, que semanalmente compartilha com os mais de 19 mil seguidores do LinkedIn suas publicações sobre temas como diversidade, equidade de gênero no mercado de trabalho e outras pautas que são vistas como importantes por ela.
Há pouco mais de um ano à frente da maior cadeira do grupo francês no País, Gabriela já mantinha uma frequência de publicações desde seus tempos como “cliente”, quando foi executiva em empresas como Johnson & Johson e Procter & Gamble. Foi justamente ao longo dos anos que ela conquistou sua audiência.
Hoje em dia, entre uma reunião e outra sobre os negócios das agências que lidera no Brasil, Onofre “passa o olho” pelo LinkedIn, vê suas notificações, responde alguns comentários, vê o desempenho das métricas das suas publicações e avalia seu engajamento com o público. “Nós precisamos usar nossa plataforma para impulsionar a carreira de mais mulheres”, diz.
A presença dos executivos vai além dos posts nas redes. Em alguns casos, até dos anúncios de vídeos do YouTube os executivos precisam participar. Esse é o exemplo de Casas Bahia, que colocou seu CEO, Renato Franklin, em um anúncio convidando os clientes para participarem de uma ativação de promoções da rede varejista. Isso porque a presença do executivo pode catapultar vendas.
De olho nesse potencial, o CEO da farmacêutica Cimed, João Adibe
Marques, vê seu papel de executivo nas redes como uma alavanca para as vendas da companhia. No Instagram, ele tem mais de 3,8 milhões de seguidores que o acompanham falando sobre os lançamentos da empresa, como a linha de hidratantes labiais Carmed. O produto virou febre nas redes, ganhou diversos sabores e colaborações com outras marcas. Virou um sucesso de vendas, segundo Marques, em parte por causa de seu papel de vendedor dos produtos nos vídeos, junto da irmã e sócia, Karla Marques Felmanas - outra executiva com altos números de engajamento nas redes.
A desenvoltura com o público nas redes chegou a tal ponto, que ele decidiu ampliar o tamanho das telas e se aventurar na TV. Atualmente, ele participa de inserções publicitárias da farmacêutica no programa dominical do apresentador Luciano Huck, na Globo, e também já apareceu em capítulos de novela da emissora. “As pessoas vão à farmácia hoje em dia e pedem os remédios da ‘marca do João’”, afirma.
Especialistas em comunicação e marketing veem a presença dos executivos como algo cada vez mais importante para as companhias, que podem se beneficiar ao explorar a relação humana entre os altos gestores e o público nas redes. Analistas já falam em necessidade de formação dos CEOs para o uso das redes e até da profissionalização do uso das plataformas. Isso porque, da mesma forma que um post pode turbinar uma marca, também pode derrubar.
No mês passado, por exemplo, o então presidente da G4 Educação, Tallis Gomes, acabou deixando o cargo após o escândalo envolvendo uma fala de cunho machista nas redes sociais, que gerou uma avalanche de publicações de mulheres executivas repudiando o comentário feito por ele: “Deus me livre de mulher CEO”.
Isso provocou um movimento nas redes contra o executivo. Gabriela Onofre foi um dos nomes que mobilizaram a campanha no Linkedin “Sou CEO e mulher”, após o comentário de Gomes.
Mas, mesmo diante desses contratempos, a professora de marketing digital da FGV Lilian Carvalho acredita que a presença de executivos nas redes sociais chegou a um ponto de inflexão, onde é melhor estar presente, ainda que de maneira tímida, do que ficar de fora.
A especialista lembra que esse tipo de presença virtual consegue gerar uma conexão com o público alvo e com clientes que dificilmente seria possível entre marca e consumidor. Além disso, segundo Lilian, o executivo também exerce um papel fundamental na retenção de funcionários e atração de futuros talentos.
Isso ocorre porque o CEO presente nas redes sociais assume uma função de mostrar os valores daquela companhia, o que é visto hoje como um diferencial para os trabalhadores, em especial aqueles de gerações mais jovens. “Um CEO que não faz isso deixa a empresa praticamente invisível”, avalia.
Nos casos em que o uso das redes por executivos é menos profissionalizado, como Instagram, Youtube e TikTok, a professora da FGV ressalta que esse será um caminho de aprendizado que eles terão de trilhar por meio de “tentativa e erro”. Será necessário entender os limites da posição que ocupam, quais informações são adequadas para compartilhar e ajustar o tom das mensagens, a fim de não ultrapassar a linha que separa o pessoal do profissional. “Sob a perspectiva pessoal, ainda temos muito a aprender sobre como os executivos utilizam as redes sociais”, pondera.
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Enquanto alguns fazem questão de dedilhar os textos das suas próprias publicações e deixar seu rastro de pessoalidade, outros acabaram marcando presença apenas por meio do time de relações públicas da companhia. Muitas vezes, é a equipe de comunicação é quem faz a gestão da conta, organiza as páginas e cria um cronograma dos conteúdos.
Diante dessa demanda de executivos que não são “nativos digitais, o empresário Leandro Herculano decidiu, há quatro anos, montar uma empresa especializada no atendimento de empresários e altos executivos que precisam estar nas redes sociais, mas ainda têm alguma dificuldade com o mundo virtual. “Existe uma lacuna na formação dos executivos de como se comunicar com o seu público. Hoje esses profissionais precisam ser preparados pelas organizações para usar as redes sociais”, diz o empresário.
Herculano trabalha com alguns dos principais executivos do País e cerca de 90% do seu faturamento é oriundo do trabalho direto com presidentes das empresas. Ele lembra que a atuação no passado era focado em processos de media trainning - serviço para “treinar” os executivos para falar em público ou com jornalistas -, mas hoje tem o foco principal no uso das redes sociais.
O especialista pondera que, mais do que um espaço para entretenimento e conexões interpessoais, as redes sociais dos executivos precisam ser tratadas de maneira profissional, com foco no conteúdo, planejamento e autenticidade, entre outras coisas que demandam estratégia. “O posicionamento de um CEO nas redes sociais tem de ser visto como parte do trabalho”, afirma. “A principal função de um CEO é divulgar os valores da empresa, e porque não fazer isso através das redes sociais?”, questiona Herculano.
Outra ponderação feita por Lilian Carvalho, da FGV, está ligada ao plano estratégico envolvendo a imagem dos executivos. A presença nas redes sociais pode ser vista como um “trampolim” para o avanço na carreira, o que leva as empresas a enfrentarem o dilema de investir em um executivo e, eventualmente, perdê-lo. Isso porque o executivo se torna tão visível no mercado a ponto de atrair a concorrência, gerando perdas de talentos para a organização.
Contudo, a especialista da FGV, acredita que esse é o tipo de decisão que as empresas terão de avaliar caso a caso, mas sem abolir sua presença virtual. “É uma faca de dois gumes, se a empresa investe, o executivo fica na crista da onda, se não investe, ela acaba perdendo a oportunidade”, afirma.
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