Arranha-céus, símbolos do crescimento da China, sinalizam agora uma grande crise imobiliária

Edifícios de Nanchang representavam a transformação urbana, mas a cidade construiu apartamentos mais depressa do que sua população cresceu; o resultado: casas e escritórios desocupados

PUBLICIDADE

Publicidade
Por Daisuke Wakabayashi e Claire Fu

THE NEW YORK TIMES - As fileiras de prédios imponentes ocupando as margens do rio Gan são uma prova do boom imobiliário que transformou Nanchang, no leste da China, de um polo fabril empoeirado em um centro urbano moderno.

PUBLICIDADE

Agora esses arranha-céus são evidências de algo bem diferente: o mercado imobiliário da China está em crise, cambaleando após anos de crescimento desmedido.

Conforme a economia da China prosperava nas últimas duas décadas, Nanchang, capital da província de Jiangxi, construiu condomínios de apartamentos e torres de escritórios reluzentes para atender à demanda cada vez maior por residências e locais de trabalho. A cidade buscava a expansão urbana com um lema que destacava sua estratégia de crescimento a qualquer preço: “Avançar para o leste, estender para o sul, expandir para o oeste, integrar-se ao norte e prosperar no meio”.

Entretanto, a prolongada crise no setor imobiliário do país expôs rachaduras em cidades, como Nanchang, onde os anos de construção ininterrupta criaram oferta em excesso. Segundo estimativas, aproximadamente 20% dos imóveis em Nanchang estão desocupados — a maior taxa entre as 28 cidades de grande e médio porte do país.

Nanchang exemplifica os desafios enormes que os formuladores de políticas enfrentam ao tentar reanimar a economia da China. Durante as crises anteriores, Pequim recorreu aos gastos com imóveis e infraestrutura para alavancar a economia. Mas, dessa vez, isso não será fácil de se resolver. As construtoras estão atoladas em dívidas, as cidades estão repletas de imóveis vazios e as reservas dos governos locais estão esgotadas depois de arcarem durante anos pelos testes de covid.

Publicidade

Muitos dos apartamentos mais recentes de Nanchang permanecem desocupados porque as construtoras ficaram sem dinheiro e não concluíram os trabalhos nas unidades já vendidas. Alguns proprietários de imóveis estão se recusando a pagar pelas hipotecas até que seus apartamentos sejam concluídos, um ato de dissidência em todo o país que abalou o Partido Comunista da China.

Ao longo de 2022, Pequim e os governos locais liberaram incentivos para atrair de volta os compradores de imóveis, encorajando os bancos a concederem empréstimos generosamente e voltar atrás nas restrições impostas para esfriar um mercado imobiliário superaquecido antes da pandemia.

Vista aérea de Nanchang, com faixas de torres residenciais; arranha-céus da cidade representaram a transformação urbana Foto: Qilai Shen/The New York Times

Os preços dos imóveis novos nas 70 maiores cidades da China aumentaram em cada um dos primeiros quatro meses do ano, revertendo uma queda que durou um ano no auge das restrições contra a covid. Mas a recuperação inicial está perdendo força. O aumento do preço dos imóveis desacelerou em abril.

E a recuperação não tem acontecido de forma homogênea. Os preços voltaram a subir em cidades maiores como Pequim e Xangai. Em outras um pouco menores, como Nanchang, a recuperação foi mais discreta e até mesmo inexistente nas cidades menores.

Os problemas com habitação da China são mais evidentes fora das principais cidades porque o excesso de construção tem sido mais generalizado em cidades menores, de acordo com um artigo de Kenneth Rogoff, professor de economia da Universidade Harvard, e Yuanchen Yang, economista do Fundo Monetário Internacional.

Publicidade

Rogoff disse que o boom imobiliário da China foi baseado em “crescimento rápido infinito”, entretanto, em muitas cidades menores, a economia não acompanhou o ritmo da construção de moradias.

PUBLICIDADE

“A China vem construindo imóveis e apoiando a infraestrutura num ritmo alucinante há décadas”, disse ele. “Mais cedo ou mais tarde, você se depara com retornos em queda.”

O boom imobiliário da China começou no final dos anos 1990, nas maiores cidades, antes de se espalhar por áreas urbanas menores, como Nanchang, uma década depois. Em 2000, a China construiu cerca de dois milhões de apartamentos. Em meados da década de 2010, o país estava construindo mais de sete milhões de apartamentos por ano. O setor imobiliário rapidamente se tornou a espinha dorsal da economia da China, sendo responsável por cerca de um quarto de todas as atividades.

O setor criou empregos, ajudou as finanças dos governos locais que alugavam direitos de propriedade de terrenos para novos edifícios e proporcionou uma das poucas opções de investimento confiáveis para os chineses comuns que pretendiam acumular bens. Conforme a economia se tornava mais dependente do setor imobiliário, Xi Jinping, presidente da China, fechou o cerco contra as incorporadoras endividadas e declarou que “casas são para morar, não para especulação”.

Em lugares como Nanchang, havia mais construções do que o crescimento populacional sozinho poderia dar conta. Na década anterior a 2021, o número de construções de imóveis por ano na cidade praticamente dobrou, enquanto a população cresceu 25%.

Publicidade

Apartamentos vazios em torre residencial inacabada em Nanchang, na China Foto: Qilai Shen/The New York Times

Kuang Wei, corretor de imóveis já concluídos em Nanchang, disse que os preços nas regiões mais remotas da cidade tinham caído regularmente, 25% desde 2019.

