São Paulo - Resultados econômicos positivos da China no terceiro trimestre, especialmente a alta do PIB de 4,9% ante o mesmo período de 2022, geraram uma expectativa nos mercados internacionais de que o país pode atingir a meta de crescimento de 5% neste ano estabelecida pelo governo do presidente Xi Jinping. Contudo, a cautela dos consumidores para gastar, relacionada em parte com o desempenho negativo do mercado imobiliário, mantém o risco de deflação e sugere que haverá muitas dificuldades para o nível de atividade acelerar com vigor nos próximos trimestres.
Economistas entrevistados pelo Estadão/Broadcast em Hong Kong apontaram melhoras da demanda no terceiro trimestre, motivadas em boa medida por medidas fiscais e monetárias adotadas pelo governo a partir de agosto para socorrer o produto interno bruto, já que a atividade chinesa tinha registrado crescimento de 0,5% entre abril e junho ante os três meses anteriores.
Entre julho e setembro, a evolução dos dados foi motivada basicamente por um aumento do consumo. Houve avanço de 5,5% das vendas do varejo e de 4,5% da produção industrial no mês passado, em termos anuais. Este conjunto de notícias fez com que algumas instituições elevassem as estimativas para o PIB neste ano, como fizeram o UBS e o Societé Générale, que subiram suas projeções de 4,8% para 5,2%.
“Entre os fatores que explicam a disposição dos cidadãos a consumir mais no trimestre passado estão uma recuperação da renda das famílias, a tendência da redução da taxa de desemprego, que baixou de 5,2% em agosto para 5% em setembro, e a poupança extra acumulada por três anos de pandemia”, comentou Ning Zhang, economista sênior do UBS para a China.
Para Michelle Lam, economista do Societé Générale, sinais favoráveis das exportações da China ajudam a produção industrial doméstica. Apesar das vendas externas terem caído 6,2% em setembro ante o mesmo mês de 2022, a queda foi menor do que a retração de 7,6% prevista por analistas e também inferior à contração de 8,8% registrada em agosto em base anual. Encomendas internacionais para as festas de final de ano e um cenário de pouso suave nos EUA ajudaram no embarque de manufaturados do país ao exterior.
Com a expansão do produto interno bruto no terceiro trimestre, a China precisará crescer perto de 4,4% de outubro a dezembro ante os mesmos três meses do ano passado para alcançar a meta de 5%. Este objetivo não será difícil de ser alcançado, pois a base de comparação é baixa. O PIB em 2022 subiu 3% por conta do fechamento da economia motivado pela covid-19.
Construção
A China continua, porém, com graves problemas no mercado de imóveis, que está em depressão há vários trimestres. Em setembro, os investimentos para edificações caíram 11,3% em termos anuais, as vendas de novas propriedades baixaram 10,1% e a construção de novos imóveis caiu 14,6%, na mesma base de comparação. Essa retração tem forte impacto, pois o segmento produtivo responde por 25% da economia do país.
“O setor de imóveis está em depressão porque a confiança dos consumidores está muito baixa devido a diversas incertezas domésticas e externas”, comentou Lin Li, diretora de pesquisa de mercados globais para a Ásia do banco MUFG. “Depois de três anos de pandemia, os cidadãos em geral têm dúvidas constantes sobre as perspectivas da economia e temem um conflito da China com Taiwan.” Segundo ela, também preocupa os cidadãos as guerras na Ucrânia e em Israel, que podem colaborar para desacelerar a economia global, especialmente com pressões de alta dos preços do petróleo.
Recuperação gradual
A recuperação da China foi decepcionante no segundo trimestre porque mostrou-se mais frágil do que a ocorrida nas economias avançadas e em muitos mercados emergentes logo depois da vacinação ampla contra a covid, especialmente em 2021 e 2022. Isto ocorreu porque no país asiático não houve o apoio fiscal concedido por muitos governos para famílias mitigarem os efeitos da recessão provocada pela pandemia.
