Projetos de mitigação de carbono ligados ao reflorestamento com árvores nativas são cada vez mais numerosos e conferem, no marketing ambiental, uma boa imagem para quem os realiza. Entretanto, uma questão por vezes deixada de lado nessas iniciativas é a manutenção e o estímulo à biodiversidade da área reflorestada.
Plantar árvores para sequestrar carbono é técnica dominada. Já recompor uma floresta sob o ponto de vista da biodiversidade ainda é um desafio, seja pela produção limitada de algumas espécies de mudas, seja por desinteresse, por falta de recursos ou de conhecimento, ou ainda porque um projeto que apenas se propõe a sequestrar carbono “já é visto como suficiente”, diz o educador ambiental e presidente do Jardim Botânico Araribá (JBA), de Amparo (SP), Guaraci Diniz.
Neste cenário, um estudo feito pela ONG Social Carbon Foundation, do Reino Unido, e divulgado em março, aponta que somente 12% dos projetos de plantio de árvores para geração de créditos de carbono utilizam dez ou mais espécies nativas. E 32% lançam mão exclusivamente de espécies exóticas. “Ou seja, a biodiversidade é deixada de lado”, comenta Diniz. O levantamento foi feito em mais de 200 projetos ao redor do mundo.
Assim, com o objetivo de orientar interessados em reflorestar áreas com base não só no sequestro de carbono, mas também no estímulo à vida, tanto da mata nativa quanto de animais, fungos e outras espécies, além da população no entorno, o Botanic Gardens Conservation International (BGCI) desenvolveu o Padrão Global de Biodiversidade (The Global Biodiversity Standard, ou TGBS, na sigla em inglês).
O lançamento do TGBS ocorreu em outubro, durante a COP-16 da Biodiversidade, em Cali, Colômbia. O BGCI, como maior rede de jardins botânicos do mundo, reunindo 850 dessas instituições em 120 países, tem condições de saber a quantas andam projetos de reflorestamento no Planeta. E se preocupa com a crescente perda de biodiversidade.
O coordenador do TGBS no BGCI, David Bartholomew, confirma que vários plantios voltados ao sequestro de carbono acabam causando até danos ao meio ambiente, tendo em vista que privilegiam, em muitos casos, espécies exóticas na recomposição florestal. Ainda segundo o BGCI, embora haja no mundo “uma rápida expansão dos plantios de árvores”, não tem existido preocupação com a manutenção e o estímulo à biodiversidade - essas florestas acabam se resumindo a “captadoras de carbono”, diz a ONG. Daí a necessidade de um manual orientador e, mais do que isso, de uma certificação, como a idealizada pelo BGCI, que garanta que o reflorestamento tenha como prioridade a biodiversidade.
No Brasil, o parceiro do BGCI para aplicar o manual do TGBS e conferir a certificação é o JBA, de Amparo. Guaraci Diniz conta que há reflorestamentos que se utilizam, por exemplo, de uma grande maioria de espécies de árvores pioneiras, “de acelerado crescimento, mas de vida curta”, diz. “Isso resulta em uma rápida cobertura vegetal, mas que nem sempre leva em conta a necessidade de se inserir no sistema um número adequado de outras espécies, classificadas como secundárias e clímax - as clímax, de vida longa, é que garantirão a perpetuação da floresta e a manutenção da sua biodiversidade, não só da flora, mas da fauna, do solo e da água também”, diz.
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“Este tipo de replantio pode atender a algumas exigências ambientais, mas não visa, necessariamente, à biodiversidade”, informa Diniz. E poucos projetos se preocupam em instalar as clímax no sistema porque, segundo ele, o acompanhamento dos plantios visando à compensação ambiental dura em média apenas três anos. “Nesse intervalo, as clímax ainda não foram inseridas no sistema e ninguém fiscaliza isso, já que a compensação de carbono ocorreu.”