A expectativa dele é que os valores caiam ainda mais porque muitas pessoas estão tentando vender imóveis. Algumas pretendem se mudar para apartamentos mais novos, enquanto outras querem se desfazer das propriedades nas quais investiram antes que um imposto previsto para os imóveis seja aprovado. Kuang disse que cerca de 80% de seus clientes ainda se recusam a reduzir os preços, na esperança de que o mercado se recupere.

“O mercado de hoje não é como era há muitos anos”, disse ele.

A taxa de imóveis residenciais desocupados de Nanchang, 20%, ficou acima da média de 12% entre a amostra nacional, de acordo com um relatório de agosto do Instituto de Pesquisa Beike da China. O número cada vez maior de imóveis vagos chama muita atenção porque confirma que os problemas no setor imobiliário da China eram maiores do que Pequim havia dado a entender.

Após a publicação do relatório, o Instituto de Pesquisa Beike excluiu o documento, dizendo que tinha coletado informações “de forma incorreta” e que os dados “não refletiam a situação real”.

Publicidade

Tradicionalmente, a economia de Nanchang dependia dos setores de manufatura e construção. A cidade tentou gerar empregos com melhores salários com a economia digital e o setor de tecnologia, mas não teve muito sucesso.

Conhecida como a cidade onde os rebeldes do Partido Comunista da China derrotaram os Nacionalistas pela primeira vez, há quase um século, Nanchang está cercada por outras cidades que são opções mais atraentes para escritórios.

Nanchang tinha o mesmo número de edifícios com mais de 200 metros, ou mais ou menos 60 andares, que Pequim em 2022. No entanto, a população de Pequim era três vezes maior, além de ser a cidade com o segundo maior produto interno bruto. Nanchang, por outro lado, é a 36ª. Em 2021, a JLL, empresa de consultoria imobiliária comercial, disse que a taxa de imóveis desocupados em Nanchang era de 40%.

Cinderella Fang, 28 anos, nasceu e cresceu em Nanchang. Quando era criança, a maioria dos prédios tinha poucos andares e nada de elevadores, e não existiam comunidades planejadas. Ela disse que a área próxima à casa onde passou a infância se transformou numa expansão de condomínios de apartamentos de 30 andares.

Mulher passa de bicicleta por um canteiro de obras em Nanchang Foto: Qilai Shen/The New York Times

Depois de se mudar para Pequim para estudar na universidade, Cinderella voltou para Nanchang em 2019 com a esperança de encontrar um emprego e talvez comprar uma casa com preço acessível. Mas ela acabou se mudando para Xangai um mês depois, porque o único trabalho que conseguiu na área de marketing pagava um terço do que ganhava em Pequim.

Publicidade

“O mercado de trabalho em Nanchang não é dos melhores”, disse Cinderella.

Outras pessoas que se mudaram para Nanchang foram atraídas pela perspectiva de apartamentos com preços razoáveis e escolas públicas de boa qualidade — mas acabaram se deparando com construtoras que não conseguiram entregar os imóveis que prometeram.

Pouco depois do nascimento da filha em 2019, Andie Cao, que vive e trabalha em Xangai, comprou um apartamento que ainda não tinha sido finalizado em Nanchang. O imóvel ficava mais perto de sua cidade natal, na zona rural da China, e ela planejava se mudar para Nanchang depois da finalização do projeto pela construtora, prevista para o final de 2021.

Porém a construtora teve problemas financeiros e interrompeu os trabalhos em julho de 2021. Depois de continuar pagando a hipoteca durante um ano, Andie e outros proprietários organizaram um boicote às hipotecas em julho do ano passado.

Andie disse que os vendedores também lhe disseram que o apartamento ficava em um dos melhores distritos de Nanchang, com boas escolas; entretanto, na verdade, estava zoneado em uma área vizinha e menos desenvolvida na periferia da cidade.

Publicidade

“Todos foram enganados”, disse ela. “Caso contrário, por que haveria tantas pessoas comprando uma casa na periferia?”

Ela disse que continuava com o boicote ao pagamento da hipoteca porque os imóveis ainda não tinham sido finalizados. Segundo Andie, a polícia foi até a casa de seus pais para dizer que ela parasse de se manifestar. Os bancos agora estão processando alguns de seus vizinhos que também boicotam o pagamento das hipotecas.

“É como se um ovo estivesse sendo esmagado contra uma rocha”, disse Andie. “Não esperava que esse tipo de coisa acontecesse com pessoas comuns como nós.”

Zou Shengji, corretor de imóveis, disse que a publicidade negativa sobre os apartamentos inacabados tinha deixado muitos possíveis compradores de imóveis “receosos e preocupados”.

Durante o feriadão do dia do trabalho, no início de maio, um período que costuma ser movimentado para a venda de imóveis, a equipe de Zou vendeu menos de 20 apartamentos, disse ele. Dois anos atrás, eles tinham vendido o triplo disso no mesmo período.

Publicidade

Os clientes em potencial dizem que vão vir dar uma olhada nos apartamentos, mas não aparecem, afirmou. Eles estão relutantes em comprar porque os imóveis parecem muito arriscados no momento.

“Muitas pessoas estão em cima do muro agora”, disse Zou. “É possível que seja realmente difícil vender os imóveis no futuro.”

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.