“No caso da China, essas transferências aos cidadãos não aconteceram. As famílias com menor renda não possuíam economias em nível adequado, o que colaborou para o ritmo em menor magnitude do consumo neste ano com o fim dos lockdowns”, comentou Grace Ng, economista sênior do banco JP Morgan.
Outro fator importante é a realidade do mercado de trabalho na China, menos favorável do que a registrada nos EUA e Europa. Há inclusive desconfiança de analistas sobre as estatísticas oficiais para este setor no país oriental, que cresceu recentemente porque o governo parou de divulgar a taxa de desemprego entre os jovens de 16 a 24 anos após ter atingido o recorde de 21,3% em junho.
O desemprego dos jovens está relacionado com as dificuldades de expansão de investimentos privados, especialmente depois das medidas de regulação adotadas pela administração de Xi Jinping sobre setores de construção, tecnologia e educação em 2021. Além disso, há o ajuste estrutural do mercado imobiliário após um boom que durou cerca de uma década. Atualmente, o segmento passa por um período de retração, consequência da adoção de normas determinadas por Pequim para diminuir o elevado endividamento do setor.
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Com o fraco desempenho da demanda agregada no segundo trimestre, as medidas estimulativas miraram sobretudo a melhora na concessão de crédito pelos bancos e a redução dos requerimentos para os cidadãos comprarem o segundo imóvel em grandes cidades. “Não foi um robusto conjunto de ações, mas elas poderão levar o país a ter uma expansão do PIB de 5% neste ano”, destacou Grace Ng. As autoridades em Pequim querem poupar recursos públicos para poder utilizá-los quando for bem mais necessário, eventualmente em 2024.
Na avaliação de Erin Xin, economista do banco HSBC, a China deve crescer 4,9% neste ano e ficará perto de alcançar a meta de expansão de 5%, em grande medida graças ao consumo interno, dado que a demanda externa apresenta um desempenho mais fraco, sobretudo por conta da queda das importações da Europa e dos EUA com a desaceleração das suas economias causada pela política monetária restritiva dos seus respectivos bancos centrais.
“Em termos domésticos, a expansão do nível de atividade não ocorre somente em serviços, como restaurantes. Ela acontece de forma ampla, até em mercadorias duráveis, como veículos elétricos, que contam com a concessão de benefícios tributários do governo.” Segundo ela, também contribuem as obras em infraestrutura, entre elas as dedicadas à expansão da economia verde, como a edificação de estações de recarga de veículos elétricos e construção de data centers.
Mais apoio fiscal
Embora existam boas chances de que a China alcance a meta de crescimento de 5% em 2023, é bem provável que o governo Xi Jinping continue com medidas de apoio fiscal para reforçar o nível de atividade para além das decisões de política monetária. Os juros básicos no país estão em 2,5% ao ano e reduzi-los de forma intensa poderia provocar mais fugas de capitais e novas rodadas de depreciação do yuan ante o dólar.
Segundo Shenshen Wang, estrategista sênior de equities para a China do Mizuho Securities, entre os principais estímulos fiscais que o governo em Pequim realizará até dezembro estará a concessão de entre 1 trilhão (US$ 136,6 bilhões) e 1,5 trilhão (US$ 205 bilhões) de yuans aos governos locais para reduzirem suas dívidas, sobretudo com bancos que financiaram investimentos em várias áreas, como no setor de construção. Um outro montante entre 1 trilhão e 1,5 trilhão de yuans pode ser liberado até o final do ano como antecipação de uma parte das verbas federais do orçamento de 2024 para projetos de infraestrutura.
“Com essas duas operações, o governo central pode destinar ao menos 2 trilhões de yuans (US$ 273,3 bilhões) no total aos governo locais. Os recursos dedicados para reduzir o endividamento com instituições financeiras dará mais condições a elas para realizarem mais empréstimos por toda a economia”, comentou Shenshen. “A outra metade deve ser orientada a obras de longo prazo, como rodovias e aeroportos, que ajudarão a reforçar a recuperação da economia da China especialmente em 2024.”
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