BRASÍLIA - Um relatório de auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) publicado nesta sexta-feira, 22 atribui a “falhas de governança” da Caixa Econômica Federal e do Ministério do Trabalho em 2022 o prejuízo de cerca de R$ 2 bilhões sofrido pelo Fundo Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) com um programa de microcrédito para empreendedores.
Batizado de “SIM Digital”, o programa concedia empréstimos de até R$ 3 mil e foi instituído por uma medida provisória em março daquele ano. A iniciativa foi tocada pelo Ministério do Trabalho na gestão do ex-ministro Onyx Lorenzoni. Procurados, o Ministério do Trabalho, a Caixa e Onyx Lorenzoni não responderam.
O FGTS, alimentado por descontos obrigatórios nos salários dos trabalhadores celetistas e pagamentos das empresas, aportou R$ 3 bilhões no Fundo Garantidor de Microfinanças (FGM) em 2022, para dar garantia às aos empréstimos do programa, mas só recebeu R$ 1 bilhão de volta, em julho do ano passado.
De acordo com a CGU, o prejuízo de R$ 2 bilhões acabará sendo absorvido pelo patrimônio líquido do Fundo, sem afetar os saques devidos aos trabalhadores. No entanto, o prejuízo impacta a distribuição de lucros do FGTS, afetando os rendimentos dos trabalhadores com cotas no Fundo.
O Programa de Simplificação do Microcrédito Digital para Empreendedores, ou SIM Digital, foi criado no começo de 2022 para viabilizar linhas de crédito de até R$ 1 mil para pessoas físicas e até R$ 3 mil para microempreendedores individuais (MEIs) a taxas baixas, sempre por meio da Caixa.
Os empréstimos foram estendidos a clientes negativados, isto é, com o nome sujo e dívidas pendentes, levando a taxa de inadimplência a mais de 80%.
Várias “falhas de governança” contribuíram para o prejuízo bilionário do programa SIM Digital, diz a CGU. Durante a elaboração do programa, o governo deixou de ouvir o Conselho Curador do FGTS, por exemplo, entre outros atores relevantes.
Também há críticas a mudanças promovidas pela Caixa nas regras do Fundo Garantidor de Microfinanças, que abriram brechas para que o fundo fizesse operações mais arriscadas. Finalmente, a aplicação dos R$ 3 bilhões foi feita em desacordo com a lei de 1990 que regulamenta atualmente o FGTS, diz a CGU.
Ao longo do ano de 2022, o governo de Jair Bolsonaro (PL) pôs em campo uma série de auxílios e pagamentos, com a finalidade de melhorar a avaliação do governo durante o ano eleitoral.
Além do SIM Digital, o Congresso aprovou em junho uma emenda à Constituição que criou e ampliou vários benefícios sociais, com custo total estimado à época em R$ 41,2 bilhões. O antigo Auxílio Brasil, hoje Bolsa Família, foi ampliado de R$ 400 para R$ 600; o vale-gás foi reajustado de R$ 53 para R$ 120; e R$ 10,9 bilhões foram destinados a um novo benefício destinado a taxistas e caminhoneiros. Este último benefício resultou em pagamentos indevidos de ao menos R$ 2 bilhões, de acordo com auditoria anterior da CGU, de 2023.
Inclusão de negativados
De acordo com a auditoria da CGU, a extensão do SIM Digital aos negativados foi uma das principais irregularidades do processo.
A medida provisória de março de 2022, aprovada pelo Congresso, proibia a concessão de crédito para devedores. Essa autorização foi dada depois, por uma portaria do Ministério do Trabalho no fim de março, editada para regulamentar a lei oriunda da MP. De acordo com a CGU, ao editar a portaria, o Ministério foi além da autorização dada pelo Congresso ao aprovar a MP.
Em abril de 2022, o então presidente da Caixa, Pedro Guimarães, disse que 83% dos contratos assinados até então eram para clientes negativados.
“O art. 3º da Medida Provisória (...) define que as operações de microcrédito no âmbito do SIM Digital serão concedidas exclusivamente a pessoas naturais e microempreendedores individuais que não tenham, em 31/01/2022, operações de crédito ativas”, diz o relatório da CGU. “A Portaria MTP nº 660/2022 foi além da previsão legal, tendo em vista que a MP não deixou margem para a Portaria excepcionalizar a concessão de crédito a portadores de operações de crédito ativas, seja com relação às modalidades permitidas, seja com relação ao valor.”
Criado em 1966, durante a ditadura militar, o FGTS usa os recursos arrecadados com os trabalhadores e as empresas para financiar obras de infraestrutura e habitação no País. No fim de outubro, o Conselho Curador, que gerencia o Fundo, aprovou um orçamento de R$ 142,3 bilhões em investimentos para o ano que vem. O valor representa uma alta de 1,9% em relação ao aplicado este ano (R$ 139,6 bilhões). A maior parte do dinheiro – R$ 126,8 bilhões – irá para o setor de habitação.
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