Na semana em que o presidente chinês Xi Jinping esteve no Brasil, para a Cúpula do G-20 e também firmando uma série de acordos comerciais com o presidente Lula, foram divulgados dados oficiais mostrando que a escalada de aço chinês no mercado nacional se mantém firme. A avaliação é que as medidas que começaram a vigorar em junho para conter a enxurrada de importações, da China e outros países asiáticos, ainda não surtiram o efeito desejado pelas siderúrgicas locais. Apenas amenizaram.
Segundo dados do Instituto Aço Brasil, os volumes importados dos 9 tipos de produtos siderúrgicos que foram enquadrados no programa de cota-tarifa do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) tiveram uma redução de apenas 0,3% no período de junho a setembro, comparado com igual período de 2023. O programa foi anunciado em abril, passando vigorar em 1º de junho. Inicialmente, o setor pleiteou o enquadramento de 18 produtos. O setor de tubos conseguiu incluir dois tipos de aço.
O sistema de cota-tarifa estabeleceu a média de importação de 2020 a 2022 mais um porcentual de 30%. Até esse patamar, os volumes continuariam com a alíquota de 10,8%. O excedente passou a ser sobretaxado com 25%. Esse porcentual era exatamente o que o setor pediu ao governo brasileiro sobre as importações de todos os tipos de aços. As reivindicações começaram em julho de 2023, mas o setor não conseguiu convencer as autoridades de comércio exterior do governo.
O problema era que a China é o maior parceiro comercial do Brasil e não seria de bom tom adotar uma tarifa considerada muito elevada, de 25%. O receio era desagradar tanto o parceiro quanto consumidores de aço de diversos setores industriais no País, como máquinas e equipamentos, construção civil, automotivo e outros que ampliaram as compras de material estrangeiro. Por isso, o governo administrou o problema com cautela durante nove meses.
“Mais de 90% do volume de produtos siderúrgicos que entram no Brasil é oriundo da China”, afirma Marco Polo de Mello Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil, que representa oito dos dez grupos nacionais e estrangeiros que atuam no País. CSN e a mexicana Simec não são associados da entidade.
Em outubro, de acordo com dados oficiais publicados por órgãos do governo (Mdic), a China representou 91,5% dos aços planos laminados importados. São tipos de produtos fabricados por CSN, Usiminas, ArcelorMittal Tubarão e Gerdau (incluindo especiais) e Aperam (inox e elétricos).
Também o segmento de aços longos continua afetado, com entrada de produtos da construção civil (barras e vergalhões) e indústria (fio-máquina), perfis e tubos sem costura, além de trefilados. Até aço de países sem tradição de exportar para o Brasil, como o Egito. Gerdau, ArcelorMittal Aços Longos, Simec, AVB e Sinobras são os fabricantes locais.
“O Aço Brasil, que tem uma ‘sala de guerra” para analisar os números e procedências das importações com lupa mais os técnicos do Mdic vão continuar monitorando e verificando irregularidades e fraudes para fazer uma avaliação dos resultados das medidas, previstas para vigorar até 31 de maio de 2025″, afirma Lopes.
Segundo o executivo, as siderúrgicas chinesas têm exportado com margem negativa de US$ 32 a tonelada em relação ao seu custos de produção, ou, com preço 19% inferior. “O setor, na China, conta com apoio e subsídios do governo, dentro da política de Estado para garantir empregos”, afirma. Uma tonelada de aço laminado a quente, produto de referência, é comprada na China a menos de US$ 490 (R$ 2.840), valor tido como incompatível ao dos custos de produção - só de minério de ferro e carvão, que são ingredientes essenciais, são quase US$ 300.
“Um sinal vermelho foi dado na comparação de agosto sobre julho, quando houve aumento de 43,5% nas importações dos produtos inseridos nas medidas. Já estávamos prontos para pedir providências ao governo, mas os números de setembro amenizaram a situação, com recuo de 9,6% sobre o mês anterior”, diz Lopes. O objetivo do programa elaborado pelo Mdic era de conter e reduzir as importações, destaca o executivo.
Ao se avaliar a situação das importações para todos os tipos de produtos, de janeiro a setembro - sem incluir aços semiacabados (placas e tarugos), o levantamento do Aço Brasil aponta alta de 12,6%. Porém, nos nove produtos da cota-tarifa se verifica aumento de 15,8%.
Chamou a atenção Aço Brasil e também dos técnicos do Mdic, que começaram a investigar as razões, o crescimento superior a 80% na entrada de aço laminado pelo porto de Manaus. O material é isento por ser uma zona de processamento, com incentivos. Tradicionalmente eram volumes pequenos para atender o polo eletroeletrônicos e automotivo (duas rodas), observa Lopes. O governo quer verificar se está ocorrendo fraude de registro na entrada. O aço, para ser encaminhado de Manaus para outros Estados, tem de sofrer uma transformação, chamada PPB (Processo Produto Básico).
Pedidos de ações antidumping
Para fortalecer a barreira de entrada, algumas siderúrgicas entraram com pedidos de ações antidumping e de subsídios contra produtos chineses. A CSN, por exemplo, já obteve um direito provisório para folhas metálicas (usadas na fabricação de embalagens de aço) e que não foram incluídas entre os nove do programa. O governo aplicou valor de US$ 250 a US$ 320 por tonelada adicional à alíquota de 10,8%. Outros tipos de aço estão com pedidos em andamento no Mdic: chapas pré-pintadas para construção civil e linha branca, laminados a quente e a frio, zincados e chapas de ligas alumínio-zinco (galvalume).
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“O volume de pré-pintados que entrou da China é duas vezes a capacidade de produção da CSN”, afirmou Luiz Fernando Martinez, diretor-executivo comercial da empresa, em conferência de balanço do terceiro trimestre com analistas. Ele observou que o governo foi receptivo aos pedidos e está analisando. Martinez acredita que até meados de 2025 serão adotadas ações antidumping para esses produtos. Usiminas e ArcelorMittal assinam juntas as petições para alguns dos produtos.
O impacto das importações só não foi maior neste ano porque o mercado brasileiro está aquecido em 2024. As vendas internas das fabricantes locais, até outubro, segundo dados do Aço Brasil, foram 8,5% maiores. O consumo aparente cresceu 9,7%, ante igual período do ano passado. A análise é que isso ajudou a “absorver” as importações de itens laminados, que subiram 15%, em media, entre aços comuns e produtos zincados no acumulado do ano. No consumo total, a participação de aço estrangeiro ficou em 18,9% (21,3% no caso dos aços planos).
Um porcentual que é saudável para a siderurgia do País é de 8% a 10% de produto importado no total de consumo aparente, o que, neste ano, corresponderia a cerca de 2,6 milhões de toneladas, conforme avaliação do executivo da CSN. Na visão de Martinez, somente ações antidumping vão colocar um freio na escalada de importações oriundas da China.
Para Lopes, o sistema cota-tarifa não atingiu o objetivo que era reduzir de maneira substancial a entrada de aço de várias origens, em especial da China, mas interrompeu a escalada das importações. Há ainda quatro pleitos em análise na Secretaria de Comércio Exterior (Secex), entre os quais vergalhão em rolo e perfil estrutural. Até o fim de maio, o programa cota-tarifa não pode sofrer mudança estrutural, mas está aberto a ajustes em casos de desvio de função e fraudes.
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