Por isso a certificação TGBS aponta caminhos para um reflorestamento biodiverso e com espécies nativas. “Ela fornece a garantia de que as práticas de plantio de árvores, de restauração de hábitats e agroflorestais estão protegendo, aprimorando e restaurando a biodiversidade”, completa Bartholomew.
Para formatar esse padrão, o BGCI contou com vários financiadores. A começar pelo próprio governo britânico, por intermédio do fundo Darwin Initiative Extra; de algumas das maiores organizações de plantio de árvores, incluindo Ecosia. 1t.org, e Plan Vivo, e patrocinadores como Etihad Airways.
Bartholomew informa que, durante a COP-16, projetos de recomposição florestal em três países - Bolívia, Colômbia e Uganda - foram os primeiros a receber a certificação TGBS. No Brasil, o JBA, que contribuiu para a elaboração do manual de aplicação do padrão para os biomas brasileiros, foi procurado, ainda na COP de Cali, por grandes empresas dos setores florestal e agropecuário, informa Diniz. “Assessorias de ESG de pelo menos três grandes empresas nos procuraram; iniciamos conversas”, conta o representante do Jardim Botânico Araribá, sem adiantar, porém, o nome desses primeiros interessados, mas dizendo que há projetos que envolvem o plantio de pelo menos 4 milhões de árvores.
Para a gestora de redes e impacto da Ecosia - uma das principais financiadoras de projetos de reflorestamento globais -, Antonia Burchard-Levine, a expectativa é a de que o TGBS “se torne uma ferramenta para melhorar a qualidade dos projetos de plantio de árvores”, diz. “Para além de simplesmente reconhecer e certificar projetos bem executados de reflorestamento, o TGBS procura sensibilizar para a ligação inseparável entre o plantio de árvores e a conservação de biodiversidade.”
Ela destaca, também, os benefícios sociais decorrentes dessas práticas e o fato de que o TGBS “servirá como um recurso para a disseminação de conhecimentos sobre as melhores práticas para a concepção, implementação e gestão de projetos de reflorestamento que tenham como prioridade a preocupação com a biodiversidade”.
Falta de mudas nativas
A oferta de mudas nativas que garantam a biodiversidade ainda é, porém, um gargalo, não só no Brasil, conta Diniz. A inserção principalmente de espécies vegetais secundárias e clímax no sistema é um desafio. Segundo ele, na Mata Atlântica, por exemplo, há 32 espécies de árvores clímax que são de difícil reprodução porque germinam pouco e o custo de multiplicá-las fica alto, “o que também encarece o projeto”.
“A ideia, porém, é que, à medida que o TGBS ganhe corpo e passe a ser adotado por mais e mais interessados, isso crie um ciclo virtuoso de multiplicação de mais espécies de mudas nos viveiros”, diz. Outro ponto que ele destaca é que o TGBS confere a possibilidade de o interessado obter uma “certificação com credibilidade e validação”, comenta Diniz. “Isso tanto para governos que realizam políticas públicas visando à biodiversidade quanto para empresas que financiam projetos de reflorestamento. É a certeza de que estão no rumo certo.”
Além do JBA como “hub” para aplicação do TGBS no Brasil, o BGCI conta também com parceiros em outros países. “Começamos com seis parceiros, entre eles o JBA no Brasil”, conta Bartholomew. “Outros hubs que iniciaram o trabalho foram o Huarango Nature, no Peru; o Tooro Botanical Gardens, em Uganda; o The Centre for Ecosystem Restoration, no Quênia, e o Missouri Botanical Gardens, em Madagascar, além do Auroville Botanical Gardens, na Índia”, detalha. “Mais recentemente, fizemos parcerias com jardins botânicos do México, da Argentina, da Colômbia, da Indonésia, da Jordânia e da Malásia. Vamos fazer parcerias em vários outros países.” No Brasil, o JBA tem condições de aplicar o TGBS nos biomas Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Amazônia, Pantanal e Pampa.